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domingo, 7 de dezembro de 2014

5d AntiCristo senhor do mundo



5d


            Tratando do movimento reformista, não devemos omitir uma referencia à preponderante figura do seu principal colaborador doutrinário. Falamos de Filipe Melanchton que, dotado de grande serenidade de espírito, conciliador por natureza e tendo recebido primorosa educação intelectual, que os estudos clássicos haviam consolidado, estava destinado a ser o elemento, em certos casos, ponderador do extremismo de Lutero e dos tumultuários excessos de linguagem a que este se entregava. Em seus Lugares Comuns expôs claramente a doutrina reformada, sustentando que a justificação se faz perante Deus unicamente pela fé, a qual é determinada pela graça, independentemente da vontade do homem.

            Foi ele o principal autor da "Confissão de Augsburg", formulada perante a dieta, que aí se reuniu em 1530, convocada e presidida por Carlos V, contendo as afirmações fundamentais do novo Credo e dividida em três partes. A primeira versava sobre os pontos gerais não contestados; a segunda sobre os artigos que os luteranos admitiam parcialmente; a terceira sobre as cerimônias e os usos em que diferiam da igreja romana, como a supressão do cálice, o celibato dos padres, a missa como sacrifício, a confissão particular, os votos monásticos, os jejuns e o poder episcopal.

            "Melanchton, assustado com a desordem, que ameaçava a sociedade, e com a tirania secular, que prometia suceder a abolição do governo eclesiástico, redigiu a Confissão nos termos que lhe pareceram mais conducentes a aproximar os dissidentes; não obstante, foi corrigida e remodelada muitas vezes."

            Já anteriormente, quando em 1527, Lutero, persuadido de que a sua interpretação da Escritura era a verdadeira, publicara a ‘Instrução para os Pastores’, como regra ele fé, prevalecendo-se do ascendente que sobre ele exercia, Melanchton, sempre conciliador, modificou alguns dogmas, como a negação do livre arbítrio e a ineficácia das boas obras. "O seu Corpus Doctrinae Christianae ficou sendo considerado pelos protestantes como um dos seus livros simbólicos".

            Duas outras personalidades surgiram nessa época, a intervir de modo preponderante no movimento reformista, não devendo ser, por isso, igualmente omitidas na breve resenha que dele nos temos proposto fazer: Ulrich Zwinglio e João Calvino, cuja atividade, iniciada na Suíça, enquanto a de Lutero se exercia particularmente na Alemanha, irradiou mais tarde pela França e a Itália.

            Mas a Reforma não estava destinada a ser unicamente um movimento de retificação e de renovação religiosa: correspondendo à ânsia de liberdade que trabalhava os espíritos, fatigados de opressões tanto da parte dos príncipes e reis como da monarquia pontifícia, os seus efeitos deviam simultaneamente refletir-se na esfera político-social. A vulgarização da Biblia posta em prática por Lutero, levando ao conhecimento do povo os princípios igualitários do Evangelho, suscitou legítimas reivindicações, que tiveram infelizmente um
epílogo sanguinolento.

            "Proclamada a liberdade religiosa - observa o historiadoros homens dos campos, que encontravam no Evangelho Deus e o rei, mas não a nobreza, e liam nele que todos os homens são iguais, quiseram também conquistar a liberdade civil e queixaram-se acerbamente dos pequenos senhores, que os oprimiam, a exemplo dos grandes. Cristovão Schappler, eclesiástico suíço, formulou os seus agravos e as suas reclamações em doze capítulos, a um tempo moderados e ousados: devia ser licito à gente do campo eleger padres encarregados de lhe anunciar, em toda a pureza, a palavra divina. Se até então haviam tolerado que os tratassem como escravos, apesar de resgatados pelo sangue do Cristo, não queriam mais semelhante tratamento, a não ser que os convencessem, com a Escritura, de que estavam em erro."

            Como não fossem atendidos, apesar da justiça de suas reclamações, e o próprio Lutero, convidado a servir de árbitro entre eles e os senhores, depois de haver exortado os senhores a serem justos e pregado aos vilões o dever do sofrimento e da servidão resignada, se tivesse colocado do lado do poder, "de que já participava", os camponeses se sublevaram em massa e cometeram excessos. As suas desordenadas legiões foram, todavia, facilmente desbaratadas pelas tropas regulares dos nobres e passadas a espada. Morreram cem mil pessoas que usavam a cruz branca, praticaram-se cruéis atrocidades e os chefes do movimento tiveram que expatriar-se, prosseguindo contudo as agitações parciais que convulsionavam a sociedade civil.

            "Essas tempestades populares - observa ainda o historiador - não eram tanto resultado da Reforma como efeitos das mesmas causas que a haviam produzido; todavia Lutero assustou-se, deixou de querer ser popular, fez causa comum com os príncipes e sustentou abertamente a monarquia. Ao eleitor Frederico, o Sábio, seu protetor moderado, havia já sucedido João, o Constante, e esse príncipe o auxiliou sem restrições: aboliu nos seus Estados a jurisdição eclesiástica e entregou o governo da Igreja nacional a uma com missão de padres seculares."

            Diferentes foram a feição e as consequências políticas resultantes das doutrinas pregadas por Zwinglio e, em seguida, por Calvino, como o veremos adiante.

            Sendo, ao começo de sua insurgência, cura de Glaris, Ulrich Zwinglio, indignado com a idolatria de que era objeto a imagem da Virgem de Einsiedeln e com o anúncio da indulgência plenária afixado em cartazes nessa povoação, entrou a pregar contra semelhantes práticas. Nomeado pastor de Zurich, declarou que se cingiria exclusiva e integralmente ao Evangelho; declamou contra os maus costumes, a venalidade do clero e a autoridade opressiva da Igreja e expulsou o frade Bernardo Sansão que se apresentara na cidade para vender indulgências.

            Admoestado pelo bispo de Constança, declarou que repelia toda e qualquer decisão dos homens em assuntos de fé e que não admitia nenhuma satisfação perante Deus, a
não ser aquela que fora dada por Jesus Cristo.

            Essa vigorosa propaganda agitou os cantões suíços, formaram-se dois partidos e foram publicamente debatidos muitos ritos e dogmas fundamentais, sendo afinal proibidas as procissões, os órgãos, a adoração da hóstia e a extrema unção.

            "Os reformadores suíços - assinala o historiador - iam, pois, muito adiante de Lutero, que conservou diferentes práticas religiosas como as imagens, as velas, os altares, o pão ázimo, a confissão auricular. Lutero queria conservar na Igreja tudo que lhe não parecia expressamente contrário à Escritura: Zwinglio suprimia tudo que se não podia provar com o seu texto. Um queria ficar com a Igreja de todos os séculos, depurando-a do que repugnava à palavra divina; o outro voltava aos tempos apostólicos e transformava a Igreja com a pretensão de faze-la volver ao estado primitivo."

            As consequências políticas dessas divergências foram diametralmente opostas. Lutero, conservador, pregando num país de príncipes, sustentou as ideias de absolutismo, favoreceu a usurpação dos bens do clero e, na jurisdição mista; considerou a autoridade eclesiástica uma instituição humana e um atributo da soberania; Zwinglio, republicano e radical derribava o poder das igrejas, mas, em vez de o dar aos príncipes, o restituía ao povo.

            Da teoria passou-se aos fatos. Exaltaram-se os ânimos e os dois partidos religiosos, de cujo embate veio finalmente a resultar a divisão dos cantões em católicos, reformados e mistos, pegaram em armas, um constituindo a "Liga para defesa da Religião", sob o patrocínio de Fernando, rei dos romanos, o outro organizando a "Confraria Cristã", dirigida por Zwinglio. Feriu-se uma batalha em Capel, aí morrendo Zwinglio, "que havia trocado a espada da palavra pela de ferro e o púlpito por um cavalo."

            Os católicos processaram o cadáver do reformador e o fizeram em pedaços; mas um dos vencedores exclamou: "Fosse qual fosse a tua crença, foste um leal e sincero confederado. Deus receba a tua alma."

            Mais afortunado que Zwinglio - se é fortuna conservar-se a vida terrestre, maculando-a de atrocidades - Calvino, tendo abraçado em 1534 a Reforma, já triunfante, e propendendo para a orientação radical de Zwinglio, pôs-se a interpretar a Bíblia segundo o seu modo de ver. "Se, porém, abominava a corrupção da igreja, também o indignou a desordem produzida pelos reformadores e empreendeu por termo a essa desordem. Ao período, portanto, de emancipação de Lutero seguiu-se o período organizador de Calvino, que pretendeu reconstituir a Igreja."

            Indicado para essa missão por suas qualidades de caráter, sem os rasgos geniais, a violência e as ingenuidades de Lutero, nem a inabalável convicção de Zwinglio, mas possuindo a lógica inflexível do organizador, fez-se o medianeiro entre o papismo de um e o radicalismo do outro e publicou em francês elegante a Instituição da Religião Cristã, obra que se espalhou nas classes ilustradas e, com o Catecismo publicado em 1538, veio a constituir o sistema doutrinário calvinista.

            Instalado em Genebra, que tornou-se em poucos anos a Roma do protestantismo, desenvolveu uma ação implacável contra os dissidentes do sistema que recebera o seu nome. Tendo Lutero demolido a monarquia católica, ele, por sua vez, derrubou a aristocracia luterana e, auxiliando as ideias republicanas de Genebra, aboliu o episcopado e confiou a escolha dos ministros à comunidade religiosa. Estabeleceu um Consistório, composto dos pastores, para administrar as coisas da religião e corrigir os costumes. "Assim chegava ao governo democrático, porém, ao contrário de tudo quanto se havia feito antes, subordinou o poder civil ao religioso, preparando um centro para os revolucionários futuros. O efeito do calvinismo, não moderado por nenhuma autoridade, devia ser, portanto, maior, e maior também a cultura intelectual. Daí uma infinidade de seitas e a emissão de tantas ideias políticas.

            A correção dos costumes, confiada ao consistório, produziu uma verdadeira inquisição, pois que até violava os segredos das famílias, dando lugar a denúncias e a severas penalidades por motivos, algumas vezes, insignificantes. Levando ao máximo extremo os seus rigores, Calvino fez proibir todos os espetáculos, as danças, a alegria estrepitosa, os divertimentos patrióticos.

            A mesma intolerância que o levava a crer que só devia existir uma Igreja e essa única devia ser a sua, levava Calvino a proferir, "com uma cólera fria e prosaica, as mais violentas injúrias contra quem sobressaía, na primeira plana, entre os reformados. Logo que implantou a sua profissão de fé, fez dela uma arma para condenar como impostores os outros inovadores, que pela sua parte o excomungaram. Além disso, pois que essa profissão tinha sido adoptada como lei do Estado, quem a não aceitava era rebelde". Puro regime inquisitorial.

            Dessa feroz intransigência foi vítima, entre outras personalidades ilustres, Miguel Servet, médico, astrólogo, editor de Ptolomeu. "Tendo-se aplicado aos estudos religiosos, numa época em que cada qual proclamava um sistema de teologia, quis ser também reformador e publicou um livro intitulado De Trinitate Erroribus, etc. Christianismi Restitutio, no qual acusava Roma de ter convertido Deus em três quimeras. Os católicos o toleraram na Itália. Calvino, porém, não lhe pode perdoar umas cartas em que ele chamava às suas razões insulsas e lhe perguntava: unde tibi auctoritas constituenti leges? - Quando, ao cabo de sete anos de espera, o pode haver às mãos, teve-o preso muito tempo, infligindo lhe maus tratos. Servet pediu baldadamente que lhe dessem um advogado, que abreviassem as delongas do processo, verdadeira tortura moral, a mais cruel de todas. Pediu a Calvino a esmola de uma camisa; recusaram-na. Afinal, foi queimado vivo, em nome de uma religião que rejeitava a autoridade, e, como se as chamas não bastassem, ultrajaram-lhe até a coragem com que vira avizinhar-se a morte (1553)."

            Todos os cantões reformados aplaudiram a execução e pediram que ele separasse por essa forma o trigo do joio.


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