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terça-feira, 18 de agosto de 2020

Educar para libertar



Educar para libertar
Indalício Mendes
Reformador (FEB) Agosto 1957

            Bem importante é a educação espírita da criança. Cuidados pedagógicos devem ser tomados para que ela vá absorvendo lentamente, porém com segurança, os ensinamentos que lhe estiverem sendo ministrados. Desde que a instrução se faça com clareza, subordinada aos princípios mais aconselháveis pela pedagogia moderna, ter-se-á, pari passu, oportunidade de estabelecer um regime educativo que desperte progressivo interesse dos educandos. Tanto quanto possível, deve ser evitada a monotonia e o fastio. A criança precisa ter sempre sua atenção voltada para novos elementos de interesse e aí reside, sem dúvida alguma, o ponto culminante do problema educacional da infância. Mais do que se pensa, o êxito da tarefa depende muito da professora. E a verdade é que as crianças devem ter preferentemente mestras, porque as mulheres possuem natural intuição para transferir sua vontade à infância. Talvez isso seja devido ao instinto maternal.

            A educação espírita não pode nem deve ter objetivo sectário. Não nos é licito incorrer nos mesmíssimos erros de outras religiões, que educaram crianças, não para a vida verdadeiramente cristã mas para a vida materialista. Cheia de limitações e preconceitos religiosos, eivada de complexos prejudiciais ao espírito de fraternidade. O impulso que o materialismo tomou no mundo foi devido justamente à errada orientação da Igreja, que, esquecida de Jesus, cuidou-se mais de multiplicar seus interesses temporais, comprometendo-se politicamente, renunciando, embora o negue, às normas inconfundíveis do vero cristianismo, de que o Espiritismo é hoje, quer queiram, quer não queiram a única expressão real.

            A educação da criança, consoante a orientação espírita, tem de ser diferente, evangélica, mas não sectária, para que não sejam criados indivíduos que, no futuro, se mostrem despidos de tolerância, mas engolfados no egoísmo e na vaidade perniciosa. Educar com amor, porém com a disciplina evangélica, eis o caminho a seguir pelos espíritas. Temos uma missão na Terra. Devemos cumpri-la corretamente, pondo a nossa consciência a serviço das nossas ações. A trilha pedagógica que devemos seguir é completamente diversa daquela que outras religiões seguiram e que deram à Humanidade elementos para a fermentação de ódios raciais, ódios religiosos, ódios nacionais. Temos de trabalhar espiriticamente, vale dizer - evangelicamente.

            Há tantos trabalhos na seara espírita, para os que são realmente espíritas e para os que desejam sinceramente trabalhar, que não sobra tempo para devaneios nem para a colaboração com obras quiméricas. O Espiritismo não é utopia; é palpitante realidade. Não explora o Cristo crucificado nem mercantiliza seus sofrimentos no Calvário. O Espiritismo enaltece a figura de Jesus Vivo e estuda a sua dor, dela tirando ensinamentos úteis ao homem e à Humanidade. Mas não se detêm paralisado, emprestando aspectos mórbidos a uma crença que deve ser vivida compreensivamente, porque Jesus continua vivo e os objetivos da sua vinda a este Planeta são a educação moral e espiritual do homem, segundo os princípios contidos no Evangelho. Se ficamos eternizados na exaltação do crucifixo, esquecendo-nos das obras destinadas a remir a Humanidade, estaremos traindo o pensamento de Jesus e retardando os benefícios de seus maravilhosos exemplos de coragem e fé, de fraternidade e renúncia, de trabalho edificante e aprimoramento integral da personalidade humana.

            O Espiritismo estuda, compreende e interpreta superiormente a vida de Jesus, seu inenarrável sacrifício, mas não fica aí. Segue, avança no caminho áspero, porque o Evangelho não foi feito para cristalizar-se na inércia, mas para ser vivido a todos os instantes pelos que são legitimamente discípulos do Cristo. E é isto o que temos de levar em conta na educação espírita da criança. “A verdade não pode entrar na alma humana senão pela razão; portanto, os que creem reconhecer a verdade graças à fé, e não à razão, atribuem a este um papel contrário à sua natureza: o de julgar com toda independência para saber em que doutrina, que se faz passar por certa, se deve crer. A razão não pode julgar o que é preciso crer ou não crer, mas pode, e este é seu verdadeiro papel, comprovar a exatidão do que se afirma” - escreveu o eminente cristão Léon Tolstoi. Pela razão o homem há de encontrar a compreensão da verdade, porque somente a razão levará o homem à verdade. Onde está a verdade estará a razão. A recíproca é também verdadeira. O Espiritismo não reconhece milagres, mas reconhece a razão. O Espiritismo reconhece a fé, mas quando subordinada à razão, porque o “credo quia absurdum” de Inácio de Loiola, engendra a fé sem alma, porque sem apoio na razão. “Para o Espiritismo não há milagres, no sentido de ab-rogações das leis naturais; o que implica não fazerem milagres os espíritas e ser imprópria a qualificação, que lhes dão, de taumaturgos” - esclarece Allan Kardec. Foi ainda o Codificador que afirmou, com toda a força da sua autoridade moral e intelectual: “O Espiritismo não quer ser aceito cegamente, antes pede a discussão e a luz. Em vez da fé cega, que sufoca a liberdade de pensar, ele diz: a fé inabalável é somente aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da Humanidade. A fé precisa de uma base, e esta é o conhecimento perfeito do que se deve crer. Para crer, não basta ver, é preciso compreender.” (“O Evangelho segundo o Espiritismo”.)

            Em face do que determina o mestre Allan Kardec, para crer é preciso compreender, o que demonstra a necessidade de levar ao conhecimento da criança, no trabalho de educação, elementos absolutamente simples, que ela possa assimilar através da compreensão.

            Cada núcleo espírita é, por conseguinte, um posto de educação e deve criar ou pelo menos estimular, através de cursos complementares, o ensino moral da criança, tendo por base a religião espírita que é a religião do sentimento e da razão. “Para viver segundo a doutrina do Cristo, convém fugir, antes de tudo, da falsificação da fé em que se recebeu a educação. Para chegar a isto deve-se recordar que razão nos foi diretamente dada por Deus, e que só Deus pode unir todos os homens, enquanto as tradições humanas os desuniriam. Por isto, não só não se deve temer o exame da fé que nos foi inculcada na infância, mas, pelo contrário, deve-se submete-la a uma revisão minuciosa, comparando-a com outras religiões, para só admitir o que se acha de acordo com a razão, por mais antiga e solene que seja a tradição transmitida. Depois deste exame, quem quiser livrar-se da falsa religião inculcada em si, desde sua infância, deve repudiar tudo o que for contrário ao seu juízo razoável sem duvidar um só instante de que o contrário à razão não pode ser certo. Uma vez livre dessa mentira, aquele que quiser viver segundo a doutrina do Cristo, não deve, nem pela palavra, nem pelo exemplo, nem pelo silêncio, permitir o suborno das crianças; mas denunciar como lhe seja possível essa adulteração, conforme ensina o Cristo, que se apiedava dos pequenos, dos quais se ganha a confiança” - ensina com extraordinária sabedoria Léon Tolstoi, que, nessas palavras, anatematizou aqueles que se dizem cristãos e atraiçoam Jesus a cada instante, por não respeitarem as lições prodigiosas do Evangelho.

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