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quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Morreu, acabou



Morreu, acabou
Leopoldo Machado
Reformador (FEB) Abril 1943

Eram inimigos rancorosíssimos.

O ódio que sentiam, reciprocamente, um pelo outro, não tinha limites.

Aguardava-se, para cada momento, uma explosão violentíssima desse ódio.

Só o assassínio de um podia solucionar, para o outro, a situação; podia trazer serenidade e segurança de vida ao outro.

E o assassínio veio.

Um tiro certeiro do mais ágil abateu, já morto, o rival, em plena praça da igreja, quando a vítima mal saia do templo.

Não houve flagrante. Um passo favorável para a defesa do assassino, que o júri absolveu.

Fora da cadeia, foi alvo de felicitações por parte dos amigos. Confiado, agora, na sua segurança e serenidade de vida, a todos declarava, confiante e sereno:

- Agora, posso viver tranquilo. Ele morreu, acabou-se...

*

Mas, não se havia acabado, não, que a morte não acaba coisa alguma: tudo continua.

Nem o criminoso teve mais serenidade e segurança, pois que súbita loucura o arrastou ao hospício. Aí, no quarto forte, era de vê-lo transfigurado, os olhos fora das órbitas, numa atitude que apavorava, a cavar, com os dedos escalvinhados e a sangrar, o ladrilho do chão; a marrar com a cabeça, como se fora res bravia, as paredes; a urrar ferozmente, de meter dó.

A psiquiatria foi impotente para debelar-lhe o mal.

As medidas enérgicas do hospício foram ineficientes para conte-lo quieto.
E o infeliz definhava dolorosamente, desnutrido, visto que não se alimentava, machucado e imundo.

Foi assim que apareceu, mais tarde, morto. Seu mal: terrível obsessão pelo assassinado.

Livre este então para agir com maior ódio, porque ódio velho acumulado e acrescido do que provocara seu assassínio, foi encontrar sua vítima ainda mais livre, por falta de fé pura em Deus, de uma vida uma e honesta, de muita oração e vigilância - que são as maiores garantias contra obsessões. O assassinado procurou então exercer redobrada vingança.

E tirou-a, sem piedade nenhuma, arrastando-o àquela obsessão pavorosa, a morte de seu corpo, a perseguição terrível de espírito para espírito, porque o ódio continuou post-mortem.

A vingança e o ódio.

Ódio e vingança que persistiram até que, numa sessão espírita, foram ambos doutrinados, abrindo-se-lhes diante dos olhos da consciência, o mapa de suas responsabilidades e das consequências de seus atos.

Morreu, acabou... já não é mais do nosso tempo, graças ao advento do Espiritismo...

A morte não extingue a vida, que continua para o bem ou para o mal.

Mais, talvez, para o mal, em face da condição de planeta inferior, de provas e expiações, peculiar à Terra. 

Se não podemos, às vezes, desvencilhar-nos de inimigos que vemos, porque de carne como nós muito menos o poderemos de inimigos invisíveis: que não ouvimos nem sentimos, mas que nos vêm perfeitamente, para os quais o nosso corpo é como se fosse de vidro; de inimigos que leem os nossos pensamentos e sentimentos, como nós vemos a água através do copo.

Que as forças invisíveis que nos rodeiam nunca possam ver, através do vidro do nosso corpo, a água dos nossos sentimentos e pensamentos turvada e negra pelas nossas impurezas e imperfeições. A ausência de impurezas e imperfeições é a melhor garantia contra aqueles que, cheios de ódio contra nós, desejam realizar aquilo que não puderam, encarnados, perpetrar.

A oração e a vigilância, eis outro meio fácil de empregar-se contra tais investidas do mundo invisível.




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