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domingo, 3 de dezembro de 2017

Planos superpostos


Planos Superpostos
Arnaldo S. Thiago
Reformador (FEB) Janeiro 1941

A lei do progresso é inelutável.

As camadas geológicas se superpõem no curso dos séculos. Se é duvidoso encontrar-se no arqueano um traço primitivo de vida, absurdo não será procurar-se no paleozoico um organismo animal, os restos fósseis de uma árvore que já estivesse enfeitada de flores.

Também o progresso moral se faz gradativamente. Do salteador de estrada ao santo de Assis há toda uma sucessão de degraus a ascender, na torrente dos séculos.

O decálogo nos veio, quando o espírito humano começava apenas a entrever, ainda configurada em férteis pastagens e rios de mel, a Terra da Promissão. Contudo, é um código de moral absoluta, sendo eternos os seus princípios, como eterna é a divina lei do Amor em que se baseia o mesmo decálogo. Constitui a Lei indiscutível, inflexível para as sociedades humanas. Quem quiser ter vida feliz deve submeter-se a esse código.

A advertência que Jesus fez ao mancebo rico enquadrava-se no primeiro mandamento do Decálogo. Entretanto, o mancebo estava convencido de que em toda a sua vida outra coisa não fizera senão cumprir à risca todos os mandamentos. Como se compreende, então, que Jesus não lhe houvesse contestado a declaração, mas apenas advertido de que, para segui-lo, devia vender, primeiro, tudo o que possuía e distribuí-la entre os pobres?

Será, então, que a própria Lei Divina esteja sujeita ao critério da elasticidade, como as leis humanas?

Certamente que não. Apenas, o que se dava era que o mancebo supunha honestamente estar cumprindo a Lei - embora infringindo-a - e Jesus, que lhe reconheceu a honestidade intencional e, portanto, a dificuldade de compreender de outra forma o decálogo, ofereceu-lhe, naquela advertência, uma interpretação mais elevada do primeiro mandamento, sem uma referência expressa a este - o que seria de ordem secundária para o objetivo que o Mestre tinha em mente - e que não era comprometer a relativa felicidade honestamente desfrutada pelo mancebo rico, felicidade decorrente da sua ingênua certeza de que cumpria integralmente a Lei, mas tão só induzi-lo a um modo de viver compatível com o desejo, que nutria, de seguir o Mestre, isto é, de ascender na escala do progresso.

A lição é eloquente e mostra até que ponto chega o delicadíssimo respeito que Jesus vota ao livre arbítrio dos seus irmãos mais moços, ou, seja, das ovelhinhas que o Pai lhe confiou.

Pode, portanto, cada um ser feliz ao seu modo, desde que honestamente pratique o decálogo segundo a interpretação compatível com o seu grau de discernimento.

A questão está em praticá-lo honestamente, embora errado. Agora, o que não pôde dar felicidade é o erro consciente. E nisto é que consiste o pecado: na infração consciente da Lei.

Não há, portanto, elasticidade na Lex legum; o que há são estados conscienciais mais elevados e menos elevados.

Por isso, Jesus disse aos apedrejadores da adúltera: "Quem estiver sem pecado atire a primeira pedra". E ele, que o estava, longe de atirar-lhe essa primeira pedra, levanta-a carinhosamente, aconselhando-a: "Vai e não peques mais".

Mestre, concede-nos o teu divino perdão, tanto por causa das nossas próprias faltas. como por causa da intolerância que muitas vezes revelamos com relação às faltas dos nossos irmãos!


Aos que sabem interpretar a Lei e a infringem conscientemente - para estes, sobretudo, Mestre, a tua misericórdia!

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