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sexta-feira, 31 de maio de 2019

A estreia do Messias





A Estreia do Messias
-Exemplo a ser imitado na propaganda do Espiritismo-
Palestra feita na FEB pelo Dr. Canuto Abreu
Reformador (FEB) Outubro 1925

            Como principiou Jesus a sua obra messiânica?

Não começou por dizer que era o Messias. Teria sido grave erro. Uma entrada assim violenta lhe acarretaria invencível oposição inicial. O Messias esperado pela gente israelita devia descer do céu numa nuvem, acompanhado de todo o reino  de Deus. Teria uma apresentação pomposa imponente. Jesus teve que estrear como simples rabi, isto é, como pregador e médico. Conquanto seu empenho sempre fosse convergir a atenção sobre a prodigiosa personalidade do Messias, ao começo procurou atrair pelas palavras de sabedoria, pelos atos de doçura e caridade e, principalmente, pelas curas extraordinárias. Todos os rabis contemporâneos também pregavam a Lei e os Profetas, perambulavam pelos burgos pobres e tratavam os doentes. Nenhum, porém, possuía o cabedal filosófico, o poder sobre normal de curar e a impressionante simpatia do novo Rabi. Foi-lhe fácil vencer.

Contudo, no começo, era preciso que não houvesse, entre o moço operário de Nazaré e o jovem pregador, uma profunda separação. Nesse meio conhecido e pequeno, Jesus devia evolver gradativa e suavemente. Durante trinta anos, ele, para os homens de então, teria estudado e meditado a Velha Escritura e as teses dos doutores. Mas não quis, no pequeno recanto em que vivia, surgir de repente como rabi, abandonando a ferramenta de operário. Quando chegou o dia decisivo, partiu, porque em sua terra não podia ser profeta.

Partiu para onde?

            Outro, menos prudente e sábio, teria buscado Jerusalém, o lugar preferido pelos rabis inteligentes. Jesus não quis deixar a sua Galileia. Sairia de Nazaré, porque esta vila, escondida nas montanhas, era muito pequena para a sua atividade e nela habitava sua família, que se oporia, talvez, à sua carreira messiânica.

            Mas, para partir, era necessário romper com tudo quanto, na aparência, lhe era mais caro na vida: sua Mãe. Tinha que renunciar à sua companhia, à amizade dos parentes, ao convívio dos conhecidos, à vida calma do operário sem patrão. Tudo Ele previu e preparou. Havia muito que aguardava o momento, esse momento que chega para todos. E o momento chegou-Lhe. João, seu primo e amigo, que lhe preparava o caminho e que o havia batizado há mês e meio, foi preso.  Era imprescindível o sacrifício. Renunciou à Mãe, à família, aos amigos, a tudo. Fechou os ouvidos as súplicas mais comoventes, dos rogos mais soluçantes e partiu. Louco! – teriam dito.  

Solteiro, partiu só, pensativo, ansioso para iniciar enfim a missão que o Pai lhe confiara. Qual era a sua missão? Salvar os pecadores e remir os condenados! Divino Missionário!

Ao sair de Nazaré, o caminho pedregoso sobe em zig-zag até um ponto, dos mais altos da Galileia, depois dobra à direita e desce, cheio de acidentes e curvas que se esconde atrás das colinas e dentro das vegetações.  Ao ganhar o ponto culminante, antes de descer, Jesus teria olhado o vasto horizonte, desde o monte Carmelo, até a longínqua montanha de Hermon, sempre coberta de neve, e cujas vertentes se despenham em pirâmides de olivais e de pedras negras até a Galileia dos gentios. Aí, nesse elevado ponto de mira, Ele teria antevivido em pensamento aquela subida final para o Gólgota. Teria anteprovado em seu coração as consequências desse medonho desígnio. Mas não estancou. Não retrocedeu. Não mandou sequer, para trás, para a sua querida Nazaré, onde passara, em aparência, a mocidade e onde ficara em lágrimas sua Mãe, o derradeiro olhar do visionário. Começou a descer, sozinho, o íngreme caminho, como qualquer viajante em busca do litoral. Uma hora depois, ao tangenciar uma colina maior, teria divisado, à direita, o monte Tabor e, lá embaixo, bem longe ainda, como um espelho azul, sulcado de barquinhos, o lago de Genesaré e os diversos burgos ribeirinhos, que ia percorrer e que estavam destinados a desaparecer da terra, mas a ficar na história de sua vida: Tiberíades, Magdala, Cafarnaum, Betseida, Corozaim, Dalmanuta.     

Jesus desce direto até o mar da Galileia, evitando passar por Tiberíades, cidade idólatra e pagã. Contorna pela beira mar, até encontrar seus amigos Simão e André. Em seguida, vai ao encontro de seus primos Jaques e João e de seu tio Zebedeu, também pescadores. Todos eram amigos e conhecidos velhos. João, o mais moço, era discípulo de João Batista, e profundamente votado à propaganda messiânica. E o primeiro encontro de Jesus com os pescadores amigos foi para começar logo a nova profissão. Em vez de peixes, convidou-os a também pescar homens.

Apesar de, naqueles tempos, a tarefa de pescador ser uma das mais elevadas e conceituadas, os quatro primeiros discípulos de Jesus eram humildes e simples, porque eram espíritos de certa elevação moral. Jesus hospedou-se na casa de João, pai de Simão e André. Essa noite foi a véspera do nascimento do Cristianismo. Ele teria falado sobre a prisão do Batista e combinado com seus amigos o modo de agir.  

            No dia seguinte -  o primeiro do Cristianismo - vem até á praia e aí, ao ar livre, entre o povo simples e humilde, começa a pregar. Os pescadores, as mulheres e as crianças, cheios de curiosidade, rodeiam o novo Rabi. Jesus, então, a fim de melhor ser visto e ouvido, sobe para o barco de Simão. Outros barcos se aproximam e atracam perto.

Que prega Jesus? 

Fala de João Batista, da verdade de sua doutrina, da próxima vinda do reino dos céus. Fala do amor de Deus, da sua misericórdia e piedade, da fraternidade humana, do perdão.
Mas fala por parábolas, para não ser compreendido desde logo. O auditório não conhecia senão os ritos endurecidos, as leis rigorosas de sangue e de vindita, a pena de talião, o olho por olho e dente por dente, o apedrejamento, a forca, a crucificação. O Deus de Israel era um Deus suscetível, impulsivo, ciumento e vingativo, guerreiro e perseguidor do homem até as mais remotas gerações. Jesus tinha que falar por meio de parábolas, para ser entendido apenas por aqueles que, entre a multidão, tinham ouvidos de ouvir.  

Apesar do simbolismo, já era o Evangelho que Jesus pregava. Era a Boa Nova que principiava a espalhar-se pelo povo simples, a evolar-se cristalina, sob o céu de anil e a borda do mar cinzento da Galileia. Era o Novo Testamento que nascia.

Foi assim, como simples Rabi, no pequeno burgo de Cafarnaum (caphar – aldeia; nahum – consolação, segundo Orígenes, confusão, segundo outros), a sete horas de viagem de Nazareth, que Jesus, apoiado por quatro amigos, começou a obra ingente de regeneração da humanidade. Mas, ai de ti, Cafarnaum...

            Como todos os rabis, ele ensinava e curava. Mas os seus ensinos possuíam um encanto novo, que apaixonava os ouvintes, e as suas curas encerravam um prodígio que impressionava a assistência. Era, na verdade, um rabi invulgar.

No entanto, sabiam todos que Ele era o Nazareno, filho do operário José. Onde teria aprendido tantos ensinamentos? Estaria nele o Espírito de Elias ou de qualquer outro profeta? Indagam, e Jesus afirma que o Espírito de Elias estava em João Batista. Mas não diz quem ele é. Era cedo para dizê-lo.  Tudo estaria prejudicado. A Simão, porém, confia o segredo porque, este, por inspiração, havia já percebido que o Mestre era o Messias.

Ninguém descobre, nas primeiras palavras e atos do Rabi, o grande plano que Ele havia de desenvolver em pouco mais de trinta meses. Nem mesmo os discípulos. Jesus se limitava, nesse período da sua missão, a falar sobre a Lei, a responder às consultas e a interpretar os acontecimentos que se desenrolavam em torno de sua notável pessoa. Seus pareceres foram, pouco a pouco, impondo sua autoridade de doutor. Ao emitir opinião, nem sempre enunciava uma doutrina inteiramente nova, que não existia em parte alguma da Lei dos Profetas ou dos doutores. Ora ficava ao lado de Hillel, ora ao lado de Chamahi – os dois maiores luminares da teologia hebraica. Assim, a respeito do divórcio, pensava como Chamahi; sobre a justiça, opinava como o Dr. Hillel que a seu turno repetia Tobias. Mas o ensino de Jesus era mais claro, mais penetrante, mais agudo, mais espiritualizado. Hillel dizia, por exemplo: “Só deveis julgar o próximo quando estiverdes na mesma posição ou situação que ele.” Jesus ensinava: “Não julgueis para não serdes julgados.”
  
Ao pregar as passagens do Antigo Testamento, procurava arrancar da letra o espírito novo. Soprava nas letras mortas a vida nova. Combatia em absoluto as contravenções que os escribas toleravam: o juramento, a hipocrisia dos fariseus, as preces em voz alta para serem ouvidas pelos que passam, a esmola apregoada para ser vista e admirada, a pena de talião. Ensinava e exemplificava a humildade absoluta, mesmo a auto humilhação, e, como Jeremias, aconselhava ao que recebia ofensa na face esquerda a voltar ao ofensor a face direita. “Perdoai para serdes perdoados.” – dizia Ele; mas não sete vezes como interpretavam os doutores e sim setenta vezes sete vezes ou, para quem perdesse a conta, sempre. Tudo o que lhe saía dos lábios, mesmo quando reproduzia a Escritura Antiga, tinha um sabor novo e doce. Os deveres do homem para com Deus e o próximo, a adoração, a caridade, a bondade de coração e a simplicidade de espírito, o desinteresse material, jamais foram antes pregados com tanto entusiasmo e sinceridade. Ele pregava com o exemplo.

Como o mais instruído de todos os escribas, sabia tirar do patrimônio legal e profético do seu povo “coisas velhas e novas”. Não se limitava a reproduzir literalmente o que estava escrito; apresentava a Escritura sob novo prisma, sob forma diferente, melhor, mais nítida, mais espiritualizada e tão que, apesar de não escrever uma só palavra, ela manifesta um sentido único, inimitável. Com isso, Jesus não abolia nem a Lei nem os Profetas; dava-lhes cumprimento. Seus ensinos eram uma espécie de revelação dessas doutrinas. Procurava restabelecer o espírito de verdade e nisso consistiam as “coisas novas”. Daí lhe veio a necessidade de combater as interpretações falsas dos fariseus, saduceus e essênios, cheios de casuística, de hipocrisia e de vãs formalidades. Mas, notai bem, esse rebate não é o principiado senão depois que já possui auditório entusiasta e quando esse auditório começa a lutar contra os fariseus.

Na vida de Jesus, tudo é um exemplo de perfeição.  Vede como principiou a missão. Tomemo-lhe o exemplo. Estudemos bem as letras santas, antes de pregar outras. Não convém desde logo repudiar, por sistema, ou melhor, por orgulho, a teologia cristã.  Devemos, antes, procurar assimilá-la bem, em espírito e verdade, e depois ensiná-la sob novos moldes. Ninguém contesta que os ensinos de Jesus ali estão adulterados; mas a adulteração não inutilizou completamente a obra dos nossos maiores, como a exegese da sinagoga, por mais tortuoso, não sacrificou a Primeira Revelação.  Esta foi salva por Jesus: aquela está salva pelo Espiritismo. Os dogmas, que serviram à edificação moral do Ocidente em que vivemos, estão velhos, caducos e alguns em estado comatoso. Mas todos podem e devem ser explicados pelo Espiritismo, sob influxo do Espírito da Verdade. Foi assim que Jesus deu cumprimento à Doutrina Antiga. Os tempos envelheceram a obra complementar e reformadora dos Apóstolos e dos seus sucessores. Cabe ao Espiritismo rejuvenece-la.

É por isso que a Federação nos ensina que a Doutrina Espírita é o cumprimento do Cristianismo. Assim como Jesus, outrora à beira do mar da Galileia, pregando a Lei e os Profetas, ensinava o verdadeiro espírito do Antigo Testamento, também, nos tempos que correm – tempos de transição – o Espiritismo, pregando os ensinos de Jesus, propala o verdadeiro espírito dos Evangelhos.

Tudo vem a seu tempo, porque tudo está marcado no quadrante do Criador.

Jesus conservou o Passado. Repetiu o Passado mas o Passado saiu novo de seus lábios. Conservemos também o Passado. Repitamos o Passado. Naturalmente, à luz da Nova Revelação que nos felicita, o Passado, que muitos levianos cuidam morto, surgirá redivivo, novo, perpetuado de vida, é a lei. É o rodar sucessivo das vidas progressivas, rumo da Perfeição.

Os escribas exigiam as práticas exteriores, os ritos, os sacrifícios, as abstinências, os jejuns. Sem esses cuidados, os Judeus não teriam entrada no reino dos céus. Jesus exigiu as práticas interiores, a prece em segredo, a vigilância da serpente, a mansidão da pomba, os sacrifícios pelo próximo, o jejum moral. Só assim o homem terá entrada. Repetindo a Jesus, exijamos de nós mesmos a reforma interior, pelo sacrifício de nossas paixões grosseiras, pela higiene dos pensamentos, pela disciplina das palavras e pelo norteamento dos atos. Sem isso, não teremos dentro de nós o reino de Deus.

Mas, nem todos se acham no mesmo grau de evolução. Uns precisam ainda das exigências dos escribas; outros ainda não compreenderam bem a Jesus. Não queiramos, pois, arrancar os primeiros degraus, por onde já subimos, arrasar o passado, a que estamos ligados pela vida eterna. Contentemo-nos com ser, no seio do Cristianismo, o fermento que o há de transformar.

Para Jesus, os ritos não tinham importância. Ele pregava a fé interior, livre, sincera e espontânea. Porém, não aboliu os ritos. Não censurou os que tinham a fé cega e medrosa. Não arrasou o passado.  Sigamos o seu passado.

Jesus não instituiu nenhum sacerdócio organizado. Como os grandes doutores, eEle punha o sentimento acima do ato, a intencionalidade acima da ação.  Mas, da letra da Lei, não tirou o pingo do i. Limitou-se a esclarecer as interpretações ridículas ou infundadas dos fariseus. Conservemos, também, a Lei e os Evangelhos. Não toquemos numa só letra. Limitemo-nos a esclarecer, sem desvario nem abuso, ao contrário, com prudência e amor, as interpretações extravagantes, ou sem base, dos que se dizem os intermediários entre Deus e os homens.

É possível que, mais tarde, o Espiritismo, como aconteceu ao Cristianismo, se afaste dessa escopo. O que hoje lhe é designado é o de revelar, em espírito e verdade, o Passado. Certamente, ensinando as “coisas velhas” por moldes novos, um corpo de doutrina religiosa surgirá. Será talvez a religião predominante em próximo futuro.

Não importa! O que importa é saber que não nos cabe mais: tão somente repetir os ensinos de Jesus, dos Profetas e da Lei, por “palavras novas”. O tempo da teoria, das pragmáticas, dos sermões e dos salmos, para nós, já passou. O que nos compete de no tempo que vivemos, é PRATICAR os ensinos do Mestre. Só deste modo mudaremos a face do mundo.

Tendo isso em mente, foi que nos ocorreu rever, nesta palestra, a estreia e o primeiro período da missão de Jesus. Diante do Modelo divino, que, na aparência, levou trinta anos em Nazareth a preparar-se para a luta de trinta meses, comecemos nosso preparo interior. Sopitemos os ímpetos grosseiros de nossa natureza. Fechemos os sentidos às solicitações da matéria e, a sós, dentro de nós próprios, à luz dos Evangelhos, eduquemos a nossa vontade, orientemos os pensamentos e esclareçamos a fé.  Amemo-nos uns aos outros. Toleremo-nos mutuamente. Respeitemos as crenças adversárias, por mais absurdas que que sejam ou que nos pareçam. Acatemos a palavra de todos os que se propõem a ensinar aos homens o caminho da salvação. Pode ser que alguns não sejam, ao nosso ver, arautos fieis da verdade. Deixemo-los em paz. Se forem sinceros, terão luz e recompensa. Se forem hipócritas, terão trevas e castigo. Bem ou mal, cada qual tem, neste mundo, sua utilidade na obra geral. Não perturbemos a ação do nosso próximo, mesmo que seja contrária à nossa. Não levantemos contra o adversário nenhum sentimento de condenação, por isso que ele está investido por Deus duma permissão de agir e só Deus pode julgar se agiu mal ou bem.

Assim é que devemos principiar a tarefa espírita. Como Jesus em Nazareth, sejamos primeiro o simples operário de nossa própria consciência, o rabi de nós mesmos, educando os nossos pendores egoísticos e curando as nossas mazelas sensuais.   

Só depois desse preparo, só depois de duma longa vida de artífice do próprio aperfeiçoamento, só depois de batizados nas águas da regeneração, só depois da quarentena do deserto em jejum e no convívio dos Espíritos, é que, chegada a nossa hora, poderemos tomar, como Jesus, a deliberação de partir, de deixar a nossa Nazareth, a família, os amigos, a velha ferramenta, e marchar, sozinhos e ansiosos, para o ponto mais elevado do caminho e, de lá, avistando ao longe o horizonte vastíssimo da nossa Galileia e em baixo, o campo aberto à nossa atividade, descer, sem olhar para trás, como Jesus desceu outrora para Cafarnaum.

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