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sábado, 31 de julho de 2021

Educar para o bem

 

Educar para o Bem

Tasso Porciúncula (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Julho 1962

             A quem observa o desregramento da vida atual, não há de escapar a presunção de que isso ocorre porque enfraqueceu a educação de família, a chamada “educação de berço”, permitindo-se, por outro lado, que o cinema, o teatro, o rádio, e já agora a TV, em vez de se constituírem elementos preciosos de preservação e consolidação dos princípios  de ordem moral, concorram abertamente para corrompê-los e destruí-los.

            O conceito de liberdade ampliou-se tanto que ficou desfigurado, a ponto de se diluir na licenciosidade. Os jornais, a seu turno, e com eles as revistas, permitiram-se a divulgação de fotografias e textos não conducentes com ao recato, a exploração sensacionalista do crime e do vício como elementos destinados à multiplicação de sua tiragem. Dessa maneira, tem-se verificado alarmante aberração de hábitos e costumes, que, a falta de autoridade dos pais, a indiferença dos mestres nas escolas e a negligência ou comodismo das autoridades incumbidas da defesa da chamada sociedade, estimulam e agravam.

            Ligue-se o rádio e se ouvirão gracejos pesados, de duplo sentido ou de sentido agressivamente imoral. Faça-se o mesmo com a TV e aí, então, a situação piora, porque, além do som, há a imagem a invadir os lares, para lá levando palavras e gestos chocantes, a pretexto de humorismo, envenenando a moralidade, incutindo no espírito  da juventude ideias incompatíveis com a decência, ou deturpando o sentimento infantil com programas de lutas belicosas, de crimes, em que são vistos duelos a pistola, apunhalamentos pelas costas, enfim, cenas que em nada podem melhorar as condições da vida mental dos dias em que vivemos.

            Se ainda não bastassem tantos elementos de corrupção, já encontráveis em certos teatros, nos quais é moda o emprego até de palavras obscenas, e, em determinados filmes nacionais e de procedência estrangeira, em que tudo se sacrifica ao que de mais rasteiro é possível admitir-se nos ambientes do mais baixo estalão moral, a juventude ainda se v~e seduzida por ritmos e danças selvagens.

            Só a educação do sentimento poderá salvar o homem de ruína progressiva, do rebaixamento total. Essa educação terá de ser incrementada dentro do lar, prosseguindo nas escolas. Não é preciso remontar à Idade Média, porque, então, para combater um mal, seria revivido um outro, que deixou marcas indeléveis na mentalidade humana.

            Será necessário confinar a excessiva liberdade que se concede à infância , através da educação evangélica, diremos melhor – através da educação evangélica, ministrada com sentido prático, pela qual os pais concordem em renunciar a prazeres mundanos, que lhes obrigam o relaxamento da vigilância indispensável no lar, e prefiram, em contrapartida, voltar suas atenções aos deveres espirituais, hoje tão abandonados ou cultivados apenas na aparência.

            Quando vemos nos jornais e nas TVs anúncios de brinquedos que imitam armas de fogo, admirando-nos que não haja protestos contra os males introduzidos desde cedo no espírito infantil. E lamentamos a inconsciência dos pais que enchem os filos de cartucheiras, pistolas ou rifles de brinquedo, deliciando-se com o verem todos eles, horas e horas por dia, simulando lutas entre bandidos! Assim se vai, instilando na alma da criança o desamor ao próximo, a noção de que os problemas da vida podem ser resolvidos simplesmente por tiro e facadas. Alguns pais, por não quererem incomodar-se com o disciplinamento dos filhos, permitem essa espécie de brincadeira e ainda sorriem, contentes, quando eles, vestidos de “cowboys” (!), infernam a paciência alheia, fazem pequenas desordens, imitando o que veem no cinema e na televisão.

            Enquanto isso, a fábricas de armas de brinquedo prosperam. Até mesmo em programas elogiáveis, porque buscam estimular o estudo, premiando meninos e meninas, os prêmios são, na maioria das vezes, revólveres e cartucheiras... Há dias, foi lançado até um revólver de repetição e o propagandista salientava o pormenor: parece-se com uma arma de verdade...

            Onde a consciência dos pais? Onde os princípios de formação religiosa que dizem haver recebido e, para comprová-lo comparecem a missas e cerimônias outras de caráter litúrgico? Onde a educação cristã? Onde o amor real aos filhos, se os preparam, com a mais negra inconsciência, para uma vida sem repercussão evangélica? Que esperam dessas crianças, amanhã, se elas, desde agora, aprendem a considerar as armas de destruição como elementos imprescindíveis para a sua defesa ou para atacar o próximo?

            Como poderão esses pais acreditar no futuro de filhos tão mal preparados psicologicamente? As impressões que as crianças fixam, geralmente as influenciam o resto da vida. Por isto, fácil se torna compreender as consequências dessa educação defeituosa, dessa má educação de pais fúteis, materializados, que pensam mais em si mesmos do que nos filhos.

            O que se faz hoje em dia é destruir na alma da criança os sentimentos de paz, substituindo-os pelos sentimentos desfraternos, que não poderão acolher jamais o sublime ensino do Cristo: “Amai-vos uns aos outros”.

            A maior tarefa cabe ás mães na luta pela educação real dos filhos, na recuperação moral da família, no estabelecimento de rumos diferentes, que farão das crianças de hoje homens úteis à família e à Humanidade, ou homens cúpidos, egoístas, desumanos, para os quais os outros homens serão sempre considerados obstáculos que precisam ser destruídos.

            Muitos pais, por excessivo e mal compreendido sentimentalismo, fecham os olhos a erros, hábitos, vícios e defeitos dos filhos. Creem que, com o tempo, hão de melhorar e esquecerão a “bobagens” da infância e da primeira juventude. Mas se esquecem de que a tolerância, a falta de energia, a imperfeita visão das coisas e dos fatos, nada mais fazem que abrir caminho a novos erros, a consolidar hábitos, vícios e defeitos.

            Crianças criadas com muitas vontades, que fazem mais o que querem do que o que devem, tornar-se-ão, quando mas crescidas, difíceis de controlar. Poderão transformar-se, com o tempo, em ditadoras dentro do lar, reservando aos pais as maiores dores-de-cabeça e os maiores desencantos.

            Não se deve, por prudência e por educação, avivar na criança o sentido de interesse pelo dinheiro, nem facilitar-lhe a obtenção deste, para que não venha ela, depois, experimentar verdadeira obsessão pela posse e o orgulho de ter mais dinheiro que outra criança. A influência que essa conduta tem na deformação do caráter é extraordinária.

            Há pais que pensam consistir em rezas decoradas a educação evangélica dos filhos. O que vale é a orientação e a exemplificação. Devem estar vigilantes para que a criança compreenda as lições recebidas e as cumpra, sem o que de nada valerá o dizer frases de feitura religiosa, porque a substância espiritual, de que elas poderão ser o veículo, não conseguirá identificar-se com o seu espírito.

            Num mundo tumultuado como o atual, em que o materialismo domina a vida do lar e a vida externa, a conduta evangelizada é muito importante. Cada manhã e cada noite, antes de levantar-se e antes de deitar-se, os filhos devem conversar com a mãe e esta, com a sutileza comum ao sexo feminino, deve examinar aspectos do dia vivido e comentá-los com critério evangélico. Não será preciso entediar as crianças com muita reza, mas esclarece-las, apontando-lhes o caminho da retificação e dando-lhes normas para seguirem no viver diuturno.

            A mãe do famoso Mahatma Gandhi, a maior expressão espiritual do século costumava fazer os filos repetirem com ela, todas as noites, ao deitar, frases mais ou menos assim: “Serei sempre bom, jamais farei mal a quem quer que seja”. E deles exigia tanto quanto possível a exemplificação dessas promessas. Ora, um trabalho persistente de auto sugestão ia-se desenvolvendo dessa maneira e as ideias do bem como se sedimentavam na alma de cada um deles. E não houve na família Gandhi um único elemento que descambasse para o mal.

            Por isso, Gandhi, reconhecendo que a “educação espiritual das crianças é uma tarefa muito mais árdua do que a educação física ou intelectual”, entendia que, tal como estas duas que só se realizam com a ajuda de exercícios práticos, também a espiritual não pode deixar de ser desenvolvida pela prática cotidiana dos exercícios do espírito.

            Na educação, não se deve abandonar a criança a uma liberdade excessiva. Para o bem dela própria, sua liberdade tem de estar condicionada a normas definidas pela educação. O homem bom é um homem livre. A educação espírita ou evangelizada não tem por fim domesticar o homem, mas prepara-lo convenientemente para uma vida com duplo aspecto, material e espiritual, coma predominância desta sobre aquela.

            O mundo de hoje sofre as consequências da má compreensão da liberdade humana, pois a entendem como a faculdade de permitir que cada qual faça o que entenda, sem respeitar o seu próximo. Isto está longe dos princípios morais baseados nos ensinamentos do Cristo.          

            Educar para o bem é educar para a vida real. Aquele que se habita a proceder bem, cultivando a honestidade, a tolerância, a urbanidade e a fraternidade, encontrará diante de si um caminho em menos tortuoso e áspero do que aquele que, dominado pelo egoísmo, só pensa em si, só faz o que atende a seus interesses, que não vê no mundo senão as suas conveniências. Não é possível que alguém viva rigorosamente para si, apenas, num mundo em que há milhões de seres sofrendo de fome, de sede e de dor, porque cada qual colhe o que planta. Ninguém escapa a esta lei.


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