Cristovão Colombo
Parte I
Um Visionário? Não! Apenas Médium
por Marta Antunes de Oliveira
Reformador (FEB) - pág. 298 - Outubro 1992
Aos primeiros clarões do dia 3 de agosto de 1492, três caravelas distanciando-se do porto de Palos, na Espanha. Descem lentamente o rio Tinto, depois o rio Odiel, ganhando, finalmente, o mar. À frente, a imponente e pesada Nau Capitânea de 100 toneladas, a Santa Maria, comanda as graciosas Niña e Pinta com o objetivo de realizar o irrealizável: atingir as Índias pelo poente.
No meio da balbúrdia reinante, originada por uma tripulação de mais de cem homens, a maioria andaluzes, grupos de bascos, alguns oficiais reais, um fiscal dos Reis Católicos Fernando e Isabel e três cirurgiões, uma figura se destaca das demais: é o comandante Cristovão Colombo.
Olhos fixos no horizonte, esse bravo e fervoroso genovês eleva a Deus uma prece de gratidão por ter permitido que o seu sonho longa e duramente elaborado estivesse se concretizando: viajar para a terra do grande Khan da China a fim de converter seus habitantes ao Cristianismo.
O tempo, porém, se incumbiria de mostrar que jamais ele chegaria a essa terra que lhe embalou os sonhos de jovem crente, quando ouvia as histórias e lendas das viagens de Marco Polo. Isto porque foi parar nas terras da América e, além do mais, ele ignorava que, desde o ano 1367, a dinastia do grande Khan não governava mais a China.
Cristovão Colombo era o filho mais velho de uma família de quatro irmãos. Nasceu no ano de 1451, em Gênova, Itália, onde teve oportunidade de aprender o humilde ofício da família: tecelagem. Profissão exercida só muito esporadicamente porque desde cedo sentia-se atraído pelo mar e por tudo que se referia à navegação.
Era um homem de bela figura: elevada estatura, musculoso, vasta cabeleira ruiva lhe adornava o rosto de maçãs salientes e rosadas, olhos azuis que caracterizavam um olhar intenso e meditativo.
Viveu na Espanha e Portugal a maior parte de sua vida, expressando-se numa linguagem que era a mistura de português e espanhol. O latim, conhecia apenas rudimentos. Mesmo o italiano, a língua-pátria, falava com incorreções, revelando alguém de poucos recursos culturais. Possuía, porém, grande habilidade para o desenho, sobretudo de mapas.
Aos catorze anos de idade transferiu-se para Savona, na costa lígure, para se dedicar, quase com exclusividade, à arte da navegação. Foi nessa região naval da Itália que Colombo travou conhecimentos preciosos para sua futura missão; convivendo com homens do mar, realizou várias viagens de curta duração. As histórias que os marinheiros contavam sobre Marco Polo faziam-no sonhar de olhos abertos. Foi também em Savona que se tornou amigo dos maiores armadores italianos da época: Os Di Negro e os Spínola.
Cada vez mais desejoso de ampliar seus conhecimentos, partiu para Portugal onde freqüentou as maiores escolas de navegação do mundo. Longo tempo permaneceu em Portugal, chegando, até mesmo, a se casar com uma nobre portuguesa, aparentada dos Bragança, Dona Felipa Moniz-Perestrello, de quem teve o filho Diego.
Em Portugal, Colombo aprendeu a lidar com a navegação de longo curso, que substituía as pesadas embarcações existentes, pelas ágeis caravelas; conheceu a bússola e o astrolábio.
Quando já se sentia seguro, dominando com maestria a arte de navegação, colocou os seus planos de atingir as índias pelo Oeste, ao rei de Portugal e, pela desinteresse deste, foi buscar auxílio na Espanha, com os reis de Castela, Fernando e Isabel, chamados “Reis Católicos”.
Colombo possuía uma prodigiosa mediunidade de intuição, eclodida desde a mais tenra juventude. Era uma mediunidade impregnada de marcante religiosidade. de uma fé, longamente elaborada, que lhe prestava sólida confiança na missão que deveria realizar na Terra. É por isso mesmo, que muito naturalmente se julgava “um enviado de Deus”. Costumava dizer:
“(...) Que me chamem como quiserem, pois, afinal, David começou por guardar carneiros antes de tornar-se rei de Jerusalém; ora, sou Servidor do mesmo Senhor que elevou David a esse estado (...)”
Com referência à sua excepcional capacidade para desenhos cartográficos, explicava:
“(...) Recebi (...) a habilidade de espírito e de mãos para desenhar a esfera e nela dispor as cidades, os rios, as ilhas, os portos, cada um em seu lugar próprio (...)”[1]
No entanto, o título de gênio da navegação que lhe foi outorgado, o foi menos pelos conhecimentos que possuía, e mais porque seguia religiosamente a voz da sua intuição. Raramente utilizou a bússola e o astrolábio, quando de suas viagens, mesmo as quatro que realizou à América. Quando muito, usava o quadrante, instrumento de direção primitivo, preferindo orientar-se pelo movimento dos astros. Pela intuição, sabia situar-se em qualquer local do oceano, com precisão invejável, mesmo para os padrões modernos.
Ele afirmava que Deus o guiava.
Tinha tanta convicção na sua missão, ditada por Deus no seu íntimo, que candidamente afirmou a Isabel de Castela que ela, mais do que ninguém, aprovara o plano dele porque houve “intervenção exclusiva do Espírito Santo”.
Trazia consigo uma profecia de Sêneca contida na Medéia que dizia assim:
- (...) Virá um tempo, nos últimos anos do mundo, em que o Oceano desfará os laços das coisas. Uma Terra imensa se revelará, pois sobreviverá um navegador, tal como aquele que teve o nome de Tífis e foi guia de Jasão; e ele descobrirá um novo mundo (...)”[2]
Colombo tinha forte intuição de ser ele o navegador previsto por Sêneca.
Em outra ocasião, reafirma a certeza da sua missão, em carta aos espanhóis:
- “(...) Suportei seis ou sete anos de sérias dificuldades, expondo o melhor que podia o grande serviço que se pode prestar a Nosso Senhor (...). Apesar do cansaço que eu suportava, tinha certeza de que tudo se realizaria, pois na verdade, “tudo passará, mas a palavra de Deus não passará”. ELE que tão claramente falou dessas terras pela boca de Isaías, em tantos lugares da Santa Escritura (...)”[3]
Há indícios de que com o avançar da idade ele tenha desenvolvido a mediunidade audiente, pelo menos esta se tornou muito evidente naqueles momentos de extremas dificuldades, aproximadamente um mês antes do Descobrimento, em que ele se viu cercado por uma tripulação revoltada, doente, faminta, imunda, vivendo em situação de promiscuidade, devido ao longo período no mar.
Nas horas de maiores aflições
“(...) ele escutava uma voz desconhecida murmurar-lhe ao ouvido: “Deus quer que teu nome ressoe gloriosamente através do mundo; ser-te-ão dadas as chaves de todos esses portos desconhecidos do oceano que se conservam atualmente fechados por formidáveis cadeias”. (...)[4]
Assim, recuperando novas energias, conseguiu acalmar a tripulação, e, a fim de evitar um motim, seguindo mais uma vez a voz da intuição, dirigiu um emocionante apelo aos companheiros:
“- que eles aguardassem mais dois ou três dias e a terra surgiria”.
Seja pelo brado de um ser sob enorme pressão emocional, seja pela firmeza daquelas palavras, ditas com fervorosa convicção, o certo é que a tripulação se acalmou e aguardou o prazo assinalado.
Realmente, no prazo, apareceram os sinais de terra. Deus, através dos seus emissários que do Plano Espiritual comandavam tão valoroso empreendimento, compadeceu-se de Colombo e permitiu que ele, pela demonstração de tão pujante fé, fosse o primeiro a ver os sinais das terras do continente americano.
Na altura das 22 horas, do dia 11 de outubro, achando-se na popa do navio, o Descobridor viu, de repente, uma breve luminosidade, um clarão fugidio, no horizonte. “É terra!” comentou com alguns companheiros mais próximos. Somente às duas da madrugada, no início de 12 de outubro de 1492 outro marinheiro, Rodrigo de Tiana, da Pinta, percebeu a larga faixa branca de terra do Novo Mundo.
Horas depois, a América se descortinava no horizonte com toda sua beleza e pujança. A tripulação de Santa Maria atira-se nos braços do seu comandante, em lágrimas, beijando-lhes as mãos e pedindo perdão pela pouca constância que demonstraram.
Os navios atracam na face oeste da ilhota de Coral Guanahani (Ilhas Bahamas) e uma multidão de homens, mulheres e crianças, completamente nus, pintados em diversas cores, corriam pela praia arenosa em direção aos navios.
Cristovão Colombo desceu portando a bandeira real de Castela, seguido dos capitães de Pinta e Niña. Quando pisaram o solo do Novo Mundo, de joelhos tombaram no chão, beijando a terra arenosa, com lágrimas a escorrer-lhes nas faces. A seguir, Colombo agradeceu a Deus a recompensa que ELE lhe dava, após longa e penosa viagem, de se ver firmar as esperanças de muitos e muitos anos.
“(...) O Cristo localiza, então, na América as suas fecundas esperanças. (...)
Os operários de Jesus (...), abstraídos da crítica e do aplauso do mundo, cumprem os seus deveres no âmbito das novas terras. Sob a determinação superior, organizou as linhas evolutivas das nacionalidades que aí teriam de florescer no porvir (...)[5]
Parte II
Os Primitivos Habitantes da América
A primeira terra descoberta na América recebeu, de Cristovão Colombo, o nome de São Salvador, denominação mantida até hoje.
Em cerimônia solene, tomou posse da ilha em nome dos reis de Castela e, diante do notário real Rodrigo Escobedo, investiu-se dos títulos de Almirante e Vice-Rei da Nova Terra.
Aos breves momentos daquela singela reunião protocolar, seguiu-se a magia do encontro entre a chamada civilização ocidental e os primitivos habitantes da região. Deve ter sido algo, no mínimo, estarrecedor: de um lado os espanhóis pesadamente vestidos, barbudos, sujos e, do outro, os indígenas complatamente nus, cabelos lisos, limpos, cercando os futuros colonizadores como se eles fossem deuses.
Colombo anotou no seu diário:
“(...) a fim de que esses homens se afeiçoassem a nós (pois eu bem sabia que o amor, mais que a força, os atrairia para nossa santa fé), dei a alguns deles bonés coloridos e colares de vidro, que eles puseram no pescoço, com o que tiveram muito prazer, e nos mostraram muita afeição. Aliás, eles me pareceram despojados de tudo... Não carregam armas, nem sabem o que é, pois mostrei-lhes espadas e eles as pegavam pelo fio e se cortavam, por ignorância... Eles logo repetem o que se lhes diz. Creio que facilmente eles se fariam cristãos, pois parece-me que não tem nenhuma seita (...)[6]
Tempos depois, o Almirante orienta alguns homens para acompanharem os silvícolas à aldeia com o intuito tanto de estreitar laços de amizade, como para observarem existência de possíveis tesouros.
Os mensageiros voltaram de mãos vazias.
“(...) contaram que caminharam doze léguas até uma aldeia de cinqüenta casas... Todos os tocavam, beijavam-lhes as mãos e os pés, maravilhando-se, acreditando que desceram do céu (...). As mulheres os apalpavam para ver se eram de carne e osso como os outros homens (...)”[7]
A religiosidade e a simplicidade inatas daquela gente não passaram despercebidas a Colombo:
“(...) vejo que essas pessoas não têm nenhuma seita e não são idólatras, mas muito gentis e nada sabem do mal, seja matar ou capturar, (...) Sabem que há um Deus no céu e estão persuadidas de que viemos do céu. Cada prece que recitamos, eles a repetem (...)”[8]
A primeira suposição que nos ocorre ao espírito, a respeito dos primitivos habitantes da América, é de que eles seriam espíritos em primeiras encarnações, ainda não impregnados dos males da civilização. Seriam almas puras, forjando o seu destino e progresso no seio daquela natureza luxuriante. Acompanhando, porém, as anotações do diário de bordo de Colombo, concluímos que ali também estavam encarnados, possivelmente em missão de auxílio aos habitantes mais primitivos, almas com maiores aquisições espirituais, adquiridas em vidas anteriores.
É o que nos faz deduzir, perante os encontros de Colombo com um jovem rei, chamado Guacanagari, de uma tribo nas cercanias do atual Haiti. O primeiro encontro foi na praia, à beira-mar, e o Descobridor nos relata o seguinte:
“(...) Enviei-lhe um presente, que recebeu com muita dignidade. Parecia ter 21 anos, e estava acompanhado de um preceptor e outros conselheiros (...)”[9]
Após este contacto inicial, o rei foi convidado a fazer uma visita ao barco do Almirante. Eis o que se passou:
“(...) Mais de duzentos homens cercavam o rei; quatro deles o carregam sobre um andor. Enquanto eu fazia uma refeição no castelo de popa, ele entrou, veio rapidamente sentar-se ao meu lado, sem permitir que eu me levantasse. Pensei que lhe agradaria provar de nossa comida, e mandei que a trouxessem para ele. Fez sinal com a mão a seus súditos para que ficassem fora da cabine, o que fizeram, agachando no convés, alvo dois homens de idade madura, que pensei serem seu conselheiro e seu preceptor, e que vieram sentar-se aos seus pés. Experimentou ele a comida que lhe ofereci (...) do mesmo modo a bebida, que apenas levou aos lábios. Tudo isso com uma maravilhosa dinidade e muito poucas palavras. (...) vi que uma colcha sobre o meu leito lhe agradava muito; dei-lha a ele, assim como alguns fios de belo âmbar que eu trazia no pescoço. (...) e um frasco de água de flor de laranjeira. Ficou ele extremamente contente. (...) Mostrei-lhe as bandeiras reais e as que levam a cruz, o que muito o impressionou (...)”.[10]
É importante salientar o quanto Guacanagari era diferente dos demais. Sua distinção, polidez, faz-nos lembrar alguém com experiências no mundo da realeza, em vidas anteriores. A presença de conselheiros constantemente a seu lado, a atração natural por objetos do mundocivilizado, como a colcha e o perfume, a impressão que a cruz nas bandeiras lhe causou, não se deixando atrair por colares de vidro colorido, tão ao gosto dos demais nativos.
Esse refinamento de gosto e atitudes também chamou a atenção de Colombo, levando-o a anotar no seu diário os acontecimentos ocorridos durante uma refeição oferecida pelo indígena aos espanhóis:
“(...) inhame, camarões, caça, pão, que chama ‘cassave’... Ele (Guacanagari) trazia uma camisa e luvas que o Almirante lhe dera, e, mais do que tudo, as luvas o faziam feliz... Por seu modo de comer, com sua dignidade e suas maneiras educadas e limpas, via-se que era de boa raça. Após as refeições, trazem ervas, com as quais limpamos as mãos.(...)”.[11]
A vida social e religiosa dos nativos, em geral, encontra-se minuciosamente descrita numa carta de Colombo aos reis Fernando e Isabel. Eis alguns trechos:
“(...) Os habitantes de todas as ilhas que vi vivem completamente nus, homens e mulheres. Não conhecem o ferro e não têm armas; são bem constituídos e de boa estatura, mas extraordinariamente temerosos. (...) Mas, logo que o medo os deixa, mostram-se de uma simplicidade inacreditáveis. (...) Não têm nenhuma seita ou idolatria; acreditam apenas que o poder e o bem residem no céu. (...) Parece-me que, em todas essas ilhas, os homens não têm mais que uma mulher, salvo o rei que tem até vinte delas. As mulheres trabalham mais do que os homens. Parece que não têm bens individuais, mas poêm tudo em comum. (...)”[12]
Ingenuidade, bondade, desapego, liberdade, princípios elevados de vida em comum, monogamia, higiene, foram as qualidades básicas uqe os primitivos habitantes de boamente ofereceram aos espanhóis. Um tesouro tão precioso, superior a todas as minas de ouro, prata ou pedras preciosas que durante séculos atrairiam a cobiça dos europeus. E eles, os povos civilizados, não souberam aproveitar. A ponto de surgirem dúvidas absurdas, produto da ignorância, como estas:
“(...) Os entes encontrados no Novo Mundo eram, de fato seres racionais? Aplicavam-se a eles os chamados ‘direitos naturais’? Este assunto foi muito debatido na época. (...)
Na bula Sublimis Deus, o Papa Paulo III pronunciou-se a favor da tese que defendia que havia alma nos índios. Esta decisão, porém, em nada alterou a situação deles (...).” 7
Tanto que foram subjugados e levados ao total extermínio nos séculos porvindouros.
índio não tem alma! Idéias geradas pelo preconceito e pela ignorância. Os primitivos habitantes deram uma lição de imorredoura beleza aos colonizadores, provando-lhes que além de uma alma pensante, possuíam sentimentos nobres e vivacidade de espírito. Eis a opinião de um chefe indígena sobre o Tratado de Tordesilhas do Papa Alexandre VI ( as terras situadas a 370 léguas a oeste de Cabo Verde seriam da Espanha e a leste de Portugal):
- “(...) Este (o Papa) devia estar bêbado, já que se pôs a repartir o alheio (...)[13]
[1] MAHN-LOT, Marianne - Retrato Histórico de Cristovão Colombo. Trad. de Lucy Magalhães, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editores Ed. 1992, pág. 13.
[2] Op. cit. pág. 22.
[3] Op. cit. pág. 37.
[4] DENIS, LÉON - A Mediunidade Gloriosa. In: “No Invisível”. Tradução de Leopoldo Cirne, 7a Ed. Rio de Janeiro, FEB, 1973, pág. 396.
[5] XAVIER, Francisco Cândido - Missão da América, In: “A Caminho da Luz”, pelo Espírito Emmanuel, 13ª Ed. Rio de Janeiro, FEB, 1985, pág. 173.
[6] MAHN-LOT, Marianne, Retrato Histórico de Cristovão Colombo, Trad. de Lucy Magalhães, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed.,1992, pág. 54.
[7] Op. Cit. pág. 56.
[8] Op. Cit. pág. 57.
[9] Op. Cit. pág. 59-60.
[10] Op. Cit. pág. 61
[11] Op. Cit. pág. 67/68.
[12] LOPEZ, Luís Roberto. História da América Latina. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1986, págs. 28-29.
[13] Op. cit. pág. 20.
Maravilhoso... Amei e agradeço demais.... Obrigada.
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