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domingo, 27 de dezembro de 2020

Conceito de liberdade

 

Conceito de Liberdade  

por Indalício Mendes    Reformador (FEB) Agosto 1963

             A maior aspiração do homem é a liberdade. Todos lutam por ela, todos se sacrificam até à morte, para alcançar o bem que é ser livre. Todavia, imprescindível se torna compreender que a liberdade é sempre relativa, sem o que não será útil. Quando transpõe o limite da relatividade, torna-se perniciosa e constitui perigo.

            A Natureza nos ensina não existir liberdade absoluta. A prudência, o senso de oportunidade, a luta pela sobrevivência, a educação e outras formas de preparação do homem para resistir à destruição que o cerca, constituem elementos probatórios da relatividade da liberdade.

            Atribui-se a Robespierre, aquele carniceiro da Revolução francesa, esta frase monumental: “0 direito de um indivíduo acaba onde começa o direito de outro.” Não nos parece muito viável que tão luminoso conceito haja saído de uma cerebração violenta e doentia como a de Robespierre. Contudo, aceitemo-la como assim fora. Naquela frase se comprime uma verdade extraordinária, que, obedecida, evitaria muitos dos males que afligem a vida humana.

            Tanto a liberdade é condicionada a diferentes conceitos coercitivos, que juridicamente se concedem e reconhecem direitos humanos que valem por uma carta de liberdade, mas ao mesmo se estabelecem deveres, que são formas restritivas dessa mesma liberdade. Ora, assim sendo, é fácil compreender o desarrazoado de certas afirmativas, que propugnam cada vez mais “direitos”, cada vez mais liberdade, como se cada um de nós pudesse fazer impunemente tudo quanto nos venha à cabeça, sem atentar para a coação que semelhante procedimento determinaria a outrem.

            Assim, reconhecemos e aceitamos a normalidade da liberdade condicional, da liberdade que possa ser exercida sem danos para quem quer que seja, tal como no-la ensina a Doutrina Espírita, que nos revela o poder controlador dessa liberdade, poder a que chamamos Lei de Causa e Efeito. Essa lei nos garante a liberdade a que temos direito, mas nos pune pelos excessos que pratiquemos quando supomos que somos exageradamente livres.

            A Lei da Reencarnação nos impõe o cumprimento dos deveres e obrigações - que contraímos quando ultrapassamos o limite da liberdade a que temos direito. Reencarnando, teremos o ensejo de amortizar débitos e reparar erros pretéritos de, enfim, resgatar a nossa legítima liberdade, comprometida pelos excessos que praticamos, invadindo o âmbito da liberdade alheia.

            Recebemos, de geração a geração, a herança dos postulados dogmáticos que em nada favorecem a compreensão que devemos ter da vida nem esclarecem a posição em que nos devemos colocar em face dela. Dizer-se, por exemplo, que “o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus”, parece-nos sacrílego. Primeiro, porque desconhecemos qual seja a imagem de Deus; segundo, porque lhe atribuímos uma forma antropomórfica, a fim de satisfazermos à nossa vaidade, ao orgulho de que sejamos algo de superior no reino animal. Admitamos que sim, mas não nos esqueçamos jamais das lições que recebemos dos nossos chamados “irmãos inferiores”... Eles têm sido até hoje vítimas da nossa “superioridade”. Não obstante termos sido feitos “à imagem e semelhança de Deus”, ainda não evoluímos o suficiente para deixarmos de matar esses “irmãos inferiores”, comendo-lhes as carnes e as vísceras, utilizando-lhes os ossos e o couro, os cascos e os cornos, etc. Em pleno século das luzes, somos de um primitivismo alarmante. Gozamos de volúpia, quando, para festejarmos uma data qualquer, nos reunimos em torno de uma mesa para atacar os despojos de perus, leitões, galinhas, cabritos, faisões ou coisa que os valha. Onde a nossa superioridade, se ainda nos fazemos prisioneiros da animalidade? Onde a nossa grandeza, se ainda nos comprazemos em devorar cadáveres de inocentes animais, dando a esses atos os mais originais requintes de voracidade?

            Por isso, continuamos a ver o Mundo estremecer entre dores e gritos, entre dúvidas e angústias. Não há tranquilidade, não há confiança, não há felicidade real. Tudo é aparência. Sobre a Humanidade inteira descem as nuvens negras do medo. Aqueles que, mais bem orientados, se abrigam em setores de espiritualização, que se iluminam com o Evangelho do Cristo ou tem como bússola uma Doutrina como a espírita, esses poderão suportar melhor as dores do mundo porque compreendem a origem dessas dores, pois sabem porque todos sofremos.

            Sofremos porque não somos livres. Onde há liberdade, não há dor. A dor é uma limitação da liberdade, mas uma limitação benéfica, por educativa. Ninguém pode ser livre sem ser bom, sem dar um pouco de si para o bem de seus semelhantes.

            A Doutrina Espírita ensina ao homem o caminho da liberdade. Todo aquele que se desvencilha dos maus hábitos e pensamentos, que combate o mal e realiza o bem, está no rumo de ser livre. Só o é quem consegue dominar as suas próprias deficiências e inferioridades, quem adquire a humildade esclarecida e renuncia aos orgulhos do mundo, vivendo acima dos preconceitos que ainda hoje contribuem poderosamente para tornar infeliz a Humanidade.

            Tudo que não conduz ao bem retarda a verdadeira liberdade humana. Toda religião só é boa quando assegura ao homem, ainda neste mundo, o bem moral de que ele necessita para enfrentar com coragem, resignação e eficiência o seu destino, entendendo-se por destino, nesta frase, as obrigações cármicas por ele contraídas, às quais terá que atender mais dia, menos dia.

            Portanto, se alguém pretender ser verdadeiramente livre, terá de começar desde agora a luta por essa liberdade. Não combatendo os seus semelhantes, mas combatendo a si mesmo, isto é, os seus pendores para o mal, ao mesmo tempo que estimulando a aspiração do bem-fazer. O livre-arbítrio não foi dado ao homem para que ele faça o que quiser, sem responder pelos erros cometidos. O livre-arbítrio constitui uma faculdade destinada a permitir ao homem o aprendizado da verdadeira ciência de viver.

           Ele aprenderá por si mesmo, de encarnação em encarnação, a regular o uso desse livre-arbítrio, até alcançar a sabedoria da vida.

            Lê-se em “O Livro dos Espíritos” (Lei de Liberdade) que “a liberdade de ação existe desde que a vontade aparece. Nos primeiros tempos da vida a liberdade é quase nula: desenvolve-se e muda de objetivo com as faculdades. A criança, tendo pensamento em relação às necessidades da sua idade, aplica o livre-arbítrio às coisas que lhe são necessárias”.

            Mas é o exercício do livre-arbítrio que educa a vontade, com o correr dos tempos, à custa de vicissitudes e desenganos. Ninguém nasce perfeito e nisso é que reside o valor do aprendizado que o Espírito vem fazer na Terra e em outros mundos-escolas. De qualquer forma, em conclusão, só é realmente livre quem é bom.


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