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quarta-feira, 28 de novembro de 2012

8a. 'À Luz da Razão' por Fran Muniz



8a
“À Luz da Razão”

por   Fran Muniz

Pap. Venus – Henrique Velho & C. – Rua Larga, 13 - Rio
1924



            Citemos ainda, como simples curiosidade, outra demonstração da falta de fé e da pouca importância ligada às orações pelo sistema católico romano.

            O fato, a seguir, passou-se em véspera de Carnaval. Realizava-se em certo lugarejo uma batalha de confetes e nesse mesmo dia a igreja local celebrava a festa do seu padroeiro; chamemos a esta igreja o nome suposto de –“Senhor Bom Jesus do Morro”, porque não corra o risco de ser repreendido por sua Eminência, o respectivo vigário.

            O povo, folião como o é o nosso, divertia-se, em ampla liberdade, ora nos folguedos de Momo, ora nos atrativos da festa da igreja, em frente da qual se lia num grande cartaz anunciativo, o nome do padroeiro:

            Hoje - Festa do “Senhor Bom Jesus do Morro” e da “Boa Imprensa”.

            A multidão, na sua maioria, de cabelos empoados, rostos coloridos, roupas e laços espalhafatosos, espremia-se entre chufas e risolas, no adro da igreja onde, num coreto, a música assinalava as vendas do leilão de prendas e o comércio das barraquinhas.

            Em dado momento, porém, a massa começou a invadir a igreja em atropelos e correrias. Era o Te-Deum que se celebrava em pleno templo repleto de fantasiados.

            E, enquanto lá dentro se solenizava essa oração semi carnavalesca, um vendedor ambulante apregoava lança-perfumes na porta da casa de Deus.

            É risível, não é verdade?

            Pois é a isso que está reduzida a religião romana.

            A nós outros, contudo, nada disso surpreende no catolicismo, porque conhecemos fatos muito mais graves e quase inacreditáveis. O que nos admira, porém, é a audácia daquele vendedor de artigos de carnaval fazer o seu negócio à porta do estabelecimento dos outros...

            Esse episódio, apesar das reservas de que se cobre, não poderá ser susceptível de dúvidas. Foi assistido por cerca de duas mil testemunhas.

            Depois, temos coisas idênticas, mais publicamente ostentadas:

            Quem não conhecerá, num subúrbio da Capital, o célebre “Mafuá” do padre J..?

            Pois, em pleno Carnaval de 1919, foi visto, por muitos milhares de pessoas, um padre de batina e tudo, regendo a banda de música num coreto daquele chamariz.

            E o mais extraordinário é que, um outro padre a quem se fez sentir tal rebaixamento da religião, respondeu:

            “- Nada de mal há nisso. O padre não estava se divertindo, nem era carnavalesco, mas sim cooperava na obtenção de auxílios para a construção a uma nova igreja”.

            Assim, pois, tudo serve de objetivo de uma classe que não treme de procurar, até no deboche e na orgia, o auxílio monetário para o custeio da religião.

            Mas, confiemos isso ao critério das boas consciências e reatemos o nosso exame às missas.

            A conclusão verificada neste dogma é que o padre ora por obrigação de cumprir o que ensina o missal e os fiéis oram para satisfazer o uso ensinado pelo padre; ambos, porém, fazem da oração um ajuntamento de palavras que partem dos lábios sem passarem no coração. Mas como repetem a fórmula, um certo número de vezes, julgam-se quites com o compromisso para com Deus.

            Esta incoerência bem define a falta de convicção observada entre os seus adeptos; daí o tédio que se vai apoderando deles, começando pela redução das visitas à igreja, no que, aliás, fazem muito melhor.        

            É já bastante comum, por exemplo, ouvir dizer, mormente as senhoras:
           
            Hoje acordei tão indisposta, tão aborrecida ... e não tendo que fazer, fui à missa.

            Ou então:

            Ora, hoje não fui à missa: Acordei tão indisposta..., tão aborrecida...

            Por sua vez, concorrem grandemente para a destruição da fé, os símbolos e contra sensos com que são mimoseados diariamente os visitantes para desfastio.

            A missa mesma, por si só, é um perfeito arsenal de símbolos.

            Os católicos devem conhecer perfeitamente todos os passos e circunstâncias referentes à paixão do Nazareno e que são simbolizados na missa, por isso abstemo-nos de especificá-los. Trataremos somente do que representa a ascensão do Mestre ao seio do Onipotente.

            Na missa, a subida majestosa do Mestre dos mestres, é simbolizada na elevação da hóstia, com a diferença, porém, de que, aí, o Cristo em forma de biscoito, em vez de subir ao Céu, desce para as imundas vias gástricas do sacerdote.

            Sinceros e profundos pesares aos católicos que concordarem com esse gravíssimo desrespeito ao seu Deus.

            Na verdade, a fé não pode persistir numa religião que está em plena decadência, devido à falta de conhecimentos dos seus chefes e isso originou também em seus súditos a falta de noção do valor e da sublimidade da prece.

            E o resultado é rezarem, sem consciência, como um gramofone que repete palavras gravadas no disco.

            A prece, no entanto, não é nada disso. A prece é uma corrente fluídica que, partindo do pensamento, pelo impulso do coração, atravessa o espaço universal em direção a Deus ou aos espíritos, a quem nos queiramos dirigir. É como o som transmitido pelo ar.

            Mas, para se conseguir a realidade da prece, são necessárias a perfeita concentração do espírito, a vontade inabalável e a pureza de coração.

            E não é o que se obtém nas missas, entre a preocupação da pragmática simbólica, a disparidade da fé e de sentimentos, o murmúrio dos sinos, das cantilenas e dos órgãos.

            Urge, pois, a humanidade compreender que a verdadeira oração consiste em cada qual procurar se elevar a Deus pelo único veículo que é o coração.

            Destarte, será cassada para sempre, a procuração dos intermediários, devolvendo-se ao mesmo tempo à igreja o que a ela, exclusivamente pertence: - Orgulho e ambição.

            E há de ser assim, pois vemos no Evangelho a profecia de “estar próximo o tempo em que Deus não seria mais adorado nos montes nem nos templos, porque Deus é Espírito e Verdade e em espírito e verdade quer ser adorado.”

            Desta predição, há muito se vai sentindo a realidade com o despontar dos raios benditos e fulgurantes por novos horizontes.

            E, à proporção que esse ditoso “tempo” vem avançando para a felicidade humana, a doutrina interesseira vai recuando para o -nada- de onde saiu.

            Como prêmio aos seus serviços, daqui a alguns séculos, certamente, a posteridade sorrirá penalizada ao saber ter existido uma religião que pretendeu subornar Deus, vendendo a salvação do próximo, quando, nem sequer dessa vantagem podia dispor em proveito próprio.





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