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segunda-feira, 26 de julho de 2021

Conversando com seu próprio fantasma

Elliza Orzeszko

  Conversando com 
seu próprio fantasma

Por Lino Teles (Ismael Gomes Braga)

Reformador (FEB) Outubro 1962

 

            Eliza Orzeszko é uma das maiores glórias da literatura mundial. Viveu na Polônia, de 1843 a 1910.

            Em seu excelente romance “Marta”, que teve a honra de ser traduzido para o Esperanto pelo Dr. L. L. Zamenhof e que assim se tornou um dos clássicos da língua internacional, narra ela a dolorosa situação de uma pobre mulher nascida na melhor sociedade varsoviana, onde viveu feliz até aos 24 anos, ficou viúva, pobre e sofreu horrores até a morte violenta, debaixo de um bonde.

            Marta era de moral irrepreensível e de fina educação social; ficou viúva com uma filhinha de quatro anos e não se pode adaptar a nenhuma profissão: todas as tentativas neste sentido lhe falharam, porque não tinha qualquer educação profissional. Todo o seu cabedal de conhecimentos era apenas para ornamentação de salões, e isso não basta como meio de vida.

           Em plena miséria, numa água-furtada, está ela meditando junto à filha condenada à fome e discute consigo mesma. Leiamos na página 104:

            “Diante dela, flutuando no espaço vazio, achava-se uma figura de mulher com mortal angústia no rosto, com o rubor da vergonha na fronte, com as mãos entrelaçadas. Era a sua própria figura, refletida no espelho de sua imaginação.

           “Então és tu – dizia Marta mentalmente ao seu fantasma que nascera de seu próprio espírito – então és tu aquela mesma mulher que tão heroicamente prometeu a si mesma e à sua filhinha trabalhar, por sua perseverança e energia varar caminho ente os homens e conquistar um lugar ao sol?  Que fizeste, pois, desde o tempo em que tomaste essas resoluções? Como cumpriste a promessa que fizeste das profundezas de teu espírito à sombra querida do pai de tua filhinha?

          “A figura de mulher começou a oscilar no ar como um ramo flexível sacudido pelos vendavais; em vez de qualquer resposta, ela bateu mais fortemente as mãos uma contra a outra e murmurou com lábios trêmulos: - Eu não tinha aptidões” Eu sou uma ignorante!

            “Ó criatura inepta! – exclamou Marta de si para si – es assim digna do nome de ser humano, se sua cabeça é tão néscia que não sabe bem o que pensar de si mesma, se tuas mãos            são tão fracas que não se podem resguardar com seus desvelos nem a cabecinha minúscula de uma pobre criança! Porque então te estimavam outrora? Poderias agora estimar-te a ti mesma?

            “A figura de mulher descruzou as mãos e com elas cobriu o rosto que se curvou profundamente”.

             Há desses momentos em que o Espírito olha objetivamente e julga com severidade seu corpo, sua personalidade humana, tão diferente do seu ideal eterno.

            Mais adiante, na página 220, a Autora descreve a cena tétrica da meninazinha exânime, sem tratamento, que, num delírio, estendendo os bracinhos para o espaço vazio, para o pai que morrera um ano antes, exclama: “Papai! Papai!, gemendo, sorrindo e rogando socorro. Esta cena é realmente espírita e de fatos semelhantes tratou Bozzano em “Aparições no Leito de Moribundos”.

            Repitamos: “Marta”, de Eliza Orzeszko, é uma das obras imortais da literatura universal, tendo-se, por felicidade, tornado obra clássica do Esperanto, estudada em todos os países.

            Do ponto de vista social, a educação da mulher progrediu muito depois do tempo em que Eliza Orzeszko escreveu esse livro de combate aos defeitos de nossa civilização contra o sexo feminino. A mulher hoje frequenta escolas profissionais, aprende a trabalhar, a ser economicamente livre, e não uma eterna criança indefesa ou escrava, como era há um século.

            A autora de ‘Marta” foi uma das preparadoras da sociedade futura.

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