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sexta-feira, 12 de novembro de 2021

A Dádiva Suprema do Cristo

 

A Dádiva Suprema do Cristo

por Indalício Mendes

Reformador (FEB) Abril 1964

                 Cantam-se hosanas no mundo físico e no mundo espiritual, em virtude de ocorrer agora, em Abril, o primeiro Centenário de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, obra que os Espíritos Superiores consideram necessária ao desenvolvimento do aspecto moral-religioso de nossa Doutrina, por reafirmá-lo inequivocamente, a despeito das opiniões que pretendem confinar o Espiritismo na feição exclusivamente científico-filosófica.

            Tão importante era e viria a ser, em tempos futuros, o lançamento dessa obra, que Allan Kardec guardara absoluto sigilo a seu respeito. Disse ele:

            “Eu a ninguém dera ciência do assunto do livro em que estava trabalhando. Conservara-lhe de tal modo em segredo o título, que o editor, Sr. Didier, só o conheceu quando da impressão. Esse título foi, a princípio: Imitação do Evangelho. Mais tarde, por efeito de reiteradas observações do mesmo Sr. Didier e de algumas outras pessoas, mudei-o para o de “O Evangelho segundo o Espiritismo” (1)

                (1) Allan Kardec, “Obras Póstumas”, 11ª ed., 1957, pág. 276.

             Fora Kardec advertido pelo Alto de que o clero gritaria ainda mais do que havia feito quando do lançamento dos livros anteriores, porque O Evangelho segundo o Espiritismo facultaria ao Codificador “apresentar o Espiritismo qual ele é, mostrando a todos onde se encontra a verdadeira doutrina ensinada pelo Cristo”, permitindo-lhe “proclamar que o Espiritismo é a única tradição verdadeiramente cristã e a única instituição verdadeiramente divina e humana (2)

                (2) Idem, ibidem, pág. 277

                 O predito pelos Espíritos, em relação à obra que havia de aparecer: “O clero gritará - heresia”, “se sentirá muito mais ferido do que com a publicação de O Livro dos Espíritos”, “os espíritas serão perseguidos”, “o fanatismo e a intolerância vão atacar-te e aos teus com armas envenenadas” – tudo isso aconteceu e ainda acontece, muito embora tenha já decorrido um século.

            Proféticas palavras do Além! Naquele mesmo ano de 1864, a primeiro de Maio, a Sagrada Congregação do Índex, incluía no seu catálogo todas as obras de Kardec sobre Espiritismo! Causou estranheza no meio espírita o não ter sido tomada essa decisão mais cedo, mas logo compreenderam que O Evangelho segundo o Espiritismo é quem descolara, afinal, o fiel da indecisão.

            O efeito, entretanto, foi contrário ao esperado. Segundo diz o próprio Kardec, suas obras foram mais procuradas pelo público, muitas livrarias puseram-nas em maior evidência, e em pouco tempo chegavam ao Brasil, onde o quarto livro da Codificação, pelas interpretações racionais que dá ao Evangelho de Jesus, rápida e profusamente se disseminou, mitigando os anseios de milhões de criaturas sedentas de esperança, de paz e de amor.

            Homem metódico, Allan Kardec nada fez sem adequado estudo das condições ambientes, seguindo a orientação dos Espíritos. Primeiro, O Livro dos Espíritos, destinado a tornar conhecida a filosofia espiritualista demonstrativa da realidade das relações entre o mundo físico e o mundo espiritual, entre os vivos (encarnados) e os mortos (desencarnados); a origem e natureza dos Espíritos, a intervenção deles no mundo corporal, as leis que regem as relações de causas e efeitos entre esses dois planos da vida, e assim por diante.

            Logo após, em 1859, Kardec publica, numa edição simples e elucidativa, O que é o Espiritismo, cujo fim era resumir os princípios da Doutrina Espírita e responder a objeções habitualmente feitas pelos que ignoram ou conhecem mal tais princípios. Dois anos mais tarde, em 1861, apareceu O Livro dos Médiuns, que trata desenvolvidamente do Espiritismo experimental e constitui o seguimento de O Livro dos Espíritos.

            Estava feita, desse modo, a preparação, a adubagem do terreno para a frutificação dos postulados espíritas, digamos melhor – dos princípios lidimamente cristãos, sobre os quais O Evangelho segundo o Espiritismo projetaria novas luzes, traçando de modo infalível para a felicidade nos dois planos da Vida. As páginas desse livro encerravam, afinal, tudo quanto era necessário para o cumprimento da profecia que em 15 de Abril de 1860 fora transmitida a Kardec sobre o futuro do Espiritismo.

            “Ele reformará a legislação ainda tão frequentemente contrária às leis divinas; retificará os erros da História; restaurará a religião, a religião natural, a que parte do coração e vai diretamente a Deus...; extinguirá o ateísmo e o materialismo...” (3)

                (3) Id., ib., págs. 268-269

                 O tempo acabaria também por confirmar a predição que Kardec recebera em Maio de 1857:  a Humanidade sofredora espontaneamente confere, ao venerável Codificador, a tiara espiritual, ou seja, reconhece-lhe a “autoridade moral e religiosa” (4) no desempenho de sua transcendente e espinhosa missão como intérprete, na Terra, do Consolador prometido por Jesus.

                (4) Id., ib., pág. 259

 *

            A Doutrina Espírita é, sobretudo, uma doutrina universal, no sentido de se estender a todas as criaturas humanas, sejam quais forem suas origens raciais, suas crenças religiosas, seus pendores filosóficos e suas condições sociais, porquanto o Espiritismo sí entende o Cristianismo do Cristo assim, universalizado, abraçando num só amplexo fraterno todas as gentes.

            E Guillon Ribeiro, o saudoso presidente da FEB, assevera, com a sua tríplice autoridade – moral, doutrinária e intelectual: “...O Espiritismo faz notória a universalidade dos seus postulados e, diante dessa universalidade, é de ver-se que nada lhe falece para que seja, não “uma” religião, mas “a” Religião por excelência, posto que encerra tudo quanto, sobre a base do amor universal, pode e deve ligar e religar as criaturas ao Criador, em testemunho da unidade perfeita e absoluta da obra divina” (5).

                (5) Guillon Ribeiro, in “Religião”, de Carlos Imbassahy, 2ª ed., 1951, pág. 16.

             Vale reafirmar, porque a experiência dos anos decorridos e os fatos assim o exigem, que O Evangelho segundo o Espiritismo cimentou as bases do Espiritismo-Religião, lado a lado do Espiritismo-Ciência e do Espiritismo-Filosofia.

            É ainda ao eminente Guillon Ribeiro que devemos este esclarecimento: “... se legítimo é no Espiritismo o caráter científico, dado que suas teorias se arrimam em vasta fenomenologia, cuja realidade e sentido se comprovam pela observação e pela experimentação científicas, essencial, fundamental e mais proeminente é o seu caráter religioso, porquanto, confirmando, desenvolvendo e clareando os ensinos do Cristianismo, mediante aquela fenomenologia e as revelações decorrentes dela, entre os objetivos capitais se encontra, resumindo-os, o de restituir ao termo “religião” o significado exato, o da dupla ligação que o amor a Deus e ao próximo, síntese da Religião, estabelece entre a criatura e o Criador (6).

                (6) Id. Ib., págs. 14-15

             É compreensível, dada a enorme pressão sofrida por Allan Kardec de todos os lados, que, ao lançar por Allan Kardec de todos os lados, que, ao lançar O Livro dos Espíritos, não teria sido a ele aconselhável desvendar desde logo esse caráter essencial, fundamental e mais proeminente do Espiritismo, o caráter religioso. Conviria, em benefício da Doutrina recém-nascente, a fim de que maiores obstáculos não viessem retardar ainda mais a difusão dos seus princípios, que ele se ativesse por algum tempo somente aos dois outros aspectos que integram o corpo doutrinário, ficando assim mais desimpedido o caminho para o lançamento de O Evangelho segundo o Espiritismo, o que sucederia precisamente sete anos depois de surgido O Livro dos Espíritos.

             É bem fácil imaginar as dificuldades encontradas por Allan Kardec em sua época. Hoje, que vivemos dias mais arejados, de quando em quando os espíritas ainda sofremos coações criadas pela intolerância e pelo fanatismo. Importa reconhecer, consequentemente, o acerto da cautelosa conduta do Codificador, sobre o qual desciam inspirações constantes dos Espíritos Superiores, principalmente do Espírito de Verdade. Elaborado de comum acordo com estes luminares da Espiritualidade, o livro em questão aguardou a sua hora de aparecer, hora em que seria necessário a Kardec “apresentar o Espiritismo qual ele é”.

             As 9 de Agosto de 1863, sem que o médium tivesse conhecimento do assunto da obra em que Kardec já estava trabalhando, elevado Espírito prenunciava-lhe a importância com estas palavras iniciais:

             “Esse livro de doutrina terá considerável influência, pois que explana questões capitais e, não só o mundo religioso encontrará nele as máximas que lhe são necessárias, como também a vida prática das nações haurirá dele instruções excelentes. Fizeste bem enfrentando as questões de alta moral prática, do ponto de vista dos interesses gerais, dos interesses sociais e dos interesses religiosos” (7).

                (7) Allan Kardec, “Obras Póstumas”, 11ª ed. Página 276.

                 Finalmente, em Abril de 1864, era exposta nas livrarias de Paris a nova obra de Allan Kardec – Imitation de l’Évangile selon le Spiritisme, título que seria posteriormente mudado para L’Évangile selon le Spiritisme (*) Essencialmente objetivando colocá-la ao alcance e uso de todos, mediante a explicação clara e racional das passagens obscuras do Evangelho e o desdobramento de todas as consequências individuais e coletivas, tendo em vista a aplicação dos ensinos a todas as condições da vida, conseguiu Kardec, assistido pelos bons Espíritos, concretizar o plano que tivera em vista. Hoje, é máxime no Brasil, é essa obra querida do povo, porque o povo a compreendeu e aceitou.

                (*) Em 1865, já com o novo título, saiu a 2ª e a 3ª edição, esta última completamente refundida pelo Autor e apresentada como definitiva.

             Nesta hora, pois, exaltemos a figura apostólica de Allan Kardec, o insigne missionário da Terceira Revelação, o qual nos deu esta sublime definição da fé raciocinada:

             “Não há fé inabalável, senão a que pode encarar face a face a razão, em todas as épocas da Humanidade. A fé uma base se foz necessária e essa base é a inteligência perfeita daquilo em que se deve crer. Para crer, não basta ver, é preciso, sobretudo, compreender. A fé cega já não é para este século. É precisamente ao dogma da fé cega que se deve o ser hoje tão grande o número de incrédulos, porque ela quer impor-se exige a abolição de uma das mais preciosas faculdades do homem: o raciocínio e o livre arbítrio.” (8)

            (8) Id., ib., pág. 15

             Elevemos graças aos Céus pelas benesses que vimos colhendo no Espiritismo, abrigando-se à sombra do Cristo, cujo amor impregna as páginas edificantes e consoladoras de O Evangelho segundo o Espiritismo, livro que, à época do seu aparecimento, foi saudado pelo Espírito de Verdade como “uma luz mais brilhante” (9) que vinha iluminar os caminhos da Humanidade.

            (9) ‘Revue Spirite’, Paris, 1864 pág. 399.

             É obra do Cristo, o Espiritismo, conforme esclareceu Kardec (10), e julgamos que dentro dessa obra é o Evangelho segundo o Espiritismo a dádiva suprema oferecida à coletividade humana.

             (10) Allan Kardec, “O Evangelho segundo o Espiritismo”, 51ª ed., pág. 53.


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