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sexta-feira, 5 de outubro de 2018

A palavra "Caridade"



A palavra Caridade
por Lino Teles (Ismael Gomes Braga)
pág. 310 Reformador (FEB) 1949 (?)

                As traduções da Bíblia em inglês e esperanto não seguiram a tradução latina, como fizeram as traduções em português e francês, e nelas não aparecem a palavra ‘caridade’, mas sempre o termo ‘amor’, que traduz mais literalmente a expressão grega.
            Assim, os versículos 1 e 2 do Cap. 13 de I Coríntios, dizem em inglês:
            “If I speak with the tongues of men and of angels, but have not love, I am become sounding brass, or a clanging cymbal. And if I have the gift of prophecy, and know all mysteries and all knowledge; and if I have all faith, so as to remove mountains, but have not Love, I am nothing.”
            Em esperanto dizem os mesmos versículos: “Se mi parolus la lingvojn de homoj kaj angelloj, sed ne havus Amon, mi farigus sonanta kupro au tintanta cimbalo. Kaj se mi posedus la profetpovon, kaj komprenus ciujn misterojn kaj cian scion; kaj se mi havus cian fidon, tiel ke mi povus formovi montojn, sed ne havus Amon, mi estus nenio.”
            Aí temos duas excelentes traduções, nas quais a palavra ‘caridade’ está traduzida por ‘amor’, seu verdadeiro sentido nas escrituras. Vejamos agora a significação latina da palavra.
            O substantivo ‘caritas’ (genitivo caritatis), é derivado do adjetivo ‘carus’ que tem dois sentidos: 1º) caro, custoso, de preço elevado;  2º) caro, querido, amado. O substantivo tem os mesmos dois sentidos. Exemplo: 1º sentido: in caritate (Cícero), na carestia; quando o trigo estava caro; exspectare caritatem (Catão), esperar que os gêneros estejam caros; 2º sentido; caritas quae est inter natos et parentes (Cícero), o amor que existe entre os filhos e os pais; caritas filiae (Tácito), o amor que se tem pela filha; caritas patriae (Cícero). o amor à pátria.
            Todos estes exemplos são colhidos no Dicionário Latin-Français, por L. Quicherat et A. Daveluy. Por aí vemos que o adjetivo ‘caro’ em português conservou o mesmo sentido do latino carus (cara, carum); mas, o substantivo vernáculo  ‘caridade’ perdeu ambos os sentidos do latino caritas, caritatis. De fato, não podemos dizer: ‘a caridade dos gêneros’; ‘a caridade à Pátria’; temos que dizer em linguagem moderna: ‘a careza dos gêneros’; ‘o amor à Pátria’.
            Portanto, a tradução da Bíblia em latim está fiel aos originais, porque a palavra caritas significava ‘amor’, no sentido superior (não genético ou erótico) deste vocábulo; a voz vernácula, ‘caridade’, porém, perdeu esse sentido original e passou a significar ‘esmola’, ‘auxílio aos necessitados’, ‘amparo aos fracos’, como vemos nas expressões ‘Casa de Caridade’, ‘Irmã de Caridade’.
            As pessoas que só estudam a Bíblia em grego, inglês ou esperanto (e talvez em outras línguas) desconhece, este sentido que em português e francês damos à palavra ‘caridade’. Leem sempre ‘amor’. A diferença é grande e lamentável porque ser ‘objeto de caridade’, se não chega a ser uma humilhação, é uma desventura, um motivo de tristeza; ao passo que ‘ser objeto de amor’ é uma felicidade, uma graça a que todos aspiram.
            Quem pratica a caridade, por mais delicado que seja, constrange o beneficiado, em posição superior. Ao contrário, quem ama eleva o ser amado, rende-lhe certo culto. Amamos a Deus, amamos aos nossos pais e temos caridade para com os necessitados, os enfermos, os miseráveis.
            Não seria tempo de mudarmos esta palavra em nossos discursos, em nossos livro doutrinários? Não podemos supor que ‘caridade’ volte à significação primitiva do latim, porque é termo da língua comum e nunca se restitui sentido antigo a uma palavra de uso comum.
            Para nós, espiritistas, o assunto tem importância capital, porque o nosso Mestre Allan Kardec, imprimiu a divisa: “Fora da Caridade não há salvação” em oposição à frase católica romana  “Fora da Igreja não há salvação”  e podemos cair num erro semelhante ao em que caem alguns católicos, raciocinando assim: “Fora da Igreja não há salvação; ora eu estou dentro da Igreja, logo, estou salvo, nada mais tenho que fazer pela minha salvação”.
            Parece-nos que nós, espiritistas, tendemos a pensar que estaremos salvos, desde que façamos alguma coisa pelos necessitados, sem cogitarmos da nossa reforma pessoal, de vencermos o orgulho, a vaidade, o egoísmo que nos impedem de amar igualmente aos bons e aos maus, aos amigos e aos inimigos, aos confrades e aos adversários, aos concidadãos e aos estrangeiros.
            Aí ficam estas linhas à consideração dos estudiosos que conheçam a força perigosa da palavra. Desnecessário dizer que já fizemos a substituição proposta; em nossas palestras doutrinárias, evitamos quanto possível a palavra ‘caridade’, com receio de levar os ouvintes a pensar em esmola, beneficência e outras coisas tristes e dolorosas.

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