Pesquisar este blog

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Apologia da Dor

 

Apologia da Dor

M. A.

Reformador (FEB) Maio 1919

 A dor, como tudo quanto eleva o sentimento da humanidade, é o maior bem do mundo.

Na ordem natural das coisas nenhum ser vivente pode se eximir desse legado, que é como uma perene dádiva para todos dentro de todos os séculos. Ela é a alma do universo.

A vida não se analisa pelo conjunto de prazeres que a cercam, mas sim pela eterna cadeia de dores que a assistem. Tudo quanto empolga o espírito do homem está sob o império da dor: glórias, esperanças, sonhos, amores e venturas, e quanto essa tétrica imagem nos beija a fronte é porque estamos na plenitude da verdade terrena.

A fantasia enganadora nos embriaga com sua voluptuosidade, fazendo-nos esquecer a existência da dor; entretanto, ela nos segue, nos alcança, nos assedia e, por fim, nos vence, porque tem poder para tudo, é superior a tudo.

Por duas formas distintas ela acabrunha nossa alma: a dor física, que é material, e a dor moral, que é a dor oculta, de origem misteriosa, para alguns.

Para a dor moral a alma está sempre no presente, porque o homem vive no presente, enquanto que para a dor física, por maior que ela seja no momento, com o decorrer do tempo, se não a esquecemos totalmente, apenas guardaremos vaga lembrança. É bem certo que o passado tem o poder de dilatar e esmaecer as visões da vida, mas esse poder nem sempre se exerce nas dores morais. A dor oculta é anelo, é virtude, é sacrifício, em suma, é a suprema fé da alma, o infinito bem de tudo.

Sentir, chorar, gemer é a eterna verdade em que a humanidade se engrandece e se purifica.

A dor tem fortalecido os povos, formado as ações, embelezado as coisas e aperfeiçoado os seres.

Amar a dor é próprio das almas fortes que se mantém na perfeita razão de ser das coisas. Os que querem, os que amam, os que sentem, os que compreendem trazem em seu ser a chama de todas as virtudes, nasceram no sofrimento que levanta, que embriaga de esperança.

Os que temem a dor moral, originárias das grandes coisas, temem a morte e os que temem a morte não merecem gozar a vida.   

Nas grandes alegrias há loucura e nas grandes dores consolo. Nem todo o prazer é puro, mas toda a dor é grandeza; naquele há os gozos desenfreados e nesta as grandes ações que embelezam o mundo por terem surgido dos pesares que atormentam o homem.

A dor que constitui o inferno da vida é a dor da ambição, do egoísmo, do desejo, da vaidade, que a tudo envilece, a tudo avassala, porque tudo exige e tudo quer.

A dor é sabedoria, é a grande inspiração.

Cristo foi o único ser que sobre a Terra deu o maior exemplo de resignação diante da dor.

As dores físicas da humanidade nada valem em comparação com a grande dor moral que ele sentiu vendo a corrupção do mundo e os instintos cegos em que estava submergida a espécie humana, sob a aterradora ignorância daqueles séculos tenebrosos.

As palavras evangélicas oferecem à dor da morte uma só doutrina: a ressureição de Cristo.

Para mim, ela é o prelúdio, o começo de uma estrada nova, e esplendida, por onde vai a vida do espírito à sua eterna felicidade.


Nenhum comentário:

Postar um comentário