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domingo, 9 de outubro de 2011

1/3 'A Questão Roustaing'


‘A Questão Roustaing’
Parte I/III
por  Iaponan Albuquerque da Silva

(Reformador Janeiro 1983)

            “A rutilante face da Verdade Espiritual
emerge do oceano profundo e turvo da incompreensão humana,
dando-nos a cristalina imagem da origem do trabalho de fé de Roustaing,
emérito colaborador do mestre Allan Kardec."


            Eis que a Doutrina Espírita é, indiscutivelmente, fonte perene de libertação espiritual. Cristã em toda a sua essência, por ser o próprio Cristianismo Redivivo, como o têm comprovado todos aqueles que o estudaram de perto, de forma. acendrada, o Espiritismo - sublime neologismo do insigne mestre lionês - não se afasta um só instante da alma do vero Cristianismo, fazendo-nos relembrar a milenária e transcendental assertiva do Divino Rabi da Galileia:  "Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará." (João, 8 :32.)

            Espiritismo é, pois, sinônimo de Cristianismo. Sem deturpar este, muito pelo contrário, revive-lhe a essência lúcida e pura, acrescentando sem maculá-Ia, clarificando-a sem distorcê-Ia, moldando-a às realidades e cerebrações do presente, sem ferir-lhe a seiva de seu milenar passado, com vistas a.o seu desdobramento, ação e pujança vitoriosa. no futuro. Em sua. magnífica obra codificadora, Allan Kardec taxativamente esclareceu aos pósteros o caráter evolucionista da Doutrina Espírita, que se casa naturalmente com a tese libertadora contida no Evangelho do Cristo. A verdade transcendentaI é irmã da verdade relativa presente entre nós, os Espíritos, vinculados à carne ou não, visto que ela - em toda a sua plenitude - é apanágio de Deus. Serve como fiel da balança, onde num dos pratos se encontra a Libertação e noutro a Evolução. Equilibradas ambas, marcharemos verticalizados para a plenitude da Verdade Eterna, que, como dissemos, está em Deus.

            A automação do presente e o caráter cibernético da civilização atual não nos devem assustar, pois o comando da parafernália moderna ainda é domínio do ser pensante.

            A expressão filosófica cartesiana - Cogito, ergo sum - expressa-se modernamente em tudo que nos cerca, deslumbrando-nos, mas convidando-nos, outrossim, à doutrinação da Fé junto ao cérebro humano, paradoxalmente, senhor e escravo de suas multifárias criações. A alma humana, enclausurada na carne, clama por libertação, que poderá ser encontrada na fé racional evolucionista, que a conduzirá a Deus.

            Eis por que o iluminado mentor espiritual Emmanuel nos conclama, os espiritistas, ao trabalho da doutrinação, apontando-o como “a caridade maior que se pode fazer aos que renteiam conosco".

            Neste introito caberiam outras considerações acerca do tema "Libertação"; deter-nos-emos apenas numa transcrição que se nos parece soberba, mesmo porque o aludido assunto traz como que o estigma de mediar entre o delicioso e o escorregadio, por facilitar o seu enfoque sob o aspecto político-social. Observem a poesia abaixo e encantem-se com a sua deliciosa filosofia:

O Escravo

(James Oppenheim – Do livro “Quatro mil anos de poesia” Coleção Judaica

Libertaram o escravo, rebentando as suas correntes...
Então, achou-se ele, como sempre, escravo,
Achou-se, ainda, acorrentado ao servilismo,
Achou-se, ainda, manietado à indolência,
                        ao ócio
Achou-se, ainda, limitado pela superstição
                        e o medo,
Pela ignorância, a suspeita e a barbárie...
Sua escravidão não se achava nas correntes
Porém nele...
Podem-se libertar somente os homens livres...
E não há necessidade disso:
Homens livres libertam-se a si mesmos.

Tradução: Zulmira Ribeiro Tavares

A Doutrina Espírita é libertadora sem ser libertária. Os seus ensinamentos doutrinários são oriundos do plano espiritual, cabendo a Kardec compilá-Ios e dar-lhes método pedagógico. Logo, é fácil depreender-se que o ensino espírita é fruto da Espiritualidade  Superior"; não há como atribuí-Io as cavilações humanas.

            Embora sem se constituir em  novidade, é de se relembrar que a obra basilar da Codlflcação Kardequiana, editada em 1857, intitula-se  "O Livro dos Espíritos", o que a liberta em definitivo da suspeita dos eternos detratores das Verdades Eternas, que estimariam ve-Ia chamar-se "O Livro dos Espíritas". 

            Embora seja assunto desagradável à Federação Espirita Brasileira - Casa-Mater do Espiritismo no Brasil -, vê-se a mesma, vez por outra, obrigada a vir a público a fim de rebater acusações gratuitas, que lhe são dirigidas por pessoas desavisadas, que se dizem cristãs e, muitas delas, espíritas militantes.

            Não é nosso desejo polemizar. Assim, enfeixamos o introito, recordando que este trabalho jornalístico tem mais a finalidade de explicar certos fatos aos fiéis seguidores da "Casa de Ismael", que lançar qualquer ataque ou resposta àqueles que dela discordam.

O Pomo da Discórdia

Remontemos a 1938. Nesse ano, como fruto sazonado do magnífico trabalho no campo editorial encetado pela Casa de Ismael, sob a firme direção do ilustre Dr. Luís Olímpio Guillon Ribeiro, o Departamento Editorial da Federação Espirita Brasileira trazia a lume a 1ª' edição do livro "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho", psicografado por Francisco Cândido Xavier e tendo como autor o Espirito Humberto de Campos, "eminente homem de letras, desencarnado em 5 de dezembro de 1934", como se pode ler na capa da referida obra. Mais tarde, por motivos sobejamente conhecidos, o autor espiritual passou a assinar-se Irmão X, e vencida foi essa etapa de incompreensões dos que ainda mourejavam na carne com relação aos desencarnados.

            Entretanto, viriam outras batalhas, não mais no campo legal, onde ficou sobejamente comprovada a veracidade das comunicações e a lisura e desambição de médiuns e Diretores vinculados à Casa Máter, mas lutas - quase diriam os - portas adentro, pois Iniciadas por profitentes do Espiritismo. Esse tipo de luta, quando se esboça, é altamente danoso, porque causa prejuízos intensos e extensos às fileiras daqueles que têm por dever estudar e se amarem fraternalmente.

            Diz-se, geralmente, que a calúnia é a arma dos covardes, mas a dura realidade nos prova dia a dia que os caluniadores sentem prazer em praticá-Ia, confiantes em que, no mínimo. deixarão o respingo enodoante de sua maledicência sobre obras e nomes alheios.

            Criaturas de má-fé, visando mais à FEB e não com outro intento, passaram a insinuar, e mais tarde, em ataques ousados, a afirmar, que haviam sido feitas interpolações nos originais do livro em causa, visto não concordarem, em hipótese alguma, que o Espírito Humberto de Campos, através da psicografia de Francisco Cândido Xavier, afiançasse a seguinte expressão, que pode ser lida à página 158 da 1ª edição:

            "Segundo os planos de trabalho do mundo invisível, o grande missionário (Allan Kardec), no seu maravilhoso esforço de síntese, contaria com a cooperação de uma plêiade de auxiliares da sua obra, destacados particularmente para auxilia-lo, nas Individualidades de João Batista Roustaing, que organizaria o trabalho da fé; de Léon Denis, que efetuaria o desdobramento filosófico; de Gabriel Delanne, que apresentaria a entrada, científica, e de Camllle Flammarion que abriria a cortina dos mundos, desenhando as maravilhas das paisagens celestes e coadjuvando, assim, a codificação kardeciana, no Velho Mundo, dilatando-a com os necessários complementos."

            A citação do nome de Roustaing nesse trecho oriundo do plano espiritual foi o estopim da revolta, o pomo de discórdia, pois muitos confrades duvidaram da veracidade do texto. O nome de Roustaing catalisa, de há muitas décadas, a revolta daqueles que o julgam mistificador e/ou mistificado, por causa de sua obra "Os Quatro Evangelhos", editada em 3 volumes, pela primeira vez, em Bordeaux, no ano de 1866.

            É óbvio depreender-se que a ojeriza a Jean-Baptlste Roustaing deve-se à obra acima aludida, que Inúmeros confrades julgam incompatível com as de Allan Kardec, havendo entre as mensagens espirituais e conceitos expendidos por ambos enorme ambiguidade e conflitantes conceitos doutrinários, segundo afirmam.

            Há quem vá mais adiante, afiançando alto e bom som, que a Federação Espírita Brasileira, há muito tempo, vem defendendo e propagando Roustaing, em detrimento da obra codificadora de Allan Kardec. Eis ai um assunto de extrema delicadeza, que merece ser estudado e esclarecido, não à custa de falsos Informes, mas á luz da plena razão e do direito, a fim de que se informe aos desinformados, tentando fazê-Ios calar, não à força de imposições descabidas, mas pelo esclarecimento histórico e real dos fatos. os quais pretendemos narrar.

            Tornar-se-á necessário um flashback histórico de fatos relacionados ao assunto em tela a fim de que fiquem alertados os de boa vont ade, ainda que persistam a falar os eternos "pescadores de águas turvas".

O Compromisso com a Verdade

            A função específica do jornalista é informar, principalmente o repórter, mesmo que a informação venha a desagradar a este ou àquele ou magoar pretensos poderosos.

            Respeitada a ética da informação. evitando-se descambar para o campo do escândalo, o verdadeiro jornalista - obviamente nele incluso o espírita - tem um compromisso permanente com a verdade, bálsamo e consolo que há de acompanhá-Io até a sepultura e mais além, quando suas notas forem deturpadas ou quando atacarem de rijo sua dignidade pessoal. Por isso, colocamo-nos à vontade ao enfocar o assunto atual, que trata de injuriosos ataques à Casa de Ismael e a seus servidores mais abnegados.

            Aqui não tomaremos partido; apenas relembraremos fatos e provaremos com documentos a veracidade da nossa exposição. Ao leitor arguto e sincero caberá a decisão e a. responsabilidade do julgamento. Portanto, exporemos e comprovaremos. Aos que nos lerem com isenção de ânimo caberá a palavra final, mas desde já. nos regozijamos com a grata sementeira da verdade e com a colheita sazonada e magnânima daqueles que, silenciosamente ou não, hão de gratificar com o seu assentimento nosso despretensioso esforço de mostrar-lhes a real face da verdade de fatos irretorquíveis, até esta data silenciados a fim de que se evitassem maiores atritos, o que ainda é o nosso desiderato.

            Para que consigamos nosso intento será válido e até necessário recorrermos a transcrições de publicações transatas, de notória respeitabilidade, assim como estamparmos documentos autênticos, há décadas de posse da Federação Espirita Brasileira, fontes iniludíveis de defesa e provas incontestes da falta de veracidade dos conceitos contra ela emitidos, e que somente agora virão a lume, pela irrestrita necessidade de se comprovarem fatos de natureza histórica pertinentes ao movimento espírita em solo pátrio.

            Sem azedumes, revolta ou espírito de vindita isto será feito, mesmo porque a pesquisa é parte implícita desse tipo de trabalho rememorativo e histórico.

            Em "Reformador" de maio de 1966, à página 110, do trabalho intitulado "T'eles de Menezes e a obra de Roustaing " destacamos estes trechos;

            “Talvez os leitores desconheçam que "Os Quatro Evangelhos", de J. B. Roustaing,  por uma razão histórica decerto ditada pelo Alto, entraram no Brasil através do venerando pioneiro espírita baiano Luis Olímpio Teles de Menezes , o fundador da primeira Sociedade espirita em nosso País.

            "O Espiritismo dava, então, aqui, os primeiros passos, sempre progressivos. As obras de Allan Kardec eram estudadas em francês, e delas apenas parte da Introdução de "O Livro dos Espíritos" e "O Espiritismo na sua mais simples expressão" estavam trasladados em língua portuguesa. A Doutrina  que entre nós se difundia, e isto desde 1865, era marcadamente espírita-cristã, dando-se aos Evangelhos toda a sua importância basilar no edifício da Nova Revelação.

            "Teles de Menezes, na época o representante máximo da nova Doutrina em terras do Cruzeiro, recebia, então, no ano de 1870, diretamente de Roustaing, a primeira edição francesa de "Os Quatro Evangelhos".

            "No número 6, Maio de 1870, de O ECO D'ALÉM TÚMULO, o mais antigo órgão espírita surgido no Brasil, Teles de Menezes publicava, nas páginas 292 a 296, extensa e criteriosa crítica sobre o referido livro, da qual reproduziremos os trechos abaixo, ainda atualíssimos, embora escritos há 96 anos:
           
            "Esta importantíssima obra, em 3 volumes de 600 páginas cada um, foi publicada em Bordeaux, em 1865. Tínhamos apenas notícia de sua existência, agora, porém, tivemos a subida satisfação de sermos honrados com a generosa oferta de um exemplar por seu muito distinto autor, a quem, cordialmente, agradecemos essa alta prova de consideração. Os espíritas verdadeiros encontrarão em sua leitura variadíssimos ensinos de transcendente importância e do mais perfeito acordo com a doutrina ensinada n' O Livro dos Espíritos e n'O Livro dos Médiuns.

            "Esta obra é de um trabalho considerabilíssimo, porquanto pelo concurso de admiráveis comunicações medianímicas, sempre sustentadas, explica e interpreta os Evangelhos, capitulo por capitulo, verso por verso.

            "Esta obra extra-humana foi produzida pelos Espíritos e por sua ordem publicado., como sucedera com o Sr. Allan Kardec acerca da organização e publicação d'O Livro dos Espíritos (Le Livre des Esprits)."

            Enfeixando o trabalho "Teles de Menezes e a obra de Roustaing" o redator do mesmo assim o concluiu:

            "Ismael, Kardec, Roustaing e Teles de Menezes - chefe, missionários e obreiro - entrosararn-se perfeitamente no propósito de dar ao Espiritismo no Brasil a orientação evangélica que o tornou admirado e respeitado no orbe inteiro.

            "Continuemos todos a laborar segundo essas diretrizes, a fim de sermos amanhã, no concerto dos povos, a Pátria do Evangelho e o Coração do Mundo."

            Pelo exposto é fácil verificar-se que as obras basilares do pentateuco Kardequiano, àquela época, ainda eram, em boa parte, estudadas no original, em francês. Mais tarde seriam vertidas para o português, para gáudio de quantos se interessavam pela novel e promissora Doutrina, pelo emérito Dr. Joaquim Carlos Travassos, segundo se pode encontrar na magnífica obra "Grandes Espiritas do Brasil", de Zêus Wantuil.

            Mas o Alto, que elegera o Brasil como Pátria do Evangelho, continuaria a Influir decisivamente para a consecução de seus altos objetivos. Vejamos esta nótula, transcrita de "Reformador" de fevereiro de 1947, à página 43, sob o titulo "Roustaing-Bezerra":

            "- Um grupo de espíritas fundou a Federação em 10 de Janeiro de 1884, há, portanto, 63 anos. Esse grupo elegeu para presidente da Sociedade o primeiro tradutor da obra de Roustaing, o Sr. Marechal Ewerton Quadros. Essa obra, que já era estudada em outros grupos, passou a ser adotada pela Federação, concomitantemente com as de Allan Kardec. Após catorze anos de estudos, Bezerra de Menezes, então presidente da Federação, resolveu publicar a tradução da obra de Roustaing, iniciando a publicação em "Reformador" de 15 de Janeiro de 1898, ou, seja, nos. fins do século XIX."

            Seria o ínclito Marechal Ewerton Quadros o primeiro tradutor das obras de Roustaing, trabalho de extraordinária competência, que mais tarde chegaria à Casa de Ismael. Aliás, ambos, tradutor e obra haveriam de juntar-se segundo os ditames de mais Alto, para perfilharem no quadro histórico da. vida da Casa-Máter, pois a homologação no plano terreno efetivar-se-ia com a atitude do Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, no fim do século precedente ao nosso, fechando-se dessa maneira mais um elo da corrente progressiva do estudo doutrinário em nosso Pais. Obviamente, não é difícil identificar-se a sintonia perfeita entre o programa traçado no Alto e os realizadores do mesmo no plano terráqueo.

Compilação dos Fatos  

            Estribada numa perene posição evangélica, a Federação Espírita Brasileira tem evitado, com tato e prudência, vir a público desmentir as acusações que lhe são dirigidas. Elas geralmente minguam por si mesmas, vitimas de suas próprias contradições. As páginas de "Reformador", inequivocamente, não existem para o exercício da polêmica e sim para formar retamente o vigoroso pensamento da obra cristã, fundamentado na Codificação Kardequiana, que divulga o Espiritismo, atestando-a como a Terceira Revelação.

            Mas, através das décadas, vez por outra, vemo-Ias traduzindo o pensamento dos veros seguidores da Casa de Ismael, obrigados a esclarecimentos que seriam totalmente desnecessários, não fora a pertinácia e constância dos que agridem, numa tentativa infeliz de perturbar e desunir quantos não escondem sua posição de leais servidores da Vinha do Senhor.

            Seria assaz cansativo a quantos nos leem a transcrição literal de alguns dos inúmeros ataques desferidos contra a FEB e os respectivos esclarecimentos a respeito. Mas recomendamos a quantos desejarem aprofundar-se sobre o assunto, recorrerem à leitura das seguintes publicações, todas extraídas de "Reformador": "Acusação temerária" (Redação), abril de 1947, página 85, e junho de 1947, página 132; "O dogma fluidificante", junho de 1947, página 131; "Demolidores", maio de 1949, página 118; "Textos adulterados",  julho de 1950,  página 162; "Era fluídico o corpo de Jesus?", maio de 1953. pp. 100/1; "Obra das Trevas", junho de 1953, página 127; "Era fluídico o corpo de Jesus?", agosto de 1953, pp. 180/1. Mais ainda. vale recomendarmos a leitura do mensário "Obreiros do Bem", datado de fevereiro de 1979, à página 17, onde se encontra o talentoso artigo sob a epígrafe; "A opinião de Vinícius sobre Roustaing". Aos que se derem a esse alentado trabalho de leitura rememorativa, ser-Ihes-ão concedidos os prêmios de um julgamento sério. e construtivo, sem os prejuízos do açodamento ou parcialidade negativa.

            Dentre todos esses excelentes textos, que enfocam com meridiana clareza uma possível ambiguidade entre os trabalhos de Kardec e Roustaing que ao invés de colidirem ou conflitarem conciliam-se no grande acervo doutrinário que o Alto nos vem concedendo por acréscimo de sua misericórdia é de relembrarmos alguns trechos do saudoso companheiro Ismael Gomes Braga, nome-legenda do Espiritismo pátrio, em seu artigo "Textos adulterados", publicado em julho de 1950, à página 162 de "Reformador":

            "Entre as acusações mais ilógicas lançadas contra o Espiritismo petos seus adversários, uma foi de que as obras-primas de poesia, recebidas por Francisco Cândido Xavier, seriam elaboradas no Rio de Janeiro por um homem de grande talento, mas totalmente desconhecido em nossos meios literários. Seria ainda esse mesmo gênio invisível quem redigiria ou, pelo menos, poliria os romances e as novelas do mesmo médium para torná-los peças de alto valor literário.

            "Inteiramente ilógica essa forma de explicar a fenômeno, porque o médium recebe suas produções em sessões públicas, à vista de todos, e muitas vezes os originais são entregues no mesmo momento aos visitantes que os levam e publicam em jornais, folhas soltas, cartões, brochuras ou livros que têm sido publicados por toda a parte. Já os vimos, feitos em Uberaba, Juiz de Fora, Leopoldina, Belo Horizonte, Campos, São Paulo e outras cidades visitadas pelo médium, além de Pedro Leopoldo.  Só uma senhora, amiga do médium, já publicou várias dezenas de produções em cartões postais e folhas soltas, para distribuição pelos grupos, sem revisão ou polimentos feitos por ninguém. Mas a essa forma de ataque se juntou outra, diametralmente oposta: de que as produções seriam originalmente perfeitas, mas teriam sido viciadas com interpolações por editores interessados em manter pontos de vista doutrinários diferentes daqueles dos Espíritos comunicantes. Acusação tão temerária quanto a precedente, porque o médium lê as obras depois de publicadas e se apressaria em reclamar reajustamento do texto viciado, para não perder o favor dos Espíritos superiores que lhe confiaram as mensagens.

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            "Um confrade de boa-fé, trabalhador, mas simples operário sem instrução, nos denunciou, há uns trinta e poucos anos, que as obras de Allan Kardec, publicadas em português pela Federação Espírita Brasileira, não eram reprodução fiel dos originais: haviam sido alteradas, trechos longos haviam sido interpolados para justificar pontos de vista da Federação, em oposição ao mestre. Perguntamos-lhe como tivera ciência disso; se ele mesmo havia confrontado os originais com as traduções, e como não havia apontado de público essas falhas para que fossem desmascarados os falsificadores e reconstituídos os textos. Respondeu-nos que não sabia francês e não havia feito o confronto, mas que pessoas competentes e da sua inteira confiança o fizeram, por isso tinha ele absoluta certeza de que isso era verdade.

            "Na livraria da mesma Federação, por esse tempo, achavam-se à venda os originais das obras de Allan Kardec e nos foi muito fácil adquiri-Ias e fazer cotejos, verificando logo que se tratava da mais leviana acusação à honradez dos tradutores.

            "Os originais de Kardec existem por toda a parte, em bibliotecas públicas e particulares, para quem os queira comparar com as diversas traduções já publicadas em português. Essa estulta acusação tem mais de trinta anos de vida e frequentemente volta à baila com a mesma desfaçatez, ferindo a memória venerável de vários servidores da causa; mas até hoje não foi apresentada uma única alteração dos originais. Pelo seu silêncio de alguns decênios, os acusadores confessaram que eram simples, superficiais e irresponsáveis pelo que diziam e continuam dizendo. Sua finalidade era lançar a dúvida, a confusão, a divisão na família espírita brasileira, para enfraquecê-la e destrui-Ia. E tais instrumentos das trevas se diziam e se dizem espíritas, viviam e vivem em nosso meio. "Deus tenha piedade deles."

            Relembremos neste instante o célebre escritor francês Anatole France (1844-1924), cujo ceticismo em matéria de pensamento aliava-se à extrema piedade pelo sofrimento alheio, repetindo-lhe a expressão: "(...) para todo aquele que pensa e obra, é mau sinal não ser, ainda que de leve, vilipendiado, insultado, ameaçado." Ou ainda o filósofo francês Denis Diderot (1713-1784), que em um de seus pitorescos e humorados escritos - “O Sobrinho de Rameau” – asseverou; “Talvez me honrem mais do que mereço. Sentir-me-ia humilhado se aqueles que falam mal de tanta gente boa resolvessem falar bem de mim.”

            Voltando ao inesquecível Ismael Gomes Braga, companheiro e mestre, vale destacar trechos de uma de suas cartas ao então Presidente da Federação Espírita Brasileira, Dr. Antônio Wantuil de Freitas – em 29.10.1957:

            “(...) E como é diferente a mentalidade de um espírita esperantista e a de um que se limita à rodinha nacional, às intriguinhas da organização, aos fuxicos de pessoas ou de grupos! (...) O espírita brasileiro, confinado apenas ao movimento espírita nacional, tem uma visão errada do movimento e supõe que o mundo já é espírita. Quando combativo – velho instinto vindo das guerras – combate seus próprios companheiros, porque supõe não haver outra gente no mundo, não haver inimigos reais e poderosos a combater.”
           
            A tudo isso que já foi exposto seria errôneo cognominar de simples compilação de textos, dados ou opiniões. Passa, a nosso ver, à categoria de fatos, pois prova à saciedade o fato maior que nos é lícito computar à história do Espiritismo brasileiro, em especial, à história da Federação Espírita Brasileira – a de que a Casa Máter e seus fiéis servidores estimam a justiça, trabalham com sobriedade e pugnam pela divulgação do que é verdadeiro e justo, sem molestar ou deixar-se molestar pelos eternos “ pescadores de águas turvas “.

Fim da Parte I-III


             


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