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terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Psicologia e Espiritismo



Psicologia e Espiritismo
Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Outubro 1942

            Dir-se-ia, diante da crise que atravessamos, que uma onda de materialismo, de selvageria, de destruição varre o nosso pequeno orbe. A onda é impulsionada por um energúmeno-assú, acolitado por outros energúmenos mirins.

            E tanto bastou para que toda a atmosfera planetária ficasse intoxicada. Parece que, como consequência, procura-se arrancar do seio da humanidade as noções, os sentimentos capazes de tornarem o indivíduo menos feroz.

            Há, por exemplo, uma doutrina que aconselha a paz, que proíbe a destruição, que prescreve o altruísmo, que ensina a tolerância, que estabelece como lei a caridade.

            Se a seguíssemos, as criaturas, em vez de se odiarem e trucidarem, amar-se-iam umas às outras, porque os seus mandamentos são aqueles que se contêm nos ensinos de Jesus...

            Eles têm a vantagem de vir esclarecidos, documentados, alicerçados na prova dos fatos.

            Essa doutrina é o Espiritismo. Entretanto, contra ela se adunam cidadãos de todas as cores e de todas as classes, que a apresentam como um perigo tenebroso, assim para o indivíduo como para a sociedade. Quem lhes vê as descrições, enche-se de horror, como se já sentisse pela frente as hordas destruidoras de um desses muitos guerreiros, que tomaram a peito redimir a humanidade, assolando-a.

            O Espiritismo divide-se em duas partes principais: uma, a científica, que é a pesquisa, a observação do fenômeno; outra, a religiosa, que é a aplicação do fenômeno ao nosso progresso moral. Todo o Espiritismo tem por base, Deus; por demonstração, o fato; por finalidade, o aperfeiçoamento do ser.

            Mas, vêm as Igrejas e dizem: - não, isto não é religião, e o jogam para o lado científico, ou não jogam para lado nenhum; vêm os cientistas e dizem: não, isto é um perigo. Temos, a breve trecho, o Espiritismo, sem que se saiba o que ele é, nem a forma por que deva ser encarado.

            Há, ainda, o firme propósito de afirmar que em Espiritismo não há Espíritos, e os que creem, mesmo, na comunicabilidade dos mortos, não passam de ingênuos, quando não de uns ignorantes de marca, senão de uns velhacos de força.

            Tomemos para exemplo um artigo publicado por ilustre professor, o eminente psicólogo Dr. A. Piccarolo, a quem estou longe, aliás de envolver na ambiência de que acima tratei. Diz o provecto articulista:

            “0s ignorantes, os audaciosos (ao contrário de Lombroso) e os praticantes do Espiritismo afirmam que a interpretação espírita não pode mais provocar discussões e sobre ela pretendem firmar uma nova religião, urna nova moral, uma nova consciência humana. O resultado mostram-nos as crônicas dos jornais e melhor o poderia dizer uma estatística em torno das causas que enchem os manicômios dos países onde reina esse espiritismo vulgar e criminoso; enquanto se tratado com método cientifico poderia dar a solução do grande problema da alma humana.”

            Temos, pois, os praticantes do Espiritismo, ao contrário de Lombroso, audaciosos e ignorantes, ou os audaciosos e ignorantes, juntamente com os espíritas, a aceitarem Espíritos e a firmarem uma nova religião.

            Há mais:

            “Compreende-se que é muito fácil e muito cômodo explicar tudo com uma hipótese que não está sujeita a nenhuma colação positiva. Move-se a mesa sem que nenhuma força conhecida a faça mover? É um espírito que move ou levanta essa mesa. Ouve-se um rumor, um som, do qual não se
conhece a origem? Atribui-se esse rumor, esse som, a um espírito. Aparece um corpo qualquer, mais ou menos semelhante a um indivíduo humano? É ainda um espirito que se apresenta envolvido no seu períspirito, que, porém, ninguém sabe dizer em que consiste. Apresenta-se um indivíduo em condições anormais, em estado psicopatológico, falando como os antigos oráculos e pitonisas nas quais ninguém mais acredita? Não é preciso estudar as causas fisiológicas e somáticas desse sujeito: um espirito complacente explica comodamente tudo. Há casos de sugestão, de transmissão do pensamento, de telepatia, "et similia."? Não é o caso de estudar, de perder tempo em observar esses fenômenos desconhecidos para descobrir lhes as causas; os espíritos sempre os espíritos, estão
aí prontos e condescendentes para nos dar toda e qualquer explicação. Muito simples, não há dúvida, muito cômodo. Mas não muito lógico e científico.”

            Os espíritas, pesquisadores, ou coisa que que o valha, deveriam ser, pensa ainda o Professor completamente diferentes de Lombroso, o qual “chama a isso de simples hipótese, reconhecendo que estamos bem longe (o grifo é meu) da pretensão de ter conseguido a certeza”.

            Em primeiro lugar, cumpre indagar porque, estando Lombroso bem longe da certeza, deveríamos nós acompanhar-lhe os passos nessa longitude, como se estivesse dada, indubitavelmente, a última palavra.

            Veremos, entretanto, se a certeza estava tão longe de Lombroso, como nós deveremos estar dos Espíritos, por nos livrarmos da pecha de ignorantes e audaciosos, ou se o grande mestre, como lhe chama o psicólogo, acreditava tão só nos fatos, como este parece dar a entender:

            “Lombroso era, pois, um perfeito espírita - exclamam a este ponto, com ar de maior triunfo, aqueles que no espiritismo têm uma cega ou sincera fé, ou por ele são atraídos por segundos fins: - Lombroso é um espírita, porque admite como indiscutíveis os fatos espiritualistas."

            Temos os espíritas acreditando no Espiritismo de Lombroso, porque este tem como indiscutíveis os fatos espiritualistas. Dir-se-ía, pois, que para o criminologista só os fatos importavam, e, como ele admitia os fatos, supunhamos que acreditava no Espiritismo.

            Mais adiante, porém, o ilustre escritor contramarcha e expõe: "Declara (Lombroso) que em uma parte, os fenômenos podem ser explicados com teorias experimentais positivas mas outros não podem, e a hipótese espírita é até hoje a única que dá uma explicação possível...

            Logo, Lombroso, além de admitir os fatos como indiscutíveis, aceitava a possibilidade da "hipotese espírita",    

            Então, seria pela aceitação dessa possibilidade que os espíritas de fé sincera, cega ou qualquer outra fé, acreditavam no Espiritismo de Lombroso, e não pela sua aceitação de fatos.

            Não são, pois, tão pacóvios os espiritas, como parece ao ilustre escritor. É claro: se Lombroso aceitava a possibilidade da "hipótese espírita", porque a indiscutibilidade dos fatos é que iria fazer acreditassem os espiritistas no Espiritismo de Lombroso?      

            Primeiro cochilo. Há outros, e para não sair, por enquanto, das ideias do antropólogo, a quem o professor Piccarolo tece tantos, e aliás merecidos, encômios, vamos ver se ele estava muito longe da certeza, se achava tolice ver Espíritos nos fenômenos, se se comportava, enfim, com aquela "circunspeção e escrupulosidade" que "somente um grande e verdadeiro cientista como Lombroso" poderia ter.

            Abramos a obra citada pelo douto articulista, Ricerchi sui fenomeni ipnotici e spiritici, e leiamos algumas de suas passagens:

            No capítulo - Limites à influência do médium: "O Espirito de Spencer Stattforde revelou o telefone, trinta anos de sua invenção ... "

            Em "Experiências fjsiológicas: "São obra de John (John era o Espírito) ou do duplo de Eusápia, não seguramente de Eusápia, que tinha ambas as mãos seguras pelos fiscalizadores."

            Em Fotografias transcendentes: - "O médium tinha por guia, Vincent ... "

            Em Identificação: “No livro de Josie se encontra longa série de Espíritos que deram seus nomes e provas de identidade... Tal, por exemplo, Garcia Moreno, que revelou a única palavra por ele pronunciada no momento do seu assassínio."

            ... Muitos outros fatos podem ser citados, com relação à Sra. Piper e a outros médiuns, os quais provam a identidade dos Espíritos defuntos". 

            "Outras comunicações demonstram a identidade dos Espíritos, quando revelam fatos ignorados e de grande importância judiciária."

            "O morto tinha, pois, comunicado o fato unicamente conhecido dele."

            "Há casos em que a identidade dos defuntos foi provada pela revelação de fatos desconhecidos do médium - e da assistência e confirmados em seguida."

            "Uma promessa jurada ou uma viva paixão parecem ter grande influência sobre o fenômeno e, em todo o caso, provam a identidade das pessoas aparecidas."

            "Estes gestos, estes diálogos fragmentários, mas característicos, que se corrigem uns aos outros, são, como o nota Bozzano, em sua bela Identificação dos fenômenos espíritas, duma evidência que exclui a ideia de fraude e completa os sinais de identidade."            

            Em Casas assombradas: - "Esta influência de uma casa determinada, outrora habitada pelo defunto e a qual esta o Espírito quase indissoluvelmente ligado, mostra-se em muitos outros casos."       

            "Essa aderência a determinada casa explica porque tantos Espíritos se manifestam em ruínas desabitadas."       

            "Aqui, evidentemente, os dois médiuns não fizeram mais que servir de instrumento ao Espírito que tinha o seu plano e o seu fim, contrário aos desejos e aos interesses de M. e V."

            "Há que notar, nestes últimos casos, o cunho pessoal e o caráter intencional da ação dos Espíritos, o que não se poderia encontrar na ação dos médiuns."

            Em Esboço de uma biologia dos Espíritos: -"... Eles provam que os Espíritos se materializam a expensas do médium." 

            "Nas casas assombradas, em consequência de mortes violentas, os Espíritos podem, ao que parece, provocar ruídos e movimentos..."

            "Às formas humanas que os Espíritos tomam, ao se materializarem, não correspondem às de sua vida espiritual....

            "Os Espíritos podem transmitir ao médium sua faculdade de transformação."

            "Os Espíritos são atraídos para suas antigas moradas..."

            "Cada Espírito tem suas formas próprias de raps..."

            "Parece, em geral, que os Espíritos têm um vivo desejo de se fazerem conhecer aos vivos."

            "Citamos o caso do Dr. Dexter, obrigado a converter-se ao Espiritismo e a se prestar às sessões, pela perseguição feroz dos Espíritos..."

            "Os membros da família Fox, obsidiados pelos raps, acusados de fraude, excomungados pela Igreja, procuraram fugir aos Espíritos, mudando de casa e de cidade."

            "Os Espíritos não gostam de dizer os seus nomes."

            "Parece que o Espírito do defunto recente tem dificuldade em manifestar-se.”

            "Os Espíritos conservam a mentalidade e o caráter que tinham em vida."

            "Faihofer refere-se a Espíritos que contrariam as sessões, ofendidos por consultarem outro Espírito em seu lugar."

            "Não se podem compreender todos esses fatos, sem admitir que, à força do médium, vem juntar-se outra força, a qual, embora momentânea, possui as faculdades, ausente nos vivos, de ler o futuro, improvisar-se artista, etc."

            A linguagem do psiquiatra, como se vê, não parece, como acredita o psicólogo Piecarolo, "ter aquela circunspeção e escrupulosidade" que cabem "somente a um grande e verdadeiro cientista.”

            Ele fala de Espíritos, muito naturalmente, como coisa assente. Não usa de metáforas, de circunlóquios para designar a entidade comunicante, a exemplo, justamente, dos que, por medo de perderem o título de verdadeiro cientista, mantêm aquela escrupulosidade e circunspeção, tão do sabor do psicólogo articulista.

            É perfeitamente claro. Assim nos diz na mencionada obra, edição de 1909, o que vimos, e o que passamos a ver no original, para que não haja sombra de dúvida:

            "E come si spiega che lo spirito de Stattforde riveli il telefono trent'anni prima della sua scoperta?" p. 167.

            "Il fantasima comunicó due fatti di cui l'uno era noto a lui solo." p. 224.

            "Stead dá provo deli identitá degli spiritu." p. 230.

            "Ed alla cui presenza é legato quasi indissolubilmente lo spirito." p. 255.

            "Ma a poco e poco uno spirito incomincio a parlare." p. 263.

            "In quel tempo vivevano nel castello due signorine, cui lo spirito pertava affezione.”
p. 264.

            “Il che proveró che lo spirito aveva per medium una delle due donne." p. 265.  

            "Lo stretto rapporto di questi corpi (materiais) cor defunti vien confermato da alcune prove." p.. 292.

            "Gli spiriti ci si riveIano"... p. 292.

            "Molte fantasime nel modo di vestire comservano traccia deI Ioro tempo." p. 293.

            "...I quali provano come le materializzazioni degll spiriti ... " p. 293.

            "Pare che gli spiriti dei defunti possano provocare fenomeni... p. 294.

            "Spesso gli spiriti dei sono attratti dalIa casa." p. 295.

            "Ogni spirito adopera un suo raps speciale." p. 296.

            "In genere pare che gli spiriti vivamente desiderano di farsi conoscere.” p. 296.

            "E abbiamo vísto dott. Dexter costretto a convertirsi allo spiritismo da persecuzione degli spiriti..." p. 297.

            "Le Fox tentarono di sottrarsi agli spiriti"... p. 297.

            "Hanno gli spiriti una strana avversione..."  p.297.

            "Discrivendo il momento della propria morte, Pesham (Espirito) dettava: tutto si oscurece per me." p. 297.

            "Morton dopo morto non riconosceva alcuno.” p. 297.

            "Gli spiriti conservano Ia mentalitá e Ia tempra che avevano in vita.”   p. 298.

            "Quando si tratta di spiritl di pazzi Ie comunicazioni, nota Hodgson, sono strambalate."   p. 298.

            "I bimbi, quando sono morti, riproducono Ie parole ed i gesti infantili.” p. 299.

            "Lo spiriti de Hyslop dice..." p. 30.

            “L’interrogante e lo spirito sono come due prigionieri."    p. 301.

            É suficiente, por enquanto. Os pequenos excertos bastariam para demonstrar que ao eminente autor não repugnavam tanto os Espíritos. Nem tão longe andavam eles da sua mente.

            Há, ainda, outros trechos que provam estar aquele mestre mais próximo da convicção do que julga o prof. Piccarolo.

            Diz ele, destarte, à pag. 63, que as energias que se manifestam dão a entender a intervenção de uma inteligência que não a do médium. A pg. 168 declara que há casos em que se deve excluir a influência dos presentes.

            Afirma que as respostas dos Espíritos de Kant e de Schopenhauer não eram indignas desses autores. (148).

            Que a completa explicação do fenômeno se pode obter com a combinação da força mediúnica e uma outra. E esta outra, segundo a tradição e a observação, é a dos defuntos. ( ...Ci è additata nell azione residua dei defunti.) (171).

            Que, junto à ação do médium, se manifesta outra, presumivelmente, dos defuntos. (185).

            E entre muitos outros trechos, vamos a este, para finalizar, que os limites do presente artigo não comportam delongas:

            "É de ótimo aviso para a vida tranquila acadêmica a tendência a dissimular, a negar os fatos rebeldes a qualquer explicação, como precisamente aqueles pouco aceitáveis da influência de além tumulo. Repito, entretanto, apesar dos perigos em que incorro, que nenhuma explicação dos fenômenos espiritas será possível, senão admitindo-se que os defuntos conservem a energia capaz de se desenvolver sob a influência dos médiuns." (p. 188).

            Como viram ou como veem os enxovedos (patetas), nossos correligionários, na opinião do prof. Piccarolo, nada menos cientifico, nada mais pueril do que atribuir a Espíritos movimentos de mesa, rumores, aparecimentos de corpos, adivinhações e oráculos; até, mesmo, fenômenos que nunca ninguém se lembrou de lançar à conta de Espíritos, como os de "sugestão, transmissão de pensamento e telepatia", passaram, na catalogação do psicólogo, a lhes serem por nós atribuídos, ou pelos "condescendentes", como diz.

            Entretanto, o sábio Lombroso mais não fez, em sua citada obra, do que estudar todas as causas naturais, fisiológicas ou psicológicas possivelmente imputáveis aos fenômenos espíritas, e afastá-las do caminho, para que se impusesse a dos defuntos.

            E isto o que ele tinha em mira e o acentuou no prefácio; mas, fez melhor: Não se desdoirou de falar em Espíritos por todo o livro, fugindo àquela "circunspeção e escrupulosidade" próprias de cientistas, no aviso do professor de S. Paulo.           

            Finalmente, Lombroso, tão justamente elogiado, tão dignamente distinguido e tão profundamente respeitado pelo discípulo; ele que é apontado como um modelo a seguir; o figurino talhado para o verdadeiro molde, por onde se deviam orientar e espelhar "os ignorantes, os audaciosos e os praticantes do Espiritismo"; o que deveria estar na vanguarda dos negadores de Espíritos em matéria de movimentos de mesa, de ruídos, de oráculos;-aquele para quem o Espiritismo não passaria de uma hipótese e que estaria muito longe da pretensão de ter conseguido a certeza; ele, Lombroso, o Mestre, o cientista, o professor do sociólogo Piccarolo, não só censura o comodismo acadêmico, senão que julga impossível qualquer explicação dos fenômenos supranormais ou espíritas,. fora da ação e da energia dos mortos.

*

            Aí têm!

            Por forma que, vendo Lombroso falar em Espíritos; apresentar os fatos de maneira a que o leitor só possa concluir pela teoria espírita, ou, seja, achanar (aplainar) o caminho, para que lá se chegue facilmente; acusar os seus colegas de tímidos, e notar na intransigência deles um perigo para a livre manifestação do seu parecer; vendo-o afirmar, finalmente, sem qualquer vacilação ou figura metafórica, que o fenômeno só será explicável pela presença do morto, justo é que os nossos fracos amigos o tenham como um propugnador, um defensor, um sustentáculo das ideias de sobrevivência e da comunicabilidade. E nós pensamos que não é tão grande a ignorância deles, visto que está com eles o mestre do professor Piccarolo.

            Provavelmente, o honrado professor se deixou embair (seduzir) pelas palavras do prefácio em que o referido mestre fazia crer não tiraria conclusões, deixando-as ao leitor.

            O que pretendia, já vimos; mas, não se conteve, no correr das páginas, e acabou por se enganar a si e ao ilustre lente de psicologia.

            Há muito, ainda, que dizer.  


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