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domingo, 1 de dezembro de 2019

Cristo, Kardec e o ensino espiritual



Cristo, Kardec e o ensino espiritual
José Carlos da Silva Silveira
Reformador (FEB) Dezembro 1976

            Nos tempos que correm, marcados por acentuadas transformações nos diversos setores da atividade humana, particularmente na área da ciência da educação, parece-nos oportuno recordar a figura excelsa do Cristo destacando-lhe as qualidades de pedagogo nato, cujos métodos de ensino se mantêm atuais ante as mais recentes conquistas da Pedagogia.

            Sabe-se que um dos fundamentos da Pedagogia hodierna a tese de que a aprendizagem se baseia num “esquema de assimilação” já existente no indivíduo. Assim, uma verdade nova, para ser adquirida, tem que se apoiar numa experiência anterior da criatura.

            Ora, folheando os Evangelhos, vamos encontrar o Divino Mestre apropriando suas palavras ao tipo de vida dos ouvintes. Dessarte, fala aos camponeses, aos vinhateiros, aos pescadores, aos comerciantes, aos agricultores, procurando graduar seus ensinamentos pela capacidade de apreensão do público. Utiliza-se para isso, de comparação, recurso intuitivo que pressupõe uma experiência anterior do aprendiz. Vemo-lo, dessa forma. É a ensinar por parábolas. É o “semeador que saiu a semear seu campo”; a rede “que foi lançada ao mar e apanhou peixes de toda a espécie”; é a parábola do credor incompassivo, a dos lavradores maus, a dos servos inúteis; é o “homem que tinha uma figueira plantada na sua vinha, e foi buscar fruto nela mas não o achou”; é a parábola do fariseu e do publicano, e assim por diante.

            Entretanto, Jesus, em seu magistério, não usa apenas do recurso da comparação. Lança, a todo instante, verdadeira situações-problema aos ouvintes, estimulando-os a pensar, como preconiza a mais moderna Pedagogia, “Qual, pois, desses três te parece foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores?” (parábola do bom samaritano). “Quando, pois, vier o senhor da vinha, que fará àqueles lavradores?” (parábola dos lavradores maus). “E vós, (Simão), quem dizeis que eu sou?” “De onde era o batismo de João, do Céu ou da Terra?”

            Jesus procura sempre dialogar com o público. Suas palavras e atitudes provocam, frequentemente, indagações da parte dos discípulos e até discussões (a técnica moderna de aprendizagem em grupo), Não raro, instiga os doutores a abrirem as escrituras: “Que é que está escrito na lei?" (técnica de pesquisa). Seu objetivo maior é fazer que os outros cheguem a conclusões próprias, através do raciocínio. “Ouça quem tiver ouvidos de ouvir”. É o desafio que permanece até os dias de hoje.

            Como se vê, o avanço que se nota, atualmente, na ciência da educação, nada mais é do que um início possível de retorno à metodologia aplicada por Jesus, na divulgação da Boa Nova. (1)

            (1) É claro, todavia, que estamos cientes de que o próprio Messias, podendo ter dito muito mais, deu-nos uma lição velada de que as épocas necessitam de métodos e técnicas relativas às próprias condições, a fim de que o ensinamento não se perca.

            A propósito, cumpre ressaltar que o Codificador da Doutrina Espírita não se manteve estranho ao processo pedagógico usado peto Cristo para o ensino da Boa Nova. Tanto assim é que a metodologia empregada por Kardec para disseminação do Espiritismo é a mesma adotada pelo Cristo nos Evangelhos, resultando daí a atualidade da Doutrina, também no setor pedagógico.

            O livro dos Espíritos, por exemplo, é fonte inesgotável de situações-problema. O diálogo, as comparações são recursos utilizados em toda obra kardequiana. A Codificação foi surgindo, paulatinamente, da pesquisa e se fundamentou no preceito basilar da “fé raciocinada", que é incentivo constante ao desenvolvimento da razão.

            Por outro lado, discípulo de Pestalozzi - o inolvidável educador - Kardec soube muito bem impregnar a sua obra daquele profundo respeito à liberdade humana, que era, também, o objetivo maior da educação concedida às crianças, nos institutos de Berthoud e de Yverdon, pelo mestre. A propósito, em seu ensaio “Sur l'éducation Elémentaire”, escreveria Pestalozzi:

            “O educador impede-se de querer extirpar qualquer coisa que constitua a natureza de seu aluno, para não se arriscar a arrancar trigo juntamente com o joio (...). Livre de qualquer pretensão, dentro de um espírito de modéstia e devotamento, serve respeitosamente, contente com seu humilde papel de instrumento da ação divina; assim como um padre, mediador entre a criança e a vida." (Grifo do original).”

            Assim ensinou Jesus. Assim procedeu Kardec. Os preceitos contidos nos Evangelhos, os ensinamentos da Doutrina Espírita são difundidos à Humanidade através do apelo ao raciocínio e aos sentimentos do ser humano. Não são Impostos ao homem e sim construídos por este, partindo da sua motivação intrínseca, como quer a Pedagogia contemporânea.

            Jean Piaget, um dos maiores psicólogos de nossos dias, cujas ideias têm contribuído, sensivelmente, para a cristianização do processo educativo, assim se expressa em sua obra "Para onde vai a Educação" - recentemente lançada -, ao tratar do direito à educação moral:

            “Todos reconhecerão desde logo, até certo ponto, o papel formador da educação moral em oposição às tendências simplesmente hereditárias. Porém aqui, mais uma vez, e segundo um paralelismo que a análise torna sempre mais mercante, entre a formação moral e a formação intelectual do indivíduo, insere-se a questão de saber se a contribuição exterior que se espera da educação, para completar e informar as disposições individuais, congênitas ou adquiridas, pode ficar limitada a uma simples transmissão de regras e conhecimentos já elaborados. Tratar-se-ia, no caso, de impor determinados deveres e determinada obediência, paralelamente a obrigação intelectual de reter e repetir determinadas “lições”, ou o direito à educação moral implicaria, tal como o direito à formação do raciocínio em um direito de construir realmente, ou pelo menos participar da elaboração da disciplina que irá reger aqueles mesmos que houveram colaborado para a sua constituição? Existe, portanto, em matéria de educação moral, um problema de autogoverno, paralelo àquele de auto formação do raciocínio no interior de uma coletividade de pesquisa. Convém, em todo caso, ressaltar, de saída, que o direito à educação intelectual e moral implica algo mais que uma obrigação a cumprir: trata-se de um direito a forjar determinado instrumentos espirituais, mais preciosos que quaisquer outros, e cuja construção requer uma ambiência social específica, constituída não apenas de submissão.”

            Com efeito, aproxima-se o terceiro milênio. Nota-se lhe a chegada, não apenas pelo simples perpassar dos séculos, mas, principalmente, pela efervescência das ideias, já agora sacudidas pela germinação da semente caindo na terra fértil de inteligências de escol. Acentua-se a claridade divina que libertará a mente humana dos erros seculares do materialismo pragmatista.  A ciência começa a vislumbrar a luz que a despertará para Deus. Os homens serão mais felizes pois as crianças se educarão sob o embalo das cantigas eternas do Evangelho. Que Jesus nos oriente, a nós espíritas, nesses instantes da afirmação da fé. Com os olhos fitos no futuro, inspirados no Cristo e na obra do Codificador possamos também nós, cheios de amor e confiança no Pai, repetir, com o Mestre, o apelo milenar: "Deixai vir a mim as criancinhas porque delas é o reino dos céus”.


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