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terça-feira, 30 de dezembro de 2014

O Jesus dos Espíritas



O Jesus dos Espíritas
Indalício Mendes
Reformador (FEB) Novembro 1965

            Entendemos o Espiritismo, segundo a Doutrina codificada por Allan Kardec, como uma norma, religio-filosófica, de dar à criatura humana todos os meios simples e práticos de alcançar a própria valorização moral. Através do estudo e da exemplificação da Doutrina cuja base evangélica é evidente, podem, o homem e a mulher, compreender a verdadeira significação da vida eterna, com todos os seus problemas, dores e aflições, ligando-a ao mundo espiritual, porque os dois mundos se interpenetram e se influenciam reciprocamente.

            A Lei de Causa e Efeito, o Carma como dizem os hindus, é inflexível e sua execução constitui, antes de simples castigo, uma imposição criada pelas ações do Espírito encarnado ou desencarnado para o seu necessário progresso, que pode ser mais lento ou mais rápido, conforme determinadas circunstâncias.

            Para nós, portanto, o Espiritismo tem extraordinária importância no desenvolvimento moral da Humanidade. Não se destina a fazer santos mas homens retos, dignos do respeito geral, úteis a si e ao próximo, capazes de, por seu comportamento e modo de pensar, imprimir ao Bem uma ação muito mais dinâmica do que tem sido, ao mesmo tempo transformando o Mal, neutralizando lhe os efeitos e aproveitando-lhe a energia, a fim de que se reduza e um dia fique extinto. Nada, porém, será obtido sem a educação individual, sem que se dê à pessoa humana a atenção imprescindível, desde a criança até o ancião. Essa a obra grandiosa do Espiritismo: modelar o caráter humano, fazendo cada um compreender o elevado papel que tem a desempenhar na vida terrena e em face de seus semelhantes e dos compromissos que traz do passado espiritual.

*

            Quando se alude a Jesus, alguns céticos sorriem “superiormente”. Consideram que o Cristianismo não forma homens, mas múmias, seres abúlicos, neutros, passivos, incapazes de ações energéticas, sempre choramingantes, de cabeça baixa, permitindo abusos e tolerando absurdos, em nome da humildade, da tolerância e do amor ao próximo . Ora, as coisas não devem ser olhadas dessa maneira. Se o misticismo tem proporcionado episódios que parecem justificar semelhante conceito, mais por imperfeição das criaturas humanas do que do legítimo espírito cristão, a vida  de Jesus oferece aspectos absolutamente contrários a  essa concepção sombria e negativa da personalidade humana.  

            Jesus foi humilde sem ser servil ou covarde. Foi bravo sem ser agressivo. A cena dos mercadores do templo, por ele expulsos, é prova eloquente de energia, de coragem, de intenção moralizadora. Enfrentou sozinho, bravamente, aqueles, que profanavam o lugar  sagrado.  Sua atitude de dar ao mundo uma  doutrina nova, mais humana, mais edificante, sem violência nem fanatismo, arrostando, como arrostou, todos os perigos, sofrendo humilhações, torturas e o fim material na cruz, dão conta, mais do que outro qualquer exemplo, da sua incomum bravura.

            Dele conhecemos somente o que nos contam os Evangelhos. É pena que não haja mais pormenores da sua passagem pela Terra, porquanto os fatos do seu itinerário humano não devem ter-se restringido apenas ao que nos relatam os Evangelhos, ressaltando mais a finalidade religiosa da sua peregrinação.

            Ninguém deu mais belas provas de sinceridade. Nada mais degradante do que a hipocrisia, que, ainda hoje, campeia por todos os cantos. Os hipócritas mostram sorrisos, abraçam, louvam, embora, intimamente, não experimentem satisfação alguma com o que fazem para iludir. Quando há sinceridade real, sentimos o calor espiritual das atitudes, a vibração benéfica das palavras de agrado ou louvor. Há gente assim, insincera, em toda parte. Nem foi por outro motivo que Jesus, tão doce e benévolo, tão tolerante e discreto, não se conteve ao repelir a hipocrisia: “Hipócritas, bem profetizou de vós Isaías: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Adoram-me, porém, em vão, ensinando doutrinas que são preceitos de homens...” E adverte: “Quando orardes, não sejais corno os hipócritas.

            Em Mateus, 6:1-2, 6:2-6, 6:16-18, 15:7-9 e 23:5:10,  ele condena a hipocrisia e os hipócritas.

            O mundo herdou-a por força daqueles que pretenderam, pela comoção, obter o que não alcançavam pelo entendimento claro, a ideia de um Jesus chagado, coberto de sangue, para sempre dependurado na cruz. O mundo mudou depois da noite negra da Idade Média e se libertou de concepções retrógradas, adquirindo plena consciência do seu direito de pensar e de dizer. Desde aí, muitas interpretações benéficas da personalidade de Jesus e do legítimo objetivo do verdadeiro Cristianismo contribuíram, e contribuem, para dar ã humanidade um retrato mais compatível coma dignidade do Cristo, retirando-o da cruz, que foi um episódio de sua vida terrena, episódio dramático mas apenas um episódio.

            Em vez de um Jesus morto e divinizado, temos, no Espiritismo, um Jesus vivo, glorificado por sua grandeza espiritual e por suas obras e ideias, pela ascendência espiritual de que desfruta, como Espírito puro, de altíssima hierarquia, a quem estão entregues os destinos deste planeta e consequentemente, os da Humanidade inteira.

            Em “Os Quatro Evangelhos” Roustaing nos permite ver como os Evangelistas e Aóstolos nos apresentam a grandeza do Mestre excelso e de sua magna doutrina, sem os macabros acessórios que o tem acompanhado nas apresentações de religiões ditas tradicionais: coroa de espinhos, cravos, sangue, sangue, sangue.

            Jesus não prega a tristeza, a dor, o desânimo. Pelo contrário, encontramos nos Evangelhos a prova de sua alegria, do seu amor à coragem, à iniciativa, ao trabalho. Sempre aconselhou àqueles que tangidos pelo sofrimento, pareciam derrotados, que tivessem ânimo. Nas horas mais amargas, revelou fé, bravura e firmeza. Sacrificaram-no mas não lhe quebraram a tenacidade. por conseguinte, devemos todos deixar de lado o que há de tétrico e sombrio em torno de Jesus, para nos identificarmos com os seus exemplos maravilhosos, contidos nos Evangelhos, os quais ajudam a formar homens de caráter forte, decididos, confiantes em si, destemerosos e persistentes.  

            Para nós, espíritas, jesus está, sempre esteve vivo. A cruz é um símbolo. Não nos preocupam símbolos, mas tudo quanto pode concorrer para dar à humanidade, dentro da razão esclarecida, a confiança que nasce do conhecimento sólido, a fé, que não prescinde do raciocínio, porque a fé viva é útil, fecunda, construtiva, enquanto que a fé inculcada por dogmas (perinde ac cadáver) faz autômatos, destrói a razão, corrompe o raciocínio e alimenta o fanatismo.

Indalício Mendes



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