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sábado, 26 de dezembro de 2020

Teologia e Gramática

 


Teologia e Gramática

por Rodolfo Calligaris     Reformador (FEB) Dezembro 1963

             Ensinam as Teologias de quase todas as religiões cristãs que o destino dos homens considerados maus, isto é, que cometeram faltas graves e não se arrependeram, ou não tiveram tempo de repará-las, é ser condenado às penas do inferno, por toda a eternidade.

            São citados, em apoio dessa doutrina teologal, vários textos das Escrituras Sagradas. como, p. ex., os seguintes:

            “Qualquer que, sem motivo, se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; qualquer que disser a seu irmão: Raca, será réu do Sinédrio; e qualquer que disser: Louco, será réu do fogo do inferno.” (Mat., 4:22)

            “E se o teu pé te escandaliza, corta-o; melhor te é entrar na vida eterna coxo, do que, tendo dois pés, ser lançado no fogo do inferno, que nunca jamais se apaga.” (Mar., 9:44)

            “Então dirá também aos que hão de estar à esquerda: Apartei-vos de mim, malditos, para o fogo eterno que está aparelhado para o diabo e para os seus anjos." (Mat, 25:41)

            Há, de fato, aí, referências ao “fogo do inferno, que nunca jamais se apaga”, parecendo que a monstruosa doutrina das penas eternas tenha sido sancionada pelo Cristo.

            Em verdade, porém, as citadas palavras do Mestre não têm o sentido que a Teologia lhes emprestou. E quem vai provar-nos isso é a Gramática.

            A regência, parte da sintaxe que estuda a dependência existente entre os elementos de uma frase, oração ou sentença, nos explica que elas mudam completamente de sentido conforme a posição dos complementos junto aos termos regentes. Assim, “preciso muito de dinheiro” tem significação diversa de “preciso de muito dinheiro”; “só quero dormir” é coisa bem diferente de “quero dormir só”.

            Analogamente, “ser lançado no fogo eterno” não é o mesmo que “ser condenado eternamente ao fogo do inferno”. Faze-la crer, é um sofisma grosseiro que qualquer colegial, com elementares conhecimentos gramaticais, saberá refutar com facilidade.

            O adjetivo “eterno” e a expressão equivalente “que nunca se apaga”, nos textos em análise, como em quaisquer outros que possam ser invocados, sempre se relacionam com fogo, e nunca com pena ou castigo.

            Logo, o que é eterno (ou de duração indefinida) é o processo purgatorial e não a pena de cada indivíduo, em particular.

            Compreende-se: como as almas são criadas incessantemente (e elas são criadas simples e ignorantes, sujeitas, portanto, ao erro), sempre haverá necessidade do fogo das expiações e das provas, para que se purifiquem e se aperfeiçoem, mas que elas possam ser condenadas a suplício eterno, isso é que não!

            Ao contrário, inúmeras são as afirmações contidas tanto no Velho como no Novo Testamento que invalidam, peremptoriamente, a doutrina das penas eternas.

            Entre muitas outras, eis algumas:

             “A ira de Deus dura um momento só, mas a sua benignidade é eterna." (Salmo 29)

            “Eu não quero a morte do ímpio, mas sim que ele se converta e viva." (Ezeq. 33;11)

            “O Senhor não retém a Sua ira para sempre, porque tem prazer na benignidade.” (Miq. 7;18)

            “Deus não enviou Seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele." (João, 3:17)

            “Deus quer que todos os homens se salvem e cheguem a ter conhecimento da verdade.” (Paulo, I Tim., 2:4)

            “O Senhor espera com paciência por amor de vós, não querendo que nenhum pereça, mas que todos se convertam à penitência." (II Pedro, 3:9)

             Talvez se diga que o dogma das penas eternas seja um freio e que, se o homem deixar de dar-lhe crédito, entregar-se-á a todos os excessos e desatinos.

            Puro engano. O temor do castigo é tanto maior quanto mais convicção se tenha quanto à sua aplicabilidade; essa convicção, por sua vez, será tanto mais profunda quanto mais racional a procedência do castigo. Uma penalidade em que não se creia não pode ser um freio, e a eternidade das penas está nesse caso.

            É possível que tal ideia houvesse sido útil em outras épocas; hoje, porém, que as inteligências se acham mais desenvolvidas, só tem servido para gerar a incredulidade, o materialismo e a indiferença religiosa, que são os piores males do século.


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