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terça-feira, 14 de setembro de 2021

A Imprescinbilidade da Vigilância

 

A Imprescindibilidade da Vigilância

Tasso Porciúncula (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Março 1966

                 Qual o dever de todos os verdadeiros cristãos – dos cristãos de dentro para fora e não apenas dos cristãos epidérmicos – em face do mandamento do Cristo: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo.” A resposta é clara e simples: esforçar-se cada qual por demonstrar simpatia, pelo menos, a quantos cruzem o seu caminho, principalmente quando divergem os tons da afinidade. O primeiro passo é ter sempre um olhar de cordialidade pelo próximo, uma palavra mansa, um ato de ponderação, conforme às circunstâncias que se apresentem. Foi isso, sem dúvida, o que demonstrou querer o maior mestre que a Humanidade conheceu – Jesus. “Fazei aos homens tudo o que queirais que eles vos façam, pois é nisto que consistem a lei e os profetas.”

            Jesus não fez distinções, não disse que amássemos somente a determinadas pessoas que quiséssemos bem apenas aos nossos correligionários, aos que pensam como nós, aos que nos agradam ou adulam. Não determinou que só amássemos aqueles que nos seguiam e os que, a partir de Antioquia, se chamassem cristãos. Referiu-se o Mestre a toda a Humanidade, sem curar da orientação religiosa ou doutrinária dos homens, sem excluir sequer os judeus, nenhuma raça, nenhum povo. Dirigiu-se aos homens em geral, a todos os homens, porque são estes que estabelecem limites ideológicos entre si, que erguem barreiras doutrinárias e dogmáticas para permanecerem confinados em suas greis, como em compartimentos estanques.

            Para Jesus, o espírito de fraternidade deve ser como o Sol que a todos aquece e ilumina, que a tudo purifica, visitando montes e vales, jardins e pântanos, maus e bons, tigres e cordeiros.

            Ora, se assim é, como compreender-se que elementos de um mesmo credo cristão não sigam sua recomendação? Como podem alguns ter autoridade para levar a outrem o verbo fraterno, realmente sincero, se não põem nele o coração entre aqueles de quem, doutrinariamente, se dizem irmãos? Não importam as divergências de pontos de vista, nem podem estas constituir motivos de maior agravo, porque, se as divergências se originam do intuito sadio de prevenir ou retificar erros, do desejo de esclarecer dúvidas, não podem ser aceitas para instituir o clima de prevenção e desarmonia. O necessário é que tenhamos todo o espírito desarmado de preconceitos e a suficiente humildade para não reagir ao primeiro impulso, a fim de que a reflexão aclare os pontos críticos da divergência.

            Com o culto sincero da fraternidade, tudo se tornará mais fácil, desde que haja realmente fraternidade. Quando ela é apenas aparente, não consegue impedir que a substitua a irritação, a cólera, a ânsia de revide. Divergências, sempre as houve e as haverá enquanto os homens não atingirem mais elevado grau de sabedoria, a par de seguros conhecimentos evangélicos e doutrinários, porque elas nada mais são que fruto de desnivelamento de aquisições morais e intelectuais. Todavia, a divergência é ainda necessária para estimular a vigilância evangélica, principalmente em torno de princípios que o hábito, a rotina, pode debilitar, pois a familiaridade com as coisas muitas vezes induz ao enfraquecimento da vontade e da visão, pela aparência de que tudo vai bem e é imutável. Daí o afrouxamento da vigilância e a invasão sorrateira da imprevidência entre aqueles que se consideram sentinelas atentas e seguras de si mesmas, embora muitas vezes se deixem vencer por cochilos curtos, mas suficientes para que a praça seja violada por sitiantes pertinazes, solertes, audaciosos e mal-intencionados.

            André Luís afirmou que “o espírito de fraternidade funde todas as divergências”. É verdade, porque, havendo de ambas as partes o interesse superior de alcançar o esclarecimento definitivo, sem os entraves da vaidade, que gera o agastamento, e do orgulho, que dificulta a compreensão, o espírito de fraternidade, emergirá ainda mais belo e forte do debate. Não foi à toa que exortou seus discípulos à vigilância: “Estai de sobreaviso, vigiai: porque não sabeis quando será o tempo. É como se um homem em viagem num país estranho, tendo deixado a sua casa e tendo cada um o seu trabalho, tivesse mandado também ao porteiro que vigiasse. Vigiai, pois; porque não sabeis quando virá o dono da casa, se de tarde, se à meia-noite, se ao cantar do galo, se pela manhã; para que, vindo de repente, não vos ache dormindo. O que digo a vós, digo a todos: Vigiai!” (Marcos, 13:33-37).

            “O que digo a vós, digo a todos.” Muito bem dito, porque nenhum de nós deve ter a presunção de ser infalível na vigilância. Acontece que somos humanos. Portanto, fracos, falíveis, vencíveis. Nem sempre sabemos resistir ao assédio de inimigos ocultos, mas espertos e tenazes, que se apresentam sob muitos disfarces – o orgulho, a vaidade, o excesso de amor próprio, a ingenuidade imprudente, a superestimação do Eu.

            Eis porque devemos, uns com os outros, fazer o que fazia aquele escravo, que, seguindo de perto o triunfador romano, advertia-o, de quando em quando, com estas palavras: “Cave ne cadas” (Cuidado para não caíres), a fim de que o senhor, tomado de orgulho e vaidade, não se expusesse a surpresas desagradáveis.

            Se realmente não somos mais do que espíritas teóricos, devemos ajudar-nos uns aos outros, fraternalmente, evangelicamente, vigiando nossos pensamentos e atos, mas também alertando reciprocamente a atenção para falhas, omissões, imprudências e erros, numa permanente colaboração mútua, sem melindres tolos que apenas mostram a distância que nos separa da Doutrina Espírita e do Evangelho. Se é que pretendemos mesmo alcançar, não as gloríolas mundanas, os aplausos suspeitos, que não trazem qualquer benefício à nossa posição espiritual. As susceptibilidades à flor da pele denunciam a existência de um espiritismo epidérmico, de um cristianismo de superfície limitada, sem extensão nem profundidade.

            O Espiritismo cristão, o Espiritismo evangélico, colima a reforma íntima da criatura humana, a fim de que cada qual seja espírita organicamente, de dentro para fora e de fora para dentro, não somente em dias de reuniões ou quando em contato com outros espíritas, para exteriorizar conhecimentos nem sempre reais da Doutrina e do Evangelho. Uma coisa é o parecer, outra o ser espírita. Nunca será demasiado o exame de consciência repetido, frequente, feito com sinceridade e humildade. Se não tivermos a coragem de reconhecer os defeitos que os outros nos apontam fundamentalmente, e se não nos esforçarmos por bani-los da nossa personalidade, então não somos espíritas, não somos cristãos: somos apenas mistificadores conscientes que comprometem o avanço seguro do Espiritismo.




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