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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Extremismo científico



Extremismo científico
Ismael Gomes Braga
Reformador (FEB) Novembro 1942

            Durante longo tempo as ortodoxias estiveram em oposição aos conhecimentos positivos e cavaram um abismo entre ciência e religião. A pouco e pouco, porém, o saber se foi emancipando e libertando dos dogmas eclesiásticos. Chegou-se afinal a estabelecer dois mundos à parte e contraditórios, o da ciência e o da religião. O mesmo homem pode ter duas crenças opostas: uma de sua Igreja e outra da ciência positiva que tenha adquirido. É a luta da razão contra o sentimento religioso, por vezes em tréguas no mesmo indivíduo.

            Esse estado de coisas é transitório. Duas verdades que se destroem não podem coexistir: uma das duas - senão ambas - deve ser falsa. Se a Igreja ensina que o sol gira em torno da Terra e a ciência afirma que ao contrário disso, é a Terra que gira em torno do sol e de si mesma, uma das duas afirmações está errada e a outra certa. Verificado que, a Terra, realmente, é que se move para receber a luz do sol, estando isso claramente demonstrado, o dogma religioso teria que ser reformado; mas, os dogmas são eternos e continuam de pé, embora mortos.

            A intolerância religiosa não permitiu a reforma dos ensinos, limitando-se ao silêncio quando muito evidente se acha o erro. O homem entusiasmou-se então pelo saber e proclamou o extremismo oposto: só é verdade o que podemos verificar pelos nossos sentidos e só o saber deve governar a humanidade.  

            O Espiritismo veio providencialmente reestabelecer o equilíbrio. Muitíssimas coisas ainda não podemos verificar e demonstrar, porque escapam aos nossos sentidos atuais, assim como dos nossos conhecimentos de hoje não poderiam ser verificados pelos homens de alguns milênios passados, porque lhes faltavam instrumentos e descobertas que muito nos ampliam hoje o alcance dos sentidos. Muita coisa, que era indemonstrável há dois mil anos passados já podemos demonstrar. Continuaremos progredindo sempre e fazendo incessantemente novas descobertas. Alguns milênios mais tarde, teremos incorporado à nossa ciência positiva um infinito de coisas que hoje são indemonstráveis; mas teremos pela frente ainda e sempre um infinito a descobrir, a aprender.

            O fanatismo científico, do mesmo modo que o religioso, traça limites ao possível, torna-se intolerante e produz os mesmos males do seu antagonista.

            Infelizmente há quem pretenda envolver o Espiritismo no extremismo cientifico e combater a crença religiosa.

            Tratando com entusiasmo do futuro Congresso Panamericano de Espiritismo, a realizar-se em Buenos Aires, o nosso brilhante confrade Fermin Añez Lamus, de Barquisimeto, Venezuela, escreve em "La Idéa" brilhante artigo tentando traçar diretrizes ao referido Congresso e desde já declara que as decisões do certame devem abolir, como reacionárias, todas as ideias religiosas e só admitir o Espiritismo como um movimento científico, filosófico e social. Diz textualmente:

            "Que de él salgan Ias directrices restauradoras de nuestro credo cientifico filosófico;
es decir, que Ios acuerdos que tome referentes a Ios temas cientificos, filosoficos y sociologicos brillen por Ia ansencia de todo contenido de religiosidad oriental o cristiana, ateniéndose tan sólo a seguir Ias huellas preconizadas por los Geley, Ios Gonzalez Soriano, Ios Bozzano, etc, etc."

            Tal atitude seria limitar o Espiritismo eternamente ao estudo dos fenômenos que provam a sobrevivência, sem passar jamais à formação de um corpo doutrinário destinado a orientar a conduta dos homens. - Seria aceitar os Espíritos como simples cobaias de experimentação, desprezando suas opiniões, suas convicções, seus exemplos, por vezes eloquentíssimos. Os Espíritos nos falam e demonstram que as suas atitudes mentais, a orientação de seus pensamentos e sentimentos representaram papel essencial na formação de sua personalidade feliz ou desgraçada. Em seus ensinos, demonstram que uma infinidade de conhecimentos ainda não podemos obter pela observação direta, pelos sentidos, e que só pela intuição religiosa e pela palavra de Espíritos mais evolucionados do que nós, podemos ser orientados para acertar em nossa conduta, nessa região imensa que desconhecemos. A revelação religiosa fica solidamente confirmada e explicada pelos Espíritos, se bem por vezes revogados os ensinos que correspondiam a necessidades já passadas.

            Um Espiritismo que abolisse todos os tesouros das Revelações religiosas, para limitar-se exclusivamente ao estudo científico, filosófico, social, desprezaria a essência mesma do
Espiritismo, isto é, os ensinos que recebemos dos Espíritos adiantados. Seria qualquer coisa, menos Espiritismo.

            A palavra Espiritismo foi cunhada por Allan Kardec, com o sentido bem definido em
que vem sendo empregada e não pode tomar novo sentido sem grande confusão. Longe de eliminar o sentimento religioso, o Espiritismo o estabelece sobre bases inabaláveis.

            Estamos certo, pois, que o ilustre autor do artigo se enganou levado pelo seu entusiasmo científico e caiu num extremismo não menos pernicioso do que o fanatismo religioso. Felizmente, o Congresso não terá poderes para transformar o Espiritismo em Metapsíquica, isto é, para fazer o todo caber em uma de suas partes. A obra dos metapsiquistas é preciosíssima, estabelece sobre bases positivas, como verdade cientificamente provada, a sobrevivência humana, que no passado era simples crença religiosa. Neste pormenor, já poderemos substituir a crença pela ciência e ficar bem com o nosso autor; mas, ainda resta um infinito à nossa frente para o qual precisamos do auxílio da crença na palavra dos Mestres, dos Profetas, dos Guias, e tudo isso - é domínio da religião, da crença.

            Esperemos, no entanto, que o Congresso não cometa erros graves, excedendo sua competência, como seria o caso, se aprovasse uma tese contra o espírito religioso do Espiritismo ou mesmo qualquer tese negativa. A finalidade precípua do Congresso deve ser construir e não destruir, afirmar e não negar.


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