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domingo, 11 de outubro de 2020

Inquietações


 Inquietações

por Martins Peralva        Reformador (Julho) 1964

 

            O homem moderno vive dominado pela inquietação.

             Ansiando por multiplicar, exagerada e, muita vez, desnecessariamente, seus recursos materiais, o homem contemporâneo luta e desgasta-se, exaustivamente, transformando a existência, aqui no plano físico, em permanente razão de intranquilidade.

             O ângulo de visão do homem-espírita, contudo, é algo diferente, pois sabe ele que o Espiritismo, embora não preconizando a inércia, nem desestimulando as iniciativas atinentes ao progresso material, considera o trabalho por elemento de equilíbrio e aperfeiçoamento.

             A Doutrina Espírita, como autêntica sentinela da paz e eficiente construtora da felicidade na Terra está sempre a lembrar-nos que o trabalho foi criado, dentro da vida, para que o homem o converta em oportunidade de redenção e de aperfeiçoamento da inteligência e do sentimento.

             Quem lê, estuda e medita acerca dos postulados doutrinário-evangélicos, compreende, naturalmente, que o homem deve dar ao mundo contribuição normal no sentido de que se efetivem as aspirações de ordem material, as quais, sem dúvida, constituem elemento de estímulo e de progresso.

             As aspirações humanas, portanto, no tocante ao problema do trabalho, devem orientar-se em função do que ensina e esclarece o Espiritismo - doutrina admirável que se desenvolve, no coração e na consciência, sob os auspícios do Evangelho do Cristo.         

             A palavra do Mestre reveste-se, neste particular, de profunda significação, quando nos adverte: “Não andeis, pois, a indagar o que haveis de beber ou comer, e não vos entregueis a inquietações.”

             Emmanuel, o admirável orientador, repete em nossos dias, embora noutro acondicionamento verbal, o conselho de Jesus: "Não te preocupes, assim, com o problema da fartura ou da carência de utilidades materiais, porque riqueza e pobreza à frente da Lei Divina, muitas vezes apenas significam infortúnio e felicidade, cativeiro e libertação, respectivamente considerados."

             Se crêssemos em Deus e em Sua Justiça que não falha, seríamos mais tranquilos, mais serenos, mais comedidos no trato com os problemas mundanos. Se crêssemos, firmemente, na Divina Proteção, limitar-nos-íamos a trabalhar, adequadamente, com o objetivo de assegurar o progresso, e prover, em termos de normalidade, as necessidades da família que o Senhor nos concede, e de atender, em nome do Bem Infinito, aos que estagiam em provações dolorosas, na carência, na pobreza.

             Revela ausência de confiança, nos ilimitados recursos de amparo do Supremo Doador, o afã de reter, a preocupação de acumular sem proveito coletivo, a obsessão de guardar.

             Nossas inquietações indicam, no fundo, que ainda não entendemos Aquele que sabe vestir lindamente os lírios do campo dando-lhes perfume e graça, beleza e magnitude que nem o próprio Salomão, “em toda a sua glória”, conseguiu imitá-los, consoante alegoriza o Evangelho.

             O homem previdente tem o seu trabalho substancialmente abençoado.

             O homem que se equilibra, ou procura equilibrar-se no esforço de obtenção dos indispensáveis recursos à subsistência, demonstra crença em Deus e conhecimento da indefectível lei: “faze, que o céu te ajudará.”

             O homem exageradamente preocupado na multiplicação, indiscriminada e a qualquer título e propósito, dos patrimônios materiais, é um fabricante de inquietações.

             Vã é a luta e estéril o esforço, obsessivo, perturbador e alucinante, tendo em vista a acumulação, improdutiva, de tesouros que a traça consome, a ferrugem destrói e o ladrão rouba, segundo a figura eternamente admirável e sublime do Mestre.

             A criatura que se inquieta por tais problemas furta à vida o seu lado mais belo, o seu aspecto mais encantador.

             Nega à própria existência a sua característica mais harmoniosa, qual seja a de poder desfrutar, com tranquilidade de espirito, os bens que procedem da Augusta Misericórdia - cujos celeiros são, inegavelmente, imensos, grandiosos, inexauríveis.

             O Mestre, observando a ansiosa solicitude pela vida que assinalava o comportamento dos homens do seu tempo, advertira frequentes vezes: “Não andeis ansiosos pela vossa vida.”

             Em termos de interpretação espírita, poderíamos traduzir a palavra do Senhor da seguinte maneira: “Trabalhai, calmamente, buscando o Reino de Deus e Sua Justiça, porquanto o mais vos será dado por acréscimo de misericórdia.”

             Todavia, apesar do celestial conselho, prosseguimos inquietos, afadigados, suarentos, sem atentar para a superabundância das provisões do Nosso Pai e Criador, o que indica a dificuldade com que vimos lutando para a superação dos milenários grilhões da materialidade e do imediatismo.

             O nosso esforço, a nossa perseverança, contudo, nos labores e meditações diuturnos, ajudar-nos-ão, sem dúvida, no trajeto espiritual libertador.

             Até lá, permaneçamos atentos e operosos, prudentes e vigilantes, a fim de que não desfaleçam os impulsos que já impedem a nossa permanência à margem dos caminhos, pelos quais transitam os homens de boa vontade.

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