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sábado, 13 de outubro de 2012

Os Mortos não sabem de nada?





Os mortos
não sabem nada?

            Um protestante, amigo nosso, põe-nos diante dos olhos o seguinte trecho bíblico:

            "Porque os que estão vivos sabem que hão de morrer, porém os mortos não sabem mais nada, nem dali por diante êles têm alguma recompensa; porque a sua memória ficou entregue ao esquecimento." (Ecl., 9:5).

            O que ai afirma Salomão não resiste sequer a uma análise superficial. Senão, vejamos. Que é que lhe resta então ao Espírito? Se não sabe mais nada, nem tem alguma recompensa, porque a sua memória ficou entregue ao esquecimento, que é, portanto, que lhe acontecerá? Ressurgirá? Não pode ser, pois não terá alguma recompensa, e os protestantes creem que a ressurreição será a sua recompensa. Ora, se não ressurgir, como, no entender ainda dos protestantes, vai o justo para o "céu" e o ímpio para as "penas eternas"? Bem razão tinha o eminente filólogo e ilustre protestante Prof. Otoniel Mota quando disse que "evitava tratar de coisas secundárias e obscuras, que a Bíblia deixa na penumbra e que podem escandalizar mais do que edificar". O versículo acima é um dos muitos que há na Bíblia, capazes de induzir a erro os crentes aferrados à sua infalibilidade.

            Nosso amigo acha que tal passagem é uma prova de que os "mortos" não nos podem confortar em nada, por isso que o espiritista erra quando pensa que recebe uma mensagem "do outro mundo".

            Ao contrário do absurdo, acima exposto, que consiste em acreditar fique a alma inconsciente após a morte, sem alcançar recompensa, sem receber o prêmio ou o castigo dos atos bons ou maus aqui praticados, ensina-nos o Espiritismo que o Espírito, quando se desliga do corpo, pode, na verdade, achar-se confuso, perturbado, a principio, conforme o seu desenvolvimento ou a causa da morte. Terá, porém, plena consciência do que foi na Terra. Receberá a paga ou a condenação do bem ou do mal que praticou. Sentir-se-á num verdadeiro paraíso se a sua consciência estiver tranquila pela isenção de culpa. Julgar-se-á num verdadeiro inferno se o remorso lhe morder e queimar a mesma consciência pelos crimes e erros cometidos.

            A lei de Deus é, apesar de dogmas em oposição, progredir sempre. Ninguém se perderá, pois "Deus quer que todos os homens se salvem, e que cheguem a ter conhecimento da verdade." (Paulo, Tim. I. 2:4). E quando Deus quer quem poderá não querer?

            "A Deus tudo é possível." (Mat ., 19: 26). Ao Deus Amor, revelado pelo Cristo em todos os seus ensinos e parábolas, dado a ver na própria vida do humilde Nazareno, ao Deus Caridade não é impossível salvar a todos. Aí temos a doutrina reencarnacionista, pela qual compreendemos perfeitamente o extremadíssimo, o infinito amor de Deus às suas criaturas, que terão, de acordo com o próprio merecimento, de acordo com o uso que fizerem dos seus talentos, tempo suficiente para, nas pegadas do Mestre, atingirem o desenvolvimento espiritual, a salvação eterna. Não será a morte do Cristo que nos salvará, mas a sua vida, isto é, todos nos salvaremos seguindo passo a passo a sua doutrina de humildade, de tolerância, de renúncia, de fé, de amor e de caridade.

            O fato de renascer de novo para entrar no reino de Deus é a maior e a mais sublime bênção do Criador à criatura, pois lhe permite pagar até "o último centíl", sob as vistas daquele Pastor bendito capaz de deixar as 99 ovelhas no monte para ir buscar aqueloutra que se extraviou.

            As verdades divinas são a nós reveladas de conformidade com a nossa condição, o nosso adiantamento moral, o nosso grau de evolução espiritual. O Espírito Santo, a saber, os Espíritos Superiores, mensageiros abnegados de Jesus, encarregados de trazer aos homens, de quando em quando, a luz que não raro lhes falta para encaminharem a vida na prática do bem, o Espírito Santo não cessa através dos tempos de dizer-nos aquelas muitas coisas que o Cristo tinha ainda que nos dizer, mas nós não as podíamos suportar. E assim ainda será, até que Jesus tenha junto de si todas as "outras ovelhas", até que haja um só rebanho e um só pastor, pois tal é a Sua vontade e a vontade do Pai.

            O que o Espiritismo pede aos seus crentes e aos seus descrentes é que o estudem e examinem, estudando e examinando tudo e escolhendo o que for bom, no preceito de Paulo. E ainda com o grande apóstolo dos gentios, na sua advertência aos romanos (12:1), ele nos roga - roga-vos, a todos, o Espírito de Verdade, "pela misericórdia de Deus, que ofereçais os vossos corpos como uma hóstia viva, santa, agradável a Deus, que é o culto racional que lhe deveis."

            O Espiritismo não admite a fé cega. Não dogmatiza, porque sabe que infalível só Deus o é. Aceita a Bíblia no que ela tem de justo e de bom, sem tomar tudo ao pé da letra, "pois a letra mata e o espírito é que vivifica".

            Julga o nosso amigo que aquele trechinho do Eclesiastes é um golpe certeiro no Espiritismo. Mas engana-se redondamente. O Livro dos livros não é infalível. Não acredita? Pois, para melhor evidenciá-lo com armas que não são nossas, damos a palavra a um grande e culto teólogo, o Rev. Charles Reynalds Brown, na sua obra Os Pontos Principais da Crença Cristã, da qual o nosso ilustre confrade Dr. Romeu do Amaral Camargo cita, em seu esplêndido livro O Protestantismo e o Espiritismo à luz do Evangelho, às páginas 101 e 102, o seguinte trecho:

            "Pode haver valor, verdade, autoridade, grande; esplendida e útil, sem infalibilidade (grifos do Dr. Romeu). Os católicos entendem que, se a Igreja não for infalível, não pode ensinar ao povo. Muitos protestantes rezam pela mesma cartilha, entendendo que, se a Bíblia não for infalível, não pode ensinar ao povo. E ambos estão errados: só Deus é infalível, e nem a Igreja nem a Bíblia é Deus. Mas tanto a Igreja como a Bíblia podem ensinar com autoridade e proveito se as conclusões morais tiradas da revelação feita por Deus, através da experiência religiosa de um povo escolhido, forem válidas. Dizem que é perigoso permitir que os homens façam estas discriminações nas Escrituras decidindo que esta passagem é a verdade absoluta de Deus, e que uma outra é devida à circunscrição puramente humana do escritor. Mas os homens nunca estiveram livres deste perigo. Homens como nós, que só tinham a direção divina que a todos é facultada, têm decidido muitas questões vitais. Por exemplo, tiveram de escolher os livros que formam a Bíblia e rejeitar outros. Levantaram-se graves questões. A Epístola de Barnabé foi tida por Clemente de Alexandria e por Orígenes, como inspirada. Barnabé é mencionado com Paulo nos Atos como apóstolo, e é descrito como "um homem bom e cheio do Espírito Santo". O manuscrito mais antigo que temos da Bíblia, o Sinaiticus, descoberto por Tischendorf, em 1859, num convento perto do Monte Sinai, contém a epístola de Barnabé. Mas, mesmo assim, por motivos que julgaram suficientes, os homens rejeitaram esta epístola, enquanto que outros livros, de menos inspiração, foram retidos no cânon.

            "A maior defesa da autoridade da Biblia encontra-se na experiência humana. Os homens a têm em grande conta por causa da obra que tem feito nos campos da vida cristã. Não é de importância que a Bíblia seja verbalmente ínspirada nem tecnicamente infalível; mas é de importância que os homens descubram nela e por meio dela o Pai Eterno.

            "Aponta-nos (a Bíblia) os caminhos falsos cujo fim é a morte, mas fala com uma autoridade superior à infalibilidade teológica. Está cheia do Espírito Santo que é o espírito de verdade, e seu poder não depende das teorias de inspiração que os homens inventam, mas de sua própria vida imortal, sua sublime elevação, sua capacidade de trazer homens a Deus e à paz. A Bíblia contém a palavra de Deus, mas não se pode dizer que todas as suas palavras e sílabas são a palavra de Deus."

            E, para finalizar, mais este (op. cit., página 118):

            "A comunicação da verdade aos homens não cessou com o último livro da Bíblia.

            "A revelação não é só uma possibilidade eterna, é uma necessidade eterna: não se limita a raça alguma, a tempo algum, a condições algumas, nem a fase alguma da fé. A promessa não foi feita a nenhum século nem a qualquer grupo de homens, não foi de uma revelação instantânea, porém, de um desenvolvimento gradual, progressivo: - "Ele vos guiará para toda a verdade". Temos grandes problemas que os livros ainda não resolveram. Para muitos entre nós, a Igreja não é mais do que um sacerdote, do que um mestre, do que um dominador. Para que a Igreja seja uma força neste século, claro é que tem de ser diferente e maior do que agora o é. Não confiamos nos planos sábios até aqui descobertos, mas na direção do Espírito prometido à Igreja que se dedica à vontade de Deus. O dia de Pentecostes não foi uma maravilha isolada, que se operou no início de uma nova dispensação para atrair a atenção. Foi uma amostra do modo pelo qual as “forças do mundo invisível" podem ser "invocadas" para ajudar as nossas próprias forças morais no estabelecimento do reino de Deus."

            Medite sobre isso o nosso amigo, sem receio de anátemas, atento tão só à voz da sua própria consciência e da sua própria razão. E há de ver então que a letra mata...

            Lavras - Minas.       R. C.

Reformador Abril 1946



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