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quinta-feira, 11 de julho de 2019

Inspirações - 1



Inspirações – 1
por Angel Aquarod
Reformador (FEB) Março 1923

  ESPIRITISMO DEVE SER CRISTÃO?

Queres que te manifeste meu parecer sobre a controvertida questão de ser ou não cristão o Espiritismo.

O Espiritismo está ainda em formação e as diferentes tendências que em seu campo se refletem não são mais do que elaborações parciais, fragmentarias, para a constituição, um dia, de um todo solidário e harmônico.

Bem disseram os antigos definidores da ideia que o Espiritismo não era uma ciência, nem uma filosofia, nem uma moral, nem uma religião, senão, como aspiração para o futuro, a Ciência, a Filosofia, a Moral e a Religião, com o que, não se especializando em formas particulares, que excluam o que de verdade possam conter outras formas de expressão do ideal supremo, e marchando sempre de braço com o progresso, tem assegurada a sua durabilidade.

O Espiritismo, em verdade, é só Espiritismo, porque, sendo eclético, como o têm proclamado, na elaboração de seu corpo doutrinário, se bem se ligue, por este fato, a todas as escolas, das quais extra materiais para sua constituição, não concede exclusivismo a nenhuma. Da ciência toma os métodos de investigação e se nutre com suas verdades demonstradas; dos diferentes sistemas filosóficos seleciona quantos princípios que não chocam a razão ou não contradizem as verdades científicas; dos predicados morais existentes em ambos os mundos, o terrestre e o espiritual, manifestados ou quintessenciados, forma a sua ética. O sentimento religioso, puro, que em cataratas de luz desce das Alturas, sem forma alguma definida e menos exclusiva, de manifestação, e que, em maior ou menor desenvolvimento existe no íntimo da alma humana, o caracteriza como religião: religião da consciência, religião do sentimento, religião do amor; sem ritos, imagens, sacramentos, hierarquias sacerdotais, nem dogmas encobertos e indiscutíveis.

Deste modo, ainda que o Espiritismo seja só Espiritismo, enquanto permanece no período de sua formação, não vem fora de propósito qualquer adjetivo que se lhe adicione, para significar aquele de seus aspectos a que se faz referência, e, por conseguinte, tendo em conta o aspecto que de preferência cultiva um adepto, que ele aplique a si mesmo (ou lhe apliquem) o adjetivo com que se qualifica e determina esse aspecto.

Se, pois, não é fora de propósito, nem envolve impropriedade alguma que os espíritas, que cultivam principalmente o Espiritismo sob sua face científica, se denominem de científicos, não será tampouco heresia qualificar-se, respectivamente, os outros de psiquistas, filosóficos, humanitaristas, sociológicos, racionalistas, ecléticos, ou cristãos, segundo o aspecto (dos vários que integram o Espiritismo) que lhes mereçam preferência para ser cultivado e professado, ou a tendência ideológica predominante em suas almas para manifestar seus sentimentos. Assim, poderá ser cristão o Espiritismo? Como não há de poder sê-lo - respondo - se se pode afirmar, sem que seja possível demonstrar o contrário que ele é o complemento necessário do Cristianismo, já anunciado pelo Divino Mestre com o nome de “Consolador”?

Negar caráter cristão ao Espiritismo é negar-lhe o principal fundamento; é, além disso, decapita-lo, uma vez que a obra de Kardec - toda ela - assenta sobre o ideal cristão. Porque, é de supor que não se pretenda fique o Espiritismo circunscrito ao fenômeno físico, afastadas as consequências naturais e indeclináveis, isto é, as revelações e ensinos de caráter filosófico, moral e religioso, obtidos dos Espíritos, mediante o fenômeno mediúnico.

Todo o Espiritismo kardecista, e não kardecista, é uma solene e categórica afirmação cristã, e quem não queira reconhecer esta verdade está no seu direito, porém sua negação jamais destruirá a verdade afirmada e de maneira alguma chegará a constituir estado no campo espírita.

Poderá alegar-se ser problemática a existência do Cristo histórico. Pode, para muitos, ser problemática tal existência; porém, esses muitos não podem pretender formar escola dentro do próprio Espiritismo, com pretexto tal, pois que se encontram ante o dilema de, ou reconhecer que o Cristo existiu, ou repelir, totalmente, o Espiritismo em cujo nome pretendam repudiar o ideal cristão de seu seio. Se o Cristo não existiu, noventa por cento, quando menos, dos testemunhos dos Espíritos, em suas manifestações de além-túmulo, seriam falsos; porque não menos que a indicada é a proporção dos desencarnados que afirmam a existência do Cristo, declarando-se, muitos deles, testemunhas oculares da passagem do Redentor pela Terra e seus próprios discípulos. Não são poucos, igualmente, os que afirmam estar a seu serviço, que o veem, recebem suas ordens, acrescentando alguns que não só a direção invisível do Espiritismo está nele vinculada como também a da evolução do planeta, do qual o apontam como supremo Governador.

Ante a sã razão, um espírita, dos que possam chamar-se “de corpo e alma”, não pode sustentar um critério anticristão, nem menos pretender que renunciem os adeptos no título de cristãos, desde que o Espiritismo é o continuador do Cristianismo, seu complemento, como já disse, que o desenvolve, explica e esclarece, tirando-o do domínio da letra, para elevá-lo ao domínio do espírito, rasgando o véu de todos os mistérios, segundo testemunhos dos Espíritos desencarnados.

Portanto o dilema é: ou aceitar o Cristianismo como fundamento do Espiritismo, e sobretudo nos seus aspectos filosófico, moral e religioso, ou declarar que o Espiritismo é uma enorme mistificação e fugir dele como de algo que empesta. Porque, a não ser cristão, falsas seriam as comunicações dos Espíritos que o fundaram e dos que depois têm continuado a manifestar-se, ratificando a doutrina daqueles, e então em desagravo à verdade e à justiça, se impunha a necessidade de um soleníssimo “auto de fé”, em uma praça pública, para reduzir a cinzas numa pira, a quase totalidade das obras e publicações espíritas, que sustentam e defendam a mesma doutrina, por falsários.


Eis aí o dilema em toda sua terrível nudez. 

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