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sexta-feira, 30 de julho de 2021

O Lugar do Evangelho

 

O Lugar Do Evangelho

Vinélius Di Marco (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Julho 1962

             Dizia Benaisar ao amigo irado:

            - Digo-te que te precipitas, Yala. Não deves condenar ninguém por simples suposição.

            - Não é suposição. É certeza. Disse-me Beraida que ouviu o que de mim se falou, pois estava presente. Ninguém mais digno de crédito do que ele, Benaisar.

            - Esse mesmo juízo faço eu da pessoa que tu acusas. Ouve, amigo: Às vezes somos levados a admitir coisas que nos iludem os sentidos, embora estejamos convencidos de que ocorreram realmente conforme acreditamos. Tua informante pode ter sido vítima de um equívoco, tanto mais que a ocorrência se verificara em ambiente agitado.

            - Julgas-me louco? Não! Não! Tenho certeza absoluta do que houve e meu julgamento está feito. Sou um homem de grandes virtudes, como sabes, Benaisar, e não mereço ser tratado assim.

            Já que tendes tanta certeza nada mais tenho a fazer aqui. Retirar-me-ei, porque não desejo discutir contigo. Todavia, acho-te intolerante e bom seria que te recordasses daquela passagem do Evangelho que diz: “Não julgueis para não serdes julgados; porquanto sereis julgados conforme houverdes julgado os outros; empregar-se-à convosco a mesma medida de que vos tenhais servido para com os outros”...

            - Lembro-me bem dessas palavras, Benaisar. Deverias, então, ensiná-las a quem disse mal de mim...

            -Evidentemente, eu o faria se tivesse a mesma certeza que tens. De qualquer forma, Yala, medita um pouco a respeito desta outra frase do Mestre: “Atire a primeira pedra aquele que estiver sem pecado”...

            Depois do rápido diálogo, cada qual tomou o seu rumo.

 ***

            Dias depois, encontraram-se de novo e Yala retornou ao assunto, com a mesma disposição de espírito:

            - Cada vez tenho mais certeza do que te disse, Benaisar.

            E repetiu as mesmas razões anteriormente defendidas. O amigo as ouviu em silêncio, falando em seguida:

            Continuo a pensar que te precipitaste no julgamento feito, Yala. Robusteceu-se em mim a convicção de que estás alimentando um mal-entendido, porque, na realidade, ninguém falou mal de ti.

            - Então duvidas de mi?! Que amigo és? – exclamou, irritado, fazendo um gesto nervoso, o amigo de Benaisar. – Não perdoarei jamais o que de mim foi dito. Não o mereço, porque sou um homem de grandes virtudes!

            - Está bem, Yala, está bem. Eu deveria dizer antes: Está mal, Yala, está mal, porque desperdiças uma oportunidade magnífica de exemplificar as lições sublimes do Evangelho. Assemelhas-te àquela personagem para quem disse Jesus: “Como é que vedes um argueiro no olho do vosso irmão, quando não vedes uma trave no vosso olho? Ainda que fosse expressão da realidade o que supões, não deverias ser tão extremado. Yala, porque cada vez mais te distancias do Evangelho, que conheces e tens o dever de respeitar? Lamento-o por ti. Louvas te numa opinião que não pode ter o dom da infalibilidade. Hoje sei que nada se passou como o afirmas. Neste caso, os papéis estão invertidos: és tu quem está em falta, porque insistes no erro de sancionar um equívoco...

            - Já que discordas de mim, sigamos caminhos diferentes. Minha convicção é inabalável e jamais apagarei com o perdão essa nódoa às minhas virtudes. És um falso amigo; abandonas-me na hora em que sou humilhado.

            - Entrego-te à tua consciência, Yala. Ela será teu juiz, no amanhã que se aproxima. Antes que te vás, porém, faço minhas estas palavras de um cristão de verdades reais: “Queres ser feliz um instante? Vinga-te. Queres ser feliz para sempre? Perdoa. “Posso dizer-te, concluindo, que, pelo outro lado, há muito que estás perdoado...

            Retomando seu caminho, Benaisar murmurou tristemente:

            - É bem mais fácil ter o Evangelho nos lábios do que no coração... que é o seu verdadeiro lugar.


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