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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

'Festanças e Promoções'



“Festanças e Promoções”
                        
                Aqui a mixórdia já atingiu os limites máximos permitidos pelos mais tolerantes princípios do espiritismo. O atalho, além de tenebroso, é em declive. Promovem-se, à guisa de expansão doutrinária, as mais esdrúxulas iniciativas: churrascadas, shows, chopadas, piqueniques, etc. No item 11 - "Programações ruidosas" -, fiz apenas o enfoque comemorativo das iniciativas; agora entro, como prometi, nas festanças propriamente, nos tipos e gêneros realizados.

                Há tempos, no Rio de Janeiro, uma instituição oferecia um angu à baiana a bom preço por cabeça. No Pacaembu, de São Paulo, foi promovido um big-show com a presença do "homem-Iuz"[1](?!) ... 317 No Roda-Viva, na praia Vermelha (Rio), patrocinaram uma churrascada no capricho, "com direito a três chopes" (!!!). A renda seria destinada à aquisição de casa própria para uma confreira (???). Em Higienópolis, no estado de São Paulo, tivemos um badaladíssimo chá-show. No Méier, aqui no Rio, aconteceu uma espetacular Festa Junina, com tudo a que se tinha direito: canjica, pescaria, teatrinho de fantoches, balõezinhos, etc. Na Bahia, patrocinado por importante entidade local, realizaram um Festival do Sorvete, que alcançou "grande êxito". Em Bauru, SP, também sob os auspícios de conhecida instituição, promoveu-se o "1º Grande Pic-Nic", com refrigerantes, shows, brincadeiras, almoço, ônibus especial e ... viva Jesus! Com atores famosos e muita cantoria, os espíritas de um centro de Jacarepaguá, aqui no Rio, festejaram o Dia das Mães. Num desses carnavais passados, surgiu em plena avenida Rio Branco (Rio) um "bloco espírita". Foi um sucesso, com a apresentação de exímios passistas e foliões.

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..............Numa passagem de ano, certo centro espírita realizou uma concorrida procissão comemorativa do réveillon, pelas ruas da cidade..............................

......Prosseguindo em nosso rosário (este é o termo exato) de realizações: em Paripe, na Bahia, sob os auspícios de prestigiosa entidade, aconteceu um "Arraial Espírita", certamente com muita queima de busca pé fluidificado. Outro centro, naquele mesmo estado, realizou a "Ginkana do Bem", sabendo-se que foi uma farra sem precedente. Bem recentemente, em Santos, SP, um centro espírita local patrocinou a "sua tradicional Noite da Pizza". Para sintonizar o clima napolitano, sugiro que, da próxima vez, incluam em fundo musical o "Magnificat" e, na sobremesa, seja servida a hóstia consagrada, condimentada com orégano. Em Minas Gerais, foi proposta à Câmara local a criação de um museu espírita, com o objetivo declarado
de promover "mais uma atração turística". No ginásio do Pacaembu, foi realizada chocalhada manifestação, que atraiu gente em penca e, segundo os jornais espíritas, "foi, antes de tudo, a consagração da Doutrina Espírita, cujo conceito aumenta, dia a dia, arrebanhando gregos e troianos". (É que nem trem da Central: vai entrando que dá pra todo mundo.) E muitas e muitas outras farras, folias, patuscadas, .....

...... Devo, entretanto, ressalvar que, quanto às atividades recreativas e artísticas, aqui anotadas, todas elas estariam muito bem, se não fossem levadas para dentro das instituições espíritas ou se estas instituições não lhes emprestassem o seu patrocínio. Principalmente se não envolvessem o espiritismo no esquema. Alguém por acaso já viu ou ouviu falar de alguma dessas iniciativas patrocinadas pela Federação Espírita Brasileira? Será que o exemplo não basta?

                Bem, leitor, é nesse pé, infelizmente, que as coisas estão. Porém há eventos ainda mais acachapantes.
                Durante conferências públicas, certa instituição espírita do Rio não perde tempo e vende sem pestanejar (e sem vergonha) tômbolas e rifas para os presentes. Além de ilegal e repetitiva do que fazem os católicos, a prática é perturbadora do clima espiritual dessas horas e, ainda, constrangedora tanto para o público quanto para o orador. Mas pior é ler artigos de quem se julga com autoridade para orientar, inclusive com livros, o movimento espírita, defendendo a prática do jogo do bingo nas instituições, a fim de angariar
recursos. É lastimável tamanha irresponsabilidade ética e religiosa. E por que não roleta, bacará, vinte-e-um, campista? Todos geram cornucópias de cruzeiros e dólares. ......................

.................... Triste, tristÍssimo atalho moral e espiritual.

.....................Continuemos. Uma certa fraternidade espírita se comprometia a abrir possibilidades para as pessoas vencerem na vida através do diagnóstico mediúnico do olhar. Consulta paga, é obvio ... No local do antigo Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, em Vila Isabel, foi montada, em 1973, a Feira da Primavera.
Conhecida instituição, genuinamente kardecista, armou a sua barraca. Logo na frente, alinhou uma série de garrafas cujas doses eram vendidas em benefício da instituição. Conteúdo: pinga, cachaça. Olhe o leitor que eu disse tratar-se de instituição genuinamente kardecista ... Desculpa apresentada quando um verdadeiro espírita estranhou aquele comércio: as garrafas foram doadas ...

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             Se fosse para vender livro, vá lá; mas pastel, banana, torta, linguiça ... ah, essa não me desce na garganta. Talvez seja fastio. Fastio principalmente desse alimento putrescente que é o miasma de todos os atalhos. O Reformador de dezembro de 1966, p. 266, publicou valiosa nota condenando os bailes públicos em prol do espiritismo. Vale a pena também reler o artigo estampado na mesma revista de junho de 1948, p. 142, sobre festividades, músicas e bailes nas associações espíritas. Avalio, porém, como a melhor advertência, aquela que se contém na mensagem de Djalma Montenegro de Farias, psicografada por Divaldo Pereira Franco e inserida no Reformador de junho de 1960, pp. 135-136, sob o título "Templo Espírita". Copio dois parágrafos:

          Lentamente, vai-se generalizando nos centros espíritas uma prática que é, positivamente, afrontosa ao lema que ostentamos em memória do Codificador do espiritismo: "Fora da Caridade não há Salvação".
         Desejamos referir-nos aos chamados movimentos financeiros, tais como: apelos de dinheiro, venda de rifas, brincadeiras cômicas para aquisição de moedas, concomitante ao serviço de difusão doutrinária, em casas de pregação e assistência.
        Nesse sentido recordemos a linguagem vibrante de Jesus aos vendilhões do Templo, em Jerusalém, que transformavam o recinto de oração em balcões de comércio.

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Conduta Espírita, André Luiz recomenda, no capítulo 14: "Sustentar a dignidade espírita diante das assembleias, abstendo-se de historietas impróprias ou anedotas reprováveis."
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                Mas existe outro tipo de promoção, já bem ampla nas hostes espíritas, que extrapola qualquer diretriz do bom senso. É a instituição de dias comemorativos, a exemplo do que faz a Igreja Católica com a distribuição dos santos pelo calendário, a fim de serem efusivamente festejados. Não estou me referindo às datas de fundação das entidades, nem as rememorativas de algum acontecimento inquestionavelmente importante, do ponto de vista histórico, como a reencarnação de Allan Kardec, o lançamento de O Livro dos Espíritos, a descida de Jesus à Terra, etc. Isso é outra coisa. Refiro-me às extravagâncias que não passam de meras bajulações ou marcos estapafúrdios. Por exemplo: entidades, consideradas de bom conhecimento doutrinário, já propuseram, e algumas comemoram, religiosamente, o Dia da Mocidade Espírita (14 de
maio), o Dia da Saudade (5 de outubro, para reverenciar a memória dos médiuns), Dia da Doutrina Espírita (31 de março, transformado em lei estadual), Dia do Médium (30 de maio, este para homenagear os que ainda estão encarnados, e cujo documento foi-me presenteado pelo Divaldo Pereira Franco, então horrorizado com a ideia; e há também o Mês do Médium, que é em agosto, com 30 dias de puxa-saquismo), Dia do Espírita (3 de outubro; e eu que pensei que o espírita fosse espírita todos os dias ... ) e, para encerrar esse folclórico calendário, o Dia da Caridade (19 de julho, transformado na lei federal nº 5036, de 4.7.1966). Este último é hilariante e muito digno das religiões que instituíram cronologia para a salvação, mas, sem dúvida, há de ser repudiado pelos espíritas sérios. Caridade com dia marcado? Onde já se viu isso? Caridade é para ser pensada e praticada em qualquer dia, a qualquer hora, sempre que for possível e desejável. E se se tratar apenas de data evocativa, também de nada vale, pois a evocação desse dever é permanente, como o é a do próprio bem. Já pensaram na hipótese de se criar o Dia do Bem, para que nos lembremos de sermos bons? Por favor, freiem a imaginação e poupem-me o riso (ou o pranto!).

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No remate, a advertência de ouro feita por quem tinha verdadeira autoridade - Léon Denis:

                O Espiritismo propagou-se, invadiu o mundo. Desprezado, repelido ao começo, acabou por atrair a atenção e despertar interesse. Todos quantos se não imobilizavam na esfera do preconceito e da rotina e o abordaram desassombradamente, foram por ele conquistados. Agora penetra por toda a parte, instala-se em todas as mesas, tem ingresso em todos os lares. À sua voz, as velhas fortalezas seculares - a Ciência e a própria Igreja, até aqui hermeticamente aferrolhadas - arrasam suas muralhas e entreabrem suas portas. Dentro em pouco se imporá como soberano.

                Que traz ele consigo? Será sempre e por toda a parte a verdade, a luz e a esperança? Ao lado das consolações que caem na alma como o orvalho sobre a flor, de par com o jorro de luz que dissipa as angústias do investigador e ilumina a rota, não haverá também uma parte de erros e decepções?

                O Espiritismo será o que o fizerem os homens. Similia similibus! Ao contato da humanidade as mais altas verdades às vezes se desnaturam e obscurecem. Podem constituir-se uma fonte de abusos. A gota de chuva, conforme o lugar onde cai, continua sendo pérola ou se transforma em lodo.

Fonte: Item 28 deO Atalho - Análise Crítica do Movimento Espírita’
por Luciano dos Anjos

(Ed. Lachatre 1994) com pedido antecipado de desculpas ao Autor face cortes no texto original.


Pergunta do Blogueiro: O Sr. Thobias da 'Vai-Vai' é francês?

[1] É o Chico, coitado.... Nota do Autoir

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