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terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Belo ideal


Belo ideal
Camilo Silva
Reformador (FEB) Janeiro 1940

A célebre frase: errare humanum est tem lata aplicação a tudo o que se refere ao gênero humano, pois, não podemos estender o olhar a qualquer ponto do horizonte terreno, nem perscrutar as páginas da história de qualquer época do mundo, sem que vejamos confirmada essa triste e desconsoladora realidade, isto é, o patrimônio de trevosa ignorância, a passar de geração em geração, causando todas as desgraças e as mais horríveis decepções.

Nem assim, porém, a empedernida criatura planetária procura fugir-lhe.

Entretanto, uma só palavra tudo explica claramente - o orgulho, o fator principal dos males que achacam a humanidade. E, se dentro da prolongada noite escura que tem amortalhado o nosso orbe, aparece, como de fato tem aparecido em todos os séculos, desde os mais remotos, algum luzeiro, esforçando-se por espargir as suas centelhas pelo ambiente que a Providencia lhe permite ou determina abranger, logo mil e um obstáculos lhe surgem, inúmeros tropeços lhe são colocados no caminho, tentando impedir-lhe a ação beneficente, a marcha gloriosa, em demanda do objetivo que a sua missão lhe aponta: - a felicidade de seus semelhantes!

Orgulho! Como é difícil ao homem terreno abandonar, ou, antes, despojar-se dessa capa tétrica, tecida de fios coloridos, oriundos de uma planta que nenhum agrônomo ainda pode descobrir em qualquer campo, ou floresta, nem, tampouco, químico algum, mesmo dos mais exímios, conseguiu descobrir, no seu laboratório, em qualquer das substâncias, que manuseia, como capaz de compor essa roupagem de aspecto bizarro, que apresenta prismas diferentes, conforme a vontade ou o caráter de seu possuidor, em todos os atos de sua existência. O químico que descobrisse tal essência ganharia, por certo, todos os lauréis e o agricultor que encontrasse aquela fibra seria indubitavelmente aquinhoado com uma soma, em dinheiro, mais vultosa, do que aquele que descobre minas em suas propriedades!     

Sim, é difícil, porque essa vestimenta não nasce na terra, como, talvez, haja quem julgue. Ela tem sua origem no próprio espírito, que a foi tecendo, insensível e lentamente, por atos e pensamentos injustos, por infrações à Lei Divina, devido a se julgar o que não é e a se considerar o único fator de tudo quanto tem conseguido adquirir, em conhecimentos ou apropriações, sem admitir, apesar de advertido por outras entidades ou por guias espirituais, que tudo quanto de bom, de belo e de útil obtemos, devemo-lo sobretudo à clemencia e onipotência do nosso Criador e Pai - Deus!

Custar-nos-á muito despojar-nos dessa horrenda roupagem, porque ela não envolve unicamente a parte exterior da nossa personalidade, mas, todos os tecidos e filamentos do nosso ego real - a alma - pois que não só reveste, como, penetra todo o
nosso ser.

Assim, com justa razão, o grande Padre Germano, nas suas excelentes "Memórias", exclama: - "Os prejuízos de cem séculos não se despem num só dia".

É curioso observar, nos homens, o cuidado, a atenção, o carinho e o devotamento que prestam a esse dragão infernal -o orgulho! Orgulho, que todos alimentam com a presunção e adornam com a vaidade, sem compreenderem que estão nutrindo uma fera, que, mais cedo ou mais tarde, os maltratará ou devorará sem piedade, fazendo--os sofrer- a maior das decepções e a mais tremenda das desilusões, que é o tempo perdido, o aviltamento do caráter. Oh! como somos insensatos! Entretanto, o oposto, a humildade, quase a ninguém parece interessar! Há criaturas que pensam ser esta virtude uma espécie de mendiga, que nos deprime e envergonha, se a conduzimos conosco, ou lhe vestimos o traje... É grave erro pensar assim. A humildade (não a humilhação) é, ao contrário, uma joia de tão alto preço, que é bem possível não se encontre na terra criatura alguma, por mais inteligente que pareça, capaz de lhe estipular o valor real. É que nós, pobres pigmeus, com os olhos muito próximos do solo, cheios de poeira da estrada que palmilhamos, poucas vezes os dirigimos para o Alto, buscando compreender que pertencemos ao infinito. Deixamo-nos facilmente iludir pelas aparências: aí o nosso erro, daí o nosso fracasso.

Entretanto, quer no campo da ciência, quer no da virtude, os maiores vultos que deixaram pegadas luminosas no mundo estavam saturados de humildade. Krishna, na Índia, espelhando o ensino da imortalidade; Confúcio, na China, fundador de uma religião e de um ideal elevado; Sócrates e Platão, na Grécia, pregando as reencarnações como purificadoras do espírito: todos eles e ainda outros, muito antes do Cristo, assim se mostravam. Depois, os doutros ramos: Galileu, na Itália: Kepler e Goethe, na Alemanha; Flammarion e Victor Hugo, na França; assim como Kardec, cientista e codificador do Espiritismo, não esquecendo Roustaing, compilador da magistral obra: "Os quatro "Evangelhos", ou "Revelação da Revelação"; W. Crookes, na Inglaterra. Na poesia: Camões e Junqueiro, em Portugal. Na aviação, Santos Dumont; na ciência, na literatura e na verdadeira filosofia; Bezerra de Menezes e Bittencourt Sampaio, no Brasil. Todos estes e outros mais, foram, pela humildade, estoicos e persistentes no triunfo dos seus ideais. O que, por mercê e graça do Onipotente, comprova de modo inconteste que até aos planetas de treva e maldade, como a Terra, descem verdadeiros gênios do saber e da virtude, para destruírem os tropeços e prejuízos oriundos do orgulho, que tem entravado o progresso moral das criaturas.

Deixamos para o término do nosso modesto artigo o vulto excelso de Jesus, o maior expoente do saber e do amor, que à Terra baixou há quase vinte séculos.

Todo o esplendor da humildade nos apresentou aquele Espírito sublime, nos seus exemplos e ensinamentos prodigiosos e dignificantes, que começaram pelo seu aparecimento num curral escuro de animais domésticos, para finalizar, 33 anos depois, crucificado numa cruz entre dois delinquentes, quando só o bem havia feito a todos os necessitados! A humildade - disseram os Apóstolos e Evangelistas a Roustaing - é uma luz que tudo esclarece; o orgulho, uma treva que tudo obscurece. Seja, pois, a humildade o nosso mais belo ideal.

Humildade, palavra santa! fonte única de todas as virtudes. Sentindo-me pesaroso por ainda te não possuir, eu, profundamente contrito, curvo os joelhos em espírito ante o esplendor de teu fulgor radiante, almejando que tuas centelhas possam ser lançadas por toda a face da terra, afim de que as criaturas, envoltas nas trevas do orgulho, consigam fugir a essa horrível noite e, saturando-se de tua divina essência, ver e sentir, em todos os seres e em todas as criações, a encantadora harmonia do universo, ao som da harpa maravilhosa do Evangelho em espírito, com que o mavioso cantor, Jesus, inebriando-nos de suas melodias, nos arrebata os espíritos nas asas cândidas da prece, em direção a regiões mais altas e mais puras, de onde poderemos contemplar o surpreendente panorama da natureza, glorificando a grandeza de seu autor - Deus!



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