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domingo, 25 de outubro de 2020

Eliéser Rosa: "...o Bem não faz mal!"

 


Eliézer Rosa: “... 0 Bem não faz mal!”

por Indalício Mendes    Reformador (FEB) Janeiro 1976  

                                                                                        

            Vem de ser divulgada pela imprensa “A Notícia” e “O Dia”, ambos do Rio, edições de 29-11-1975, inspirada sentença proferida pelo eminente magistrado Dr. Eliézer Rosa DD. Juiz da 8ª Vara Criminal, que absolveu médiuns acusados de prática de curandeirismo. De tal maneira S. Ex. penetrou o âmago da delicada questão que a situou, sábia e brilhantemente, em plano superior, fundamentando-se numa lógica invulnerável e em argumentos ao mesmo tempo simples, serenos e seguros, para concluir com profunda acuidade e meridiana clareza, pela ausência de crime a punir.

            Seu consistente raciocínio veio como que estabelecer novo e salutar clima em face do que poderíamos denominar “a mediunidade e a lei”, título, aliás de expressiva obra de Carlos Imbassahy, a respeito justamente da “mediunidade curativa”. Longe de nós subestimar a importância e a utilidade da Medicina tradicional, os benefícios que tem trazido à Humanidade. Todavia, devemos humildemente compreender que a infalibilidade não é, infelizmente, atributo comum ao homem terreno. “Justifica-se o esforço dos experimentadores da Medicina tentando descobrir um caminho novo para atenuar a miséria humana; todavia, sem abstrairmos das diretrizes espirituais, que orientam os fenômenos patogênicos nas questões das provas individuais, temos necessidade de reconhecer a imprescindibilidade da saúde moral, antes de atacarmos o enigma doloroso e transcendente das enfermidades físicas do homem.” (“Emmanuel” – Dissertações Mediúnicas – de Emmanuel por Francisco Cândido Xavier, cap. XXIII). Hoje, através da psicossomatologia, já se reconhece a procedência da afirmativa espírita de que, não raro, “as chagas da alma se manifestam através do envoltório humano” (isto é, o corpo físico). E é ainda Emmanuel quem esclarece: “O corpo doente reflete o panorama interior de espírita enfermo. A patogenia é um conjunto de inferioridades do aparelho psíquico” (“O Consolador” de Emmanuel por Francisco Cândido Xavier, Questão nº 96).                 O mesmo autor espiritual prossegue: “A saúde humana nunca será o produto de comprimidos, de anestésicos, de soros, de alimentação artificialíssima. O homem terá de voltar os olhos para a terapêutica natural, que reside em si mesmo, na sua personalidade e no seu meio ambiente. Há necessidade, nos tempos atuais, de se extinguirem os absurdos da fisiologia dirigida. A medicina precisa criar os processos naturais de equilíbrio psíquico, em cujo organismo, se bem que remoto para as suas atividades anatômicas, se localizam todas as causas dos fenômenos orgânicos tangíveis”. (“Emmanuel”, cap. XXllI). Além do mais, é princípio pacífico e irreversível no Espiritismo Cristão, a gratuidade dos benefícios mediúnicos, sejam eles de que natureza forem, princípio esse baseado nas palavras de Jesus-Cristo: “Dai de graça o que de graça receberdes” (Mateus, X: 8). E está em “0 Evangelho segundo o Espiritismo”, cap. XXVI, p. 379, 63ª edição, FEB, 1975: “Com esta recomendação, prescreve que ninguém se faça pagar daquilo por que nada pagou. Ora, o que eles haviam recebido gratuitamente (refere-se o Mestre a seus discípulos) era a faculdade de curar aos doentes e de expulsar os demônios, isto é, os maus Espíritos. Esse dom Deus lhes dera gratuitamente, para alívio dos que sofrem e como meio de propagação da fé; Jesus, pois, recomendava-lhes que não fizessem dele objeto de comércio, nem de especulação, nem meio de vida.”

             Passemos, pois, a transcrever a luminosa sentença do egrégio Dr. Juiz Eliézer Rosa, revestida de admirável eloquência cristã:

             "Oscar Wilde Oliveira Silva, Danacê Gehrke e Maria da Conceição Queirós dos Santos foram denunciados, o primeiro e segundo réus nas penas dos arts. 282 e 264, I, do Cód. Penal combinados com o art. 25 do mesmo Código, e a terceira acusada como incursa no art. 284, I, combinado com o art. 25, ambos do Cód. Penal, porque o primeiro acusado receitava remédio e a segunda ré colaborava com ele, a terceira acusada porque colaborava com o primeiro réu, na prática do curandeirismo e exercício ilegal da Medicina.  Expõe a denúncia que, no dia 22 de junho deste ano de 1975, na Rua Presidente Barroso, 130, onde funciona o Centro Espírita Caboclo Pedra da Mata, foi preso em flagrante o primeiro réu, porque, ali, exercia ilegalmente a medicina, além de praticar o curandeirismo, auxiliado pela segunda acusada que escrevia as receitas médicas, enquanto que a terceira acusada organizava as filas e recebia as importâncias em dinheiro. Acrescenta a denúncia que, no momento da prisão, o primeiro réu fazia uma operação em Roberto Pereira dos Santos, usando um canivete, a uma bucha contendo um líquido vermelho, “idêntico a sangue”, pressionando-a sobre o olho do paciente, do mesmo passo que a segunda ré descrevia e traduzia a operação realizada pelo primeiro acusado. Prossegue a denúncia dizendo que Maria José de Oliveira, Selma Santos e Ana Martins da Rocha foram operadas pelo primeiro réu que dizia “estar incorporado ao Dr. Fritz”.

             O processo teve curso legal.

            Foram os réus interrogados a fls. 60, 61 e 62. Defesa a fls. 64 a 68. Testemunhas a fls. 80 a 84. Na audiência de julgamento, foram ouvidas as testemunhas da fls. 90 a 93, seguindo-se os debates orais. O Dr. Promotor pediu a condenação do primeiro e segundo réus, e a absolvição da terceira. A defesa, pelo magistério de ilustres advogados, pediu a absolvição dos três acusados, requerendo, a juntada de um memorial Ilustrado oferecido pela testemunha de um memorial ilustrado oferecido pela testemunha e médico Dr. Kroner.  

             Foi tudo visto e examinado.

             A denúncia atribui aos três acusados a prática de curandeirismo, e ao primeiro réu e à segunda ré também o crime de exercício ilegal da medicina.

             No que concerne ao delito de curandeirismo imputado aos três réus, faltam-lhe os elementos que formariam figura do curandeiro emprestada aos três acusados. Por definição, curandeirismo é a atividade ou a prática do curandeirismo, isto é, daquele que cura sem títulos nem habilitações, utilizando-se de rezas e feitiçarias, ou no verbete do consagrado filólogo e dicionarista Antenor Nascentes. “indivíduo que se mete a curar, sem títulos nem habilitações, usando, às vezes, de meios charlatanescos”. Os acusados não praticavam nem rezas nem feitiçarias, nas atividades a que se entregavam na ocasião, e a que se propõe, desde há muito, o “sensitivo”, “médium” ou "aparelho" do Dr. Fritz, como é o primeiro acusado.

             Não receitam, não prescrevem, inculcam o uso de vitaminas e que tais, coisas que se usam sem indicação médica, as mais das vezes.

             Quanto ao exercício ilegal da medicina, crime atribuído ao primeiro e segundo réus, não ocorre, no caso. O primeiro réu é um dos da grande família dos “sensitivos”, desses novos “iniciados” em conhecimentos que escapam à observação e à experimentação. É o primeiro réu - Oscar Wilde Oliveira Silva da mesma linhagem espiritual de José Pedro de Freitas (Zé Arigó), Evaldo de Oliveira Silva, Lourival Freitas. Salvino Mariano da Costa, Antônio José Sales, lzaltina e outros, cujos nomes só a gratidão sabe guardar. São eles “aparelhos” de grandes médicos do passado e, em estado de transe, fazem o que lhes ditam os que deles se servem como seus instrumentos ou na linguagem exata dos entendidos, como seus “aparelhos”. Operam por meios e métodos espirituais, “fluidicamente”. Não é a cirurgia comum de técnicos e consagrados cirurgiões. São emanações de energia consciente, são forças para psicológicas que resultam da liberação de energia consciente e de que se utilizam esses chamados “médiuns” ou “aparelhos” de egrégias figuras da medicina do passado, como o cirurgião Ambroise Paré, ele quem se dá como “aparelho” o sensitivo Lourival de Freitas.

             Não é exercício ilegal da medicina, nos termos definidores de medicina humana. É um tipo de medicina medicamentosa e curativa mas de ordem espiritual. É para os que crerem e tiverem fé.

             Os fatos que estes autos mostram são daqueles que exigem interpretação e estudo detido pelos que lhes conhecem a importância e a transcendência. Diante deles, fica-se na fronteira do mistério, onde acaba a Ciência e começa a Fé. Não tenho por criminoso esse iniciado e sensitivo Oscar Wilde Oliveira Silva nem como crimes de curandeirismo e ilegal exercício da medicina o que ele realiza. Fazer o bem, diminuir as dores humanas, não podem ser consideradas atividades que incorrem na censura nem leiga, nem legal.

             Testemunhas maiores de qualquer suspeita e dúvida vieram dizer dos benefícios que receberam, das curas realizadas.

             Está o julgador diante de fatos que refogem ao ordinário, ao conhecido pelos sentidos do comum das criaturas humanas. São fenômenos espirituais que exigem estudo pelos homens de boa vontade e de fé, que respeitam os fatos e sua veracidade.

             Não encontro crime a punir na conduta de Oscar Wilde Oliveira Silva, e, pois, não o posso encontrar na segunda acusada, nem na terceira, para quem, aliás, foi pedida a absolvição pelo eminente Dr. promotor.

             Por derradeiro: se se houvesse de qualificar de criminosa a conduta do réu Oscar Wilde de Oliveira Silva, haveria primeiro de deixar-se provado o dolo, o que não seria possível porque os “sensitivos”, “médiuns” ou “aparelhos” como o primeiro acusado, agem em estado de transe.

             Absolvo os réus porque não encontro crime a punir. Não posso entrar nesse novo e maravilhoso mundo que será aquele onde dominar a liberação da energia consciente e seu aproveitamento para o bem dos homens; mas, embora fora dele, deixo manifestado o respeito que merecem os que procuram, por meio da fé, diminuir o sofrimento humano e fazer renascer nos rostos amargurados um largo e generoso sorriso, porque a dor passou, o doente melhorou e a paz retornou à casa do aflito. Eu também creio que o Bem não faz mal.  P. I.

            Rio de Janeiro, 26 de novembro de 1975. Eliézer Rosa - Juiz de Direito”

 


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