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sexta-feira, 12 de abril de 2019

A Questão Social




A Questão Social
Redação 
Reformador (FEB) Julho 1919

            Sistematicamente nos temos abstido aqui de discutir as questões sociais, certo como estamos de que, em suas modalidades quaisquer, elas constituem um epifenômeno (produto acidental, acessório, de um processo, de um fenômeno essencial, sobre o qual não tem efeitos próprios)  do mundo espiritual obediente a uma lei de causalidade imanente, que escapa quase por  completo a maioria dos homens e dos grupos de homens que se digladiam na faina de melhorar o mundo pelo mundo, como eles o concebem confinado na sua restrita visualidade.

            Para nós, de há muito, passou em julgado que a humanidade só progride porque Deus a conduz.

            Banida dos problemas em foco a ideia desse ascendente, para nós o único capaz de aproximar os homens e proporcionar-lhes tal ou qual equanimidade de consciência, todos os movimentos e agitações carecem de maior importância e ficam subordinados ao problema singular que resulta da nossa doutrina, propugnado pelos nossos Guias, isto é:- a melhora gradativa do homem, na compreensão de si mesmo em relação aos outros homens, e na compreensão dos destinos comuns em relação ao Universo.

            Mas, que será melhorar o homem? Será, só por só, cultivar-lhe a inteligência para a compreensão do mundo físico em sua fatalidade biológica e forrá-lo às vicissitudes da existência corporal sem atender-lhe aos reclamos incoercíveis, inalienáveis dessa alma que é a vivificação de si mesmo e de tudo que o cerca? Nós temos por certo que não. A luta pela existência em disparidade de meios e condições, não é consequência da exiguidade das leis humanas, porque estas são como frutos germinados da árvore dos costumes, de maturações periódicas e oportunas.

            A felicidade individual ou coletiva não se improvisa mas adquire-se, e, o que mais é: adquire-se penosamente, gradualmente, não em uma mas em muitas encarnações sucessivas. No tumulto das reivindicações emergentes, é curioso assinalar que todo mundo fala em direitos e regalias. Ninguém fala em deveres, ninguém pondera, traça, delimita obrigações, ninguém imagina que o bem estar, a comodidade, o arbítrio de um indivíduo ou de uma classe deixa de justificar-se e anula-se sempre que fere ou prejudica o bem estar, a comodidade, o arbítrio de outro indivíduo ou de outra classe.

            Certo, a Terra e quanto nela se contém, é patrimônio comum de seus habitantes; mas, em face da lei natural, a só diversidade dos seus recursos, fartos aqui, escassos além, indica a diferenciação do esforço a empregar para aqueles que são providencialmente chamados a povoá-la.

            Providencialmente, dizemos, porque aí se aplica, com critério superior, para o espírito, a lei da evolução pelo trabalho.

            Na verdade o progresso material dos mundos é também uma tarefa contingente aos espíritos em prova; mas o seu objetivo superior não é, não pode ser esse, exclusivamente, de repastar-se na vida material, por enche-la de mimos e regalos. O paraíso lendário, de estarrecimentos e molícias (falta de empenho, preguiça), se possível fosse realiza-lo, seria a petrificação da própria vida. A própria observação nos diz que a prosperidade material é muitas vezes- e íamos dizer quase sempre- um enervante perigoso para o espírito humano apático, cético, ignorante e orgulhoso.

            A lei da necessidade, encarada à luz dos ensinamentos espíritas, proclamada por quantos acrisolados (purificados) na prova dela saíram vitoriosos, é a melhor esmola que Deus ainda nos concede. E é julgando-a deste modo, que o espírito, ao retomar um corpo para novo estágio terrícola, escolhe o meio social e a função adequados ao seu progresso.

            Ele pode, nesse caso, optar por condição inferior à própria capacidade adquirida em outras existências, como prova de humildade voluntária ou ainda como meio de reparação de abusos cometidos. O que não pode é Iludir a lei nos compromissos assumidos.

            Entretanto, insensato fora não reconhecer ao homem o direito de melhorar, ou procurar pelo menos, melhorar a sua situação na Terra. É esse um dever e dever tanto mais plausível quando ele o faça tendo em vista o seu semelhante, dentro das normas justas de um bem entendido altruísmo. Estas normas não nos parece que estejam sendo colimadas na efervescência das paixões contemporâneas: Através de todo esse movimento que se traduz no “trabalhar menos para ganhar mais” lobrigamos (entrevemos) muita paixão mal sopitada (adormecida), muito idealismo inconsistente. De outro lado, vemos, o egoísmo se encastela irredutível, os que pediram a prova mais árdua do mando e da fortuna mal se ajustam à limitação de um supérfluo, para não dizer nocivo e irritante sibaritismo (desejo de luxo e prazeres). Autoridade é sinônimo de força e violência, fortuna sinônimo de insensibilidade moral e dissipação.

            Os que realmente sofrem a consequência dos seus erros e crimes, não querem sofrer; e os que gozam na obrigação indeclinável de melhorar a situação daqueles, esses querem gozar mais. Uns e outros, porém, esquecem-se de que há efetivamente um tribunal superior. Esquecem-se, ou antes ignoram, que acima do seu arbítrio e sobranceira ao seu esforço, paira a vontade daquele que criou e rege a infinidade de mundos e de seres. Não se apercebem, energúmenos e loucos sonhadores de uma liberdade fratricida, que só há uma escravidão a combater neste, de todos e para todos os tempos - a das paixões inferiores que geram esse egoísmo; egoísmo que, por sua vez, tumultua em todas as raças, castas, povos, sociedades e classes, porque jaz latente ou ostensivo no coração de cada indivíduo. Esse egoísmo individual só a nossa doutrina o combate e, ainda assim, pesa dizê-lo, com quanta dificuldade!

            Só por ela, de fato, chega o homem à compreensão racional de que direitos e deveres sociais, políticos, morais, humanos em suma, só vingam quando conjugados aquele Amor que O Cristo dizia ser “toda a lei e os Profetas”.

            Que esse conceito se dilate e penetre a consciência dos reformadores são os nossos votos, para que a tempestade das suas reformas não seja como aquelas que, no plano físico, passando, não deixam mais que escombros à perspectiva de novas tempestades.    
         
            Quanto a nós, aguardamos serenos o encadeamento de ideias e fatos, por confiantes na palavra do Mestre e Senhor, que disse: - e entre todas as gentes importa se pregue primeiro o Evangelho. (Marcos XIII:10)

            Cumprimos, assim, o nosso dever e tanto mais gostosamente quanto, mercê de Deus, já vemos em cada homem um irmão, não para a escassa luz de um dia planetário, mas para a luz eterna e definitiva da vida universal.

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