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quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Rosas e Espinhos

 

Rosas e Espinhos

José Brígido (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Agosto 1964

             Quando chegaram ao roseiral, disse o avô enternecido à neta meiga e atenta:

            - Estás vendo, amor, quantas rosas lindas e perfumosas?

            - Sim, vovô. Como são belas! Vou colher aquela ali, que tem a seu lado dois formosos botões...

            - Cuidado, menina. Não te deixes fascinar pela beleza das rosas a ponto de esqueceres os espinhos que as acompanham. Eu mesmo tirarei uma delas.

            Em seguida, o avô solícito se aproximou da roseira e com extrema cautela pôs-se a vergar pequeno caule para quebra-lo. Consegui-o logo, mas, não obstante o cuidado, foi picado por um espinho e de seu dedo saiu uma gotícula de sangue.

            - Está aí, menina. Observa bem que de nada valeram a minha prevenção e a minha experiência. Colhi a rosa, mas pague o tributo do sangue.

            Inquieta, a netinha comentou arrependida:

            - Fui culpada, vovô. Para me satisfazeres, sofreste essa espetadela.

            - Tudo tem uma razão para acontecer. Agora, ainda estás pequena, pouco sabes da vida. Doze anos quase nada representam no começo da vida.  Entretanto, deves prestar muita atenção às minhas palavras e guardar esta lição, que poderá ser muito útil a tua vida futura.

            Passando carinhosamente a mão pelos cabelos macios da menina, o avô continuou falando:

            - Mais tarde, quando já estiveres bastante crescida, sentirás a vaidade natural do teu sexo. Terás alegria em ser bonita e admirada. A beleza física, quando desamparada da beleza moral, corre perigo. Justamente porque é bela, a mulher é requestada. Experimenta secreto prazer por ser admirada.

            Ela se entrega aos desvelos de cabelereiros exímios, reúne cosméticos e ingredientes especiais para realçar lhe a beleza ou para apagar lhe os traços incompatíveis com os cânones do belo. Dentro em pouco, todo o seu tempo será empregado nesse mister. Se desatenta de seus deveres espirituais, acabará por esquece-los de vez. Toda a sua vida se resumirá em mostrar-se bela e elegante. Sem o sentir, torna-se prisioneira de si mesma, egocêntrica, fria e indiferente para tudo quanto não se relacione com a sua pessoa.

            Casa-se e, nos primeiros tempos, quando ainda não está estabelecida uma familiaridade mais completa com o marido, tudo irá aparentemente bem. Depois, ela cederá à tirania do ego. Se o esposo for sensato, poderá reeduca-la devagar, com ternura, e recoloca-la no bom caminho.  Mas se estiver deslumbrado com a sua beleza e fraquejar, então, minha filha, o pretenso amor do casal durará o tempo desse deslumbramento.

            Pode acontecer que o egocentrismo exagerado corrompa até o sentimento materno de uma esposa em tais condições. A ela pouco importará que os filhos estejam bem ou não, que se vistam convenientemente ou que andem sujos e quase desnudos. Ela cuida de si, apenas de si, deixando as crianças entregues a empregadas nem sempre pacientes e dedicadas.

            Enquanto isso, a rosa ostenta suas pétalas maravilhosas e exala extasiante perfume. Todos se encantam com a sua beleza e com o seu odor. Ela própria vive num mundo diferente, num mundo que é somente seu, porque se constitui exclusivamente de si mesma.

            Essa, minha querida neta, é a primeira parte da história.

            Tens mais, vovô?

            - Sim. É o mais importante também.

 ***

           - Já conversei contigo muitas vezes sobre pontos da Doutrina Espírita.

            - E eu gosto muito quando falas dela, vovô.

            - Então, ouve. Como sabes, somos Espíritos de passagem pela Terra, ainda em fase de aprendizado. Vimos do mundo espiritual para o mundo terreno; depois, saímos do mundo espiritual para o mundo terreno; depois, saímos do mundo terreno e voltamos para o mundo espiritual, para, de novo, retornar à Terra. Essas idas e vindas estão reguladas por leis muito sábias e corretivas, a mais importante das quais é a denominada “Lei de Causa e Efeito”, que alguns dizem “Lei do Retorno” e os orientais chamam “Carma”. Segundo essa lei, o nosso destino (deves entender “destino” como “futuro”) depende principalmente da nossa maneira de pensar e agir em todos os instantes da existência.

            Aquela criatura que se fez centro de gravitação universal, que somente pensa em si, que se tornou vítima de mórbido narcisismo, não resistirá à ação do Tempo. Quando, tal qual a rosa bonita que colhemos no jardim, a sua beleza começar a declinar, como a flor se irá despetalando, irremissivelmente, então ela verá, em torno de sua alma, não o vácuo, porque o vácuo não existe, mas entidades que lhe parecerão estranhas e incômodas. Depois que a rosa desaparece, o que dela fica é apenas a haste nua, eriçada de espinhos. Não há rosas sem acúleos perigosos, como não há vida sem problemas e preocupações sérias. Todavia, o destino da rosa é aquele: embelezar a Natureza que a criou e ceder sua vez a outras rosas para que se cumpra a sua finalidade.

            A mulher, entretanto, pode engrandecer-se, crescer, ganhar louvores por seu amor desinteressado e fecundo. Pode ser bela sem ser inútil. Pode cuidar de sua beleza sem olvidar as obrigações naturais da sua função na vida familiar e social. Se busca refúgio no culto à Espiritualidade, eleva-se, purifica-se, diviniza-se, principalmente quando ingressa na maternidade e se desvela pelos filhos e pelo esposo, encontrando ainda oportunidade para fazer algo de bom por seus semelhantes. Então, será uma rosa sem espinhos, cujo perfume se embalsamará com as bênçãos do Alto, e sua beleza, em vez de ser um tropeço, será um estímulo ao Bem, uma atração benéfica e redentora.   

            A netinha apertou mais o braço do vovô e o instigou:

            - Conta mais, conta, vovô.

            - Ainda não acabei. Aquela mulher bonita, que só vivia para sua beleza, começou a sofrer quando percebeu que de nada adiantavam os tratamentos a que se submetia para retardar os insultos da velhice que se aproximava. As rugas começaram a marcar lhe o rosto belo: o olhar foi perdendo aquele viço singular. Ela, então, redobrou em cuidados com a sua pessoa. Os filhos continuavam crescendo sem a sua assistência permanente, deseducados, hostis e inconvenientes. Seu lar, que era suportável enquanto eles eram pequenos, já mostrava uma diferença sensível para pior. Os filhos não tinham disciplina, eram exigentes e malcriados. Não respeitavam o pai nem a mãe e às vezes até, no auge de discussões inúteis, a destratavam. A rosa ia perdendo as pétalas e os espinhos se tornavam mais presentes do que nunca.

            Então, ela começou a pensar um pouco mais claramente. Abdicara há muito tempo do domínio do lar, porque nele quase não permanecia e, mesmo quando se achava presente, era como se estivesse longe, muito longe, omissa, alheia ao que se passava, ao que faziam os filhos, ao que se passava, ao que faziam os filhos, ao que acontecia com os filhos.

            Certa noite, indisposta, perguntou a si mesma porque tinha filhos tão ingratos. E uma voz lhe chegou aos ouvidos.  

            - A ingratidão não é dos teus filhos, mas de ti. Segundo a Lei, todos colhem o que semeiam. Todavia, lembra-te do Evangelho. Lá está escrito: “Bem-aventurados os que choram, pois que serão consolados.” Ainda terás muito tempo diante de ti. Aproveita-o corajosamente para o resgate de teus erros. Ninguém te libertará dos sofrimentos que te esperam, mas está em ti transformar esses sofrimentos em degraus para a reabilitação.

            Suas lágrimas se multiplicaram. Chorou compulsivamente. Foi quando novamente pareceu ouvir uma voz impressionantemente nítida que lhe dizia:

            - Será muito difícil, agora, retomares a autoridade que perdeste sobre os teus filhos. Eles são o que o teu descaso criou. Foram modelados conforme a tua indiferença por eles. O dever da mãe é sagrado. Nenhuma mulher é mãe apenas por imposição biológica. Cada uma traz um compromisso sério. Tem que educar e orientar os seres que põe no mundo. Nada é mais sério do que isso. Negligenciaste, presa da vaidade. Agora, que deverias ter em torno de si o carinho e a solicitude dos filhos, encontras neles frieza e alheamento. Fazem contigo o que com eles fizeste. É a lei de “Causa e Efeito” em pleno vigor.

            Entretanto, deves reagir e provar que estás disposto a ressarcir, desde já, os débitos que contraíste com a vida terrena e com a Lei. Se o fizeres, sem desânimo nem desespero, mas com humildade e convicção, transformarás os espinhos que agora te ferem em rosas ainda mais belas e perfumosas, porque terão as bênçãos do Alto. Chora, mulher! Tira o peso do teu coração arrependido! Faze, porém, que essas lágrimas adubem o roseiral da tua redenção, para que possas merecer a consolação anunciada no Evangelho!

***

            Voltando-se para a netinha, observou o vovô:

            - Que tens menina? Ficaste emocionada? Não chores. Vou te contar o fim da história.

            Essa mulher, que em sua mocidade fora tão fútil e vaidosa, compreendeu o erro praticado. Suportou estoicamente mil agonias criadas pelos filhos. Pode, no entanto, recuperá-los também. Eles, submetidos a atenções que nuca haviam tido, experimentaram uma mudança salutar. Quando a mamãe, velhinha e já vovó, fechou os olhos materiais e despertou para a vida na Espiritualidade, estava cercada de todos os filhos e netos. O que ela não fizera com aqueles, quando pequenos, pudera realizar com estes últimos. E o efeito do seu trabalho, cheio de amor e sacrifício, reconquistou para ela a ternura dos filhos. Todos eles, contritos, cercava, o seu leito de agonia, cheios de cuidados com o corpo frio e inanimado, e seu Espírito, liberto da carne, se rejubilava, confortando-os. A luz dos círios fora ofuscada pela aura brilhante que envolvia aquele Espírito redimido...

            Bem-aventurados os que choram, pois que serão consolados.”


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