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domingo, 15 de dezembro de 2019

Religião e saúde mental



Religião e higiene mental
José Andreucci
Reformador (FEB) Dezembro 1954

            Deve a religião ser incluída entre as diversas causas da loucura classificadas pela moderna psiquiatria? Eis uma questão que tem apaixonado os homens, pois, desde épocas remotas, tem sido a religião acusada de causar alucinações e outras formas de moléstias mentais.

            São bastante conhecidas, por exemplo, as cenas dantescas que tiveram por cenário o Cemitério de Saint- Médard, Da França, onde as romarias ao túmulo do padre François de Paris eram integradas por fanáticos que se entregavam a toda sorte de atos somente praticados por alienados mentais. E, aqui no Brasil, já se tornaram clássicas em psiquiatria as citações de coletividades fanatizadas pelas idéias mórbidas de lideres religiosos e que levaram o misticismo até às raias da loucura, como os casos de Juazeiro com o Padre Cicero, de Canudos com Antônio Conselheiro, e de Pedra Bonita, apenas para citar os conhecidos.

            Todavia, do lado oposto daqueles que se limitam a acusar, coloca-se um grupo de abnegados pensadores e homens de ciência, tendo à frente o sábio lionês Hippolyte Léon Denizard Rivaíl, que afirmam ser a religião fonte de cura de muitas formas de doenças mentais. E o conhecido psiquiatra norte-americano Dr. CarI A. Wickland, por exemplo, pondo em prática aqueles postulados, há mais de trinta anos vem tratando os insanos mentais no sanatório que dirige pelo processo espírita, obtendo com essa psicoterapia transcendente ótima percentagem de curas.

            Os fenômenos psíquicos estão estreitamente ligados às indagações da medicina, e seu estudo, sem ideias preconcebidas, livre da influência de dogmas e preconceitos de qualquer natureza, deveria ser preocupação de todo médico, pois, apesar de materialista, a Medicina reconhece que "em qualquer doença, cada vez se sente mais a influência do fator psíquico".

            Essa luta, entre o espiritualismo e o materialismo vem de distantes eras; muitos sábios foram reduzidos a cinzas só por não concordarem com o ritual da Medicina quando esta era puramente espiritualista. Hoje, a Medicina, essencialmente materialista, não deve cometer o mesmo erro, queimando com o fogo da ironia aqueles que investigam as regiões do Espírito.

            A ciência oficial, sem alma, afirmando ser o espírito simples produto do mecanismo anátomo-fisiológico, não pode sair do terreno em que se confinou para estudar fenômenos que escapam a seus métodos de investigação. Diz o psiquiatra Dr. Brasílio Marcondes Machado a esse respeito: “A psiquiatria, materialista, é como um barco sem leme e sem âncora, ao sabor das ondas..., das teorias, das classificações que se avolumam, que se chocam e que se esvaem.”

            E certas religiões, embora aceitem a existência do espírito como entidade distinta da matéria, somente se dignam discutir suas manifestações se interpretadas de acordo com suas próprias doutrinas!

            E com essa atitude, não mais de acordo com os anseios do homem atual que, no campo do psiquismo, tem sempre sede de novos conhecimentos, tanto a ciência como tais religiões se colocam em posição hostil e atrasam a marcha de pesquisas feitas por verdadeiros sábios, lídimos representantes dessa mesma ciência que os hostiliza.

            Enfim, trata-se de saber como e quando a religião pode influir na mente do indivíduo no sentido de beneficiá-la ou de compromete-la ainda mais. Eis a questão!

            Os psiquiatras não comprovaram cientificamente um caso sequer de alienação mental cuja causa tenha sido a prática de qualquer religião. Os que se especializaram na classificação das causas da loucura, como Morselli, Régis, Krafft Ebing e outros mestres, não incluíram a religião entre os diversos grupos de moléstias mentais. Esses especialistas são unânimes em afirmar que toda e qualquer preocupação de ordem religiosa pode contribuir como causa na agravação do mal, quando este já existe. Diz o Dr. Inácio Ferreira, diretor médico do Sanatório de Uberaba: “Se o indivíduo é mioprágico, tanto está sujeito a sentir a eclosão do seu mal no Espiritismo como no Catolicismo, Protestantismo, Macumba, Candomblés, etc., e não faltam provas freqüentes.”

            Em última análise, baseados em nossas observações e na experiência dos que se especializaram na matéria, podemos afirmar que qualquer crença religiosa pode contribuir para agravar o mal do indivíduo que procura em suas práticas, muitas vezes sem compreendê-las, a tábua de salvação para a sua mente perturbada, perturbação que teve origem nas intoxicações, nos excessos e transgressões de toda ordem, ou na luta pela vida cheia de reveses e tribulações, ou, ainda, na insegurança e no medo especialmente quando gerados pela guerra, com todo o seu cortejo sinistro de misérias!

            Os peritos da "Organização Mundial de Saúde", reunidos em Genebra, chegaram à conclusão de que os problemas de saúde mental se tornam cada vez mais prementes no mundo de hoje e que em países da Europa ocidental e na Norte América, 40% dos leitos de hospital são ocupados por casos mentais, oriundos, dizem, “do crescente desenvolvimento econômico e da urbanização cada vez maior.”

            Concluindo, achamos que a religião pode influir de forma benéfica na mente do indivíduo desde que ela o convença de que todos os males que afligem a Humanidade são a consequência fatal do atraso espiritual do homem. Todos esses males podem ser aliviados, até desaparecerem um dia, quando os homens conhecerem, através da religião, o verdadeiro sentido da vida, o porquê da vida e sentirem a sua origem divina, amando-se como irmãos.          

            Entretanto, para que isso aconteça e sua ação seja benéfica à saúde mental do indivíduo, é preciso que a religião seja aceita conscientemente, sem nenhuma forma de constrangimento.

            Nenhum benefício trará ao indivíduo uma religião imposta. Disto somente resultará um revoltado ou então, um indiferente que seguirá suas práticas exteriores pela força do hábito, como segue outros atos da vida social.  Não encontramos exemplos, na História, de povos que tenham evoluído espiritualmente em consequência da opressão de qualquer poder religioso.

            A crença religiosa, em sua essência, é patrimônio inalienável do Espírito, acompanha sua evolução e não deve estar limitada por convenções humanas.
(Extraído de “O Semeador”.)


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