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quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Terapia do Futuro



Terapia do futuro
Hermínio Miranda
Reformador (FEB) Fevereiro 1980

            Em 1972 (junho, julho e agosto) "Reformador" publicou uma série de três artigos de minha autoria sob o título "Regressão de memória". No primeiro deles, entre outras especulações das muitas tas que o tema suscita sempre, conversamos, o leitor e eu, sobre os recursos terapêuticas da regressão para disfunção psíquica de variada natureza. Lembrei alguns casos de meu conhecimento em que inibições, fobias e desajustes emocionais foram solucionados ou atenuados por essa técnica que, aliás, não entra em choque com os métodos habituais da psicanálise freudiana; pelo contrário, acomoda-se a estes, com a única diferença fundamental de que introduz o conceito da reencarnação. Quanto ao mais, é a mesma metodologia da busca dos traumas na história pregressa do paciente e a consequente racionalização dos problemas, visando à eventual dissolução dos núcleos em que se acham incrustados.

            Vamos exemplificar o que isto significa com uma curiosa e inteligente observação do escritor Érico Veríssimo. Suponhamos, dizia ele, que você esteja em repouso no piso superior numa casa de dois pavimentos. De repente, você ouve um ruído lá embaixo. Talvez até você saiba que é o gato que derrubou alguma coisa no chão. Aí, porém, você não consegue repousar mais. Teria mesmo sido o gato? Quem sabe alguém entrou na casa com intenções criminosas? Estaria alguma coisa vazando? Será que a porta não ficou inadvertidamente aberta? Se a sua imaginação for mais ativa, você pode até imaginar um fantasma ou um fenômeno de "poltergeist". Em suma: é melhor levantar-se, descer a escada e certificar-se de que foi mesmo o gato que derrubou uma jarra. Só então você estará sossegado e poderá retomar seu repouso tranquilamente. Era o gato...

            Guardadas as devidas proporções, esse é o mecanismo de certas anomalias psíquicas. Pelas complicações emocionais que nos causam, pelas indefinidas inquietações que nos impõem e pelos temores que nos induzem, muitos deles exagerados ou francamente infundados não é difícil entender que problemas graves se agitam irresolvidos nas profundezas do inconsciente. Freud adotou o método da livre associação de ideias e lembranças, o estudo das mensagens oníricas, os lapsos de memória, de língua (falada ou escrita), enfim, uma série de recursos e artifícios para burlar a vigilância do consciente e penetrar nos arcanos do inconsciente em busca do núcleo perturbador, a que chamou de trauma. Com todo respeito pelo seu pioneirismo de genial desbravador da mente, força é reconhecer hoje que sua metodologia estava comprometida por sérias dificuldades operacionais – a lentidão e o caráter aleatório da coleta do material, bem como um bloqueio que, na maioria dos casos, frustrava suas expectativas de atingir o cerne da questão, ou seja, o seu dogma científico - se assim podemos dizer - de considerar o âmbito de uma única existência do ser humano.

            Dentro da rigidez desse esquema, o trauma poderia levar anos para revelar-se, ou nunca, pois o processo consiste em pescar uma ou outra agulha preciosa num imenso palheiro de recordações, de fantasias e de associações. Situação essa agravada, ainda, pelo fato de que o paciente é o primeiro a desejar, consciente ou inconscientemente, bloquear as lembranças traumáticas, exatamente porque teme enfrentá-las e sem enfrentá-las não conseguirá resolvê-las.

            Por isso, alguns críticos mais severos foram impiedosos com relação aos postulados básicos da doutrina freudiana, como Almir de Andrade ou Emil Ludwig, para citar dois mais antigos.

            Se o trauma estivesse localizado no contexto de uma existência anterior, lá continuaria porque o grande desbravador não estava preparado para admitir essa hipótese de trabalho. Carl Jung, seu discípulo dissidente, ainda que mais predisposto a tais aberturas deu inúmeras voltas em torno do edifício mas não quis bater à porta para ver o que havia lá dentro. Preferiu tangenciar pela teoria dos arquétipos, a do inconsciente coletivo outras geniais mas incompletas, formulações. Foi uma na pena, porque os dogmatismos de um e as relutâncias e hesitações de outro atrasaram o relógio da psicanálise em, pelo menos, meio século.

            Rogo ao leitor qualificado profissionalmente neste belíssimo campo de especulação científica que me perdoe as divagações, que não passam de reflexões de um leigo curioso e profundamente interessado na temática dos desarranjos mentais em geral, pelos seus aspectos humanos, pelas dores que acarretam, pelas aflições e perplexidades que causam direta ou indiretamente, a uma incalculável multidão de seres e que nós, espíritas, convictos da realidade inquestionável da reencarnação, não podemos deixar de pensar nos sofrimentos que poderiam ser poupados ou minorados se a terapêutica dos distúrbios mentais já houvesse incorporado ao seu arsenal clínico os conceitos das vidas sucessivas e da doutrina da ação e reação.

            Mas voltemos às observações iniciais deste artigo.

*

            Lembro-me de que na época em que saíram os estudos da série sobre regressão de memória não faltou quem questionasse a técnica como recurso terapêutico. Havia os que achavam que a simples identificação e racionalização de um episódio mais ou menos remoto não seria suficiente para desencadear um processo de cura pelo reequilíbrio mental ou emocional.

            Não obstante já em "Reformador' de outubro de 1970, em artigo intitulado "Psiquiatria e Reencarnação" (1), dávamos notícia de notáveis experiências do Dr. Denys Kelsey que, com a ajuda de Joan Grant, sua esposa, pesquisava nas vidas anteriores de seus pacientes essas verdadeiras garimpagens dos delicados e complexos mecanismos psíquicos que era preciso identificar e destravar para que o fluxo da vida pudesse seguir o seu curso normal.

            - Na verdade - escrevíamos então - quando a psiquiatria descobrir os conceitos fundamentais do Espiritismo e aplica-los com inteligência, os resultados serão realmente espetaculares. Que o diga o Dr. Kelsey.

            Pois, ao que tudo indica, estamos nos aproximando mais seguramente desse momento importante em que a aceitação de alguns enfoques básicos da Doutrina Espírita começa a produzir frutos promissores na terapêutica de dissonâncias emocionais. É justo destacar na fase preparatória das novas técnicas, o excelente trabalho de pesquisa e divulgação da Dra. Gina Cerminara, brilhante psicóloga americana, especialmente em seus livros “Many Mansions”, de 1950 (2) e “The World Whithin” de 1951.

            É claro que tais conceitos, pela força de seus impactos sobre alguns dos mais queridos dogmas científicos, precisam de algum tempo para maturação na mente daqueles que se dedicam à nobre tarela de minorar o sofrimento alheio. lsto é compreensível, porque as revisões são muito extensas e as reformulações muito profundas em teorias arraigadas e preconceitos não menos estratificados, mas é inegável que algumas conquistas importantes foram realizadas no sentido positivo.

            É, pois, uma alegria muito grande encontrar nas chamadas de um livro como o da Dra. Edith Fiore (3) expressões como esta: “A terapia da reencarnação é a chave. Seus problemas atuais podem, estar trancados na vida anterior!” Ou ainda: “Uma psicóloga pesquisa vidas passadas:”

            A Dra Fiore concluiu seu doutorado em Psicologia na Universidade de Miami e é membro da American Psychological Association of Clinical Hypnosis e da Academy of  Clinical Hypnosis”, de São Francisco.

            - Meus pacientes e sujeitos, diz ela, mergulharam em existências anteriores, a fim de encontrar as origens de seus talentos, habilidades, interesses, forças e fraquezas, bem como sintomas e problemas específicos. A tapeçaria das nossas vidas é tecida com fios muito antigos e o desenho é complexo.

            Ao escrever o seu livro, a Dra. Edith Fiore ainda não se confessa totalmente convicta da realidade da reencarnação - o que é, no mínimo, muito estranho em vista dos resultados que vem obtendo com as suas experiências. Prefere a incômoda posição de quem não crê e nem descrê.

(1) Incorporado ao livro "Reencarnação e Imortalidade", edição FEB, 1976.
(2) Veu o artigo "A Cereja e a Lesma", em "Reformador" de julho de 1975, págs, 147 e seguintes.
(3) "You Have Been Here Before" ("Você esteve aqui antes"), Ballantine Books, fevereiro de 1979.

            Contudo, prossegue, a cada dia que observo mais e mais pacientes e exploro vidas passadas, vejo-me crescentemente convencida de que estas não são fantasias.

            Simples cautela científica, respeito humano, concessão à opinião dominante?

            É preciso dar tempo ao tempo. A ilustre psicóloga declara na introdução de seu livro que há dois anos ela estava "totalmente desinteressada da ideia da reencarnação”. Uma tarde, porém, “testemunhei algo que afetou radicalmente minha vida profissional e minhas crenças pessoais". Tratava ela, pela hipnose, de um paciente que sofria de terríveis inibições de natureza sexual.  

            Quando ela pediu ao homem, já hipnotizado, que fosse às origens dos seus problemas, ele disse:

            - Duas ou três existências atrás fui padre católico.

            Contou ele, a seguir, suas experiências como sacerdote italiano) no século XVII. A doutora, porém, sabedora de que o homem era reencarnacionista achou que a narrativa, "colorida por larga medida de emotividade, era fantasista”. A questão é que o homem curou-se dos seus distúrbios e a psicóloga anotou que acabara de descobrir um novo "'instrumento” terapêutico, ainda que não convencida de seus fundamentos.

            Casos semelhantes foram ocorrendo e, pouco a pouco, acomodando-se dentro de um contexto coerente, a partir do qual, mesmo considerando a ideia como simples hipótese de trabalho, a Doutora Fiore passou a distinguir algumas constantes que
assumiam a força de verdadeiras leis. É certamente por isso que a despeito de tão pouco tempo de experimentação já está ela em condições de declarar, como o faz no pórtico de seu livro, que:

            - Em meu trabalho com a teoria da Reencarnação estou observando que não há um só aspecto do caráter ou do comportamento humano que possa ser mais bem compreendido através do exame de acontecimentos de vidas anteriores.

            Sem dúvida alguma, a autora está bem consciente da importância do seu “achado” e das riquíssimas possibilidades que abre para a terapia dos distúrbios emocionais, bem como do amplo território que tem diante de si a explorar. “Escrever este livro - diz ela – foi apenas o começo para mim.

            Estamos de acordo, pois sabemos das surpresas e dos ensinamentos que aguardam a Dra. Edith Fiore ao longo do caminho. Creio, igualmente, legítimo supor que ela está muito mais convicta do que deseja admitir pois, do contrário, não teria arriscado sua reputação profissional escrevendo um livro tão sério e revolucionário em termos de ortodoxia científica), com apenas dois anos de observação. O leitor mais bem informado quanto aos fundamentos da Doutrina Espírita identifica suas surpresas e percebe que para certos aspectos que suas experiências vão revelando, ela não possui ainda uma teoria consolidada. Como também nota que certos desdobramentos são para ela inesperados e insólitos, tal - por exemplo - a atividade do ser (desencarnado) entre uma existência e outra.

            Quanto aos seus métodos de trabalho, vemos que emprega uma técnica impecável, segura, competente, cautelosa. Ela não força ninguém às regressões que são promovidas sempre com pleno conhecimento e consentimento do paciente. Uma vez ficou decidido seguir por essa via, ela explica como a coisa funciona, procurando remover temores infundados mesmo porque há sobre a hipnose noções completamente errôneas e mesmo insensatas. Ela assegura, por exemplo, ao paciente ainda em estado de vigília, que ele estará sempre no controle da situação, seja conscientemente, seja através do subconsciente.

            Lembra ela, ademais, que ao aprofundar-se na zona crepuscular das vidas anteriores, o paciente irá reviver problema traumatizantes e complexos, tais como severas depressões, sentimentos de culpa, desconforto físico e outras dificuldades dessa natureza. É indispensável que tais situações sejam tratadas com pericia, cabendo ao terapeuta conduzir a regressão com paciência e tato, proporcionando o conforto da sua presença), do seu apoio e da sua compreensão nos momentos críticos. Não deve, ainda, forçar o paciente a ir além do que permitam as suas forças. No momento oportuno ele dará o passo definitivo. Deve ter sensibilidade para identificar esse momento e ajudar o paciente a vencer suas últimas inibições e bloqueios sem, contudo, molestá-lo.

            Importantes contribuições a esse trabalho são a prece, para se alcançar a necessária cobertura espiritual e o passe, recurso de ajuste magnético para fortalecer, despertar, ou  aprofundar o transe anímico. Sobre isso, porém, nada diz a autora.

            Creio conveniente a esta altura ilustrar os métodos da Dra. Edith Fiore com a súmula de um dos vários casos que ela apresenta no seu livro.

*

            Chamava-se Elizabeth a moça. Uma jovem senhora, casada, mãe de três filhos. Sua aparência falava de seus conflitos: gordíssima, displicente, metida em apertada calça, tipo “jeans”,  uns dois números menores do que ela deveria usar, uma blusa de malha escura, tênis nos pés, cabelos cortados rente , pretos com salpicos grisalhos: Não era preciso dizer que se tratava duma criatura infeliz e frustrada. Sua preocupação maior, no momento, era o controle do peso. Tomara-se um joguete de temores indefinidos, de inexplicável sentimento de culpa. Há algum tempo sofrera terrível crise de depressão, que a deixara prostrada durante três anos. Passava horas sentada, imóvel, ou então lia deitada. Qualquer esforço era demais ela. Saltava de uma doença para outra. Quando se livrou da úlcera manifestou-se uma tireoídite e assim por diante. Era o desespero dos psiquiatras que não tinham mais o que dizer a ela. Prescreviam lhe tranquilizantes e antidepressivos, que ela tomava alternadamente segundo seu estado.

            Ela própria admitia que seus problemas somente poderiam resultar de situações vividas em existências anteriores, porque nada havia nesta que os justificasse. O marido era excelente e tolerava com paciência as suas mazelas; os filhos normais e sadios.

            Ela abominava qualquer forma de violência, passava mal à vista de sangue derramado. Sua maior ansiedade, porém, era o terror de chegar em casa e encontrar os filhos feridos ou molestados de qualquer forma. Nas poucas vezes em que admitia sair de casa com o marido, chegava ao absurdo de pedir a ele que entrasse primeiro, ao regressar, a fim de verificar se estava tudo bem.

            Como se vê, uma ruína humana. Ouvira falar do trabalho da Dra. Fiore e resolveu fazer mais uma tentativa, talvez a última, pois além daquilo, nada mais lhe restaria. Reagiu, porém, quando a psicóloga começou a prepará-la para a hipnose. Havia nas profundezas do seu ser mais um medo; o de descobrir a origem de seus medos. "Talvez eu esteja certa em me sentir culpada... - comentou - algo que não possa ser mudado." Queria desistir do tratamento antes mesmo de começa-lo. Era melhor deixar as coisas como estavam. A psicóloga agiu com tato e prudência, sem forçar. Argumentou, citou exemplos e a convenceu a recomeçar a indução hipnótica. Deu-lhe algumas sugestões e a despediu com uma gravação que continha instruções para relaxamento em casa durante a semana.

            Elizabeth não foi uma cliente fácil como tantos outros cujos problemas se resolviam com uma sessão ou duas. Semana após semana ela vinha ao consultório, sempre confusa, hesitante, cheia de temores. Via-se, nos sonhos, constantemente apavorada, a subir relutantemente as escadas de uma casa antiga, mas nunca reunia coragem suficiente para abrir a porta do sótão. Atrás daquela porta havia coisas terríveis que ela não sabia definir, mas que a deixavam em pânico. Acordava aflita e ainda mais angustiada.

            Nesse interim, continuava a resistir à indução hipnótica.

            A psicóloga dispôs-se a prepará-la para vencer essa inibição, dando-lhe a sugestão de que estivesse “pronta para encarar os acontecimentos causadores dos seus problemas”. Na sessão seguinte, quando começou a mergulhar no transe, acordou sobressaltada, recuando mais uma vez. Não tinha coragem. Passou duas semanas horríveis, mais deprimida do que nunca.

            Finalmente, conseguiu o relaxamento necessário para identificar uma existência no século XIX. Europeia de nascimento, vivera na Índia uma experiência altamente traumática, ao assistir impotente a um incêndio destruir um orfanato, matando todas as trinta crianças que ali estavam sob sua responsabilidade.

            O episódio explicava o temor que ela sempre teve de perder o marido, pois quando o incêndio lavrou, o marido estava fora. Não era ainda ali que estava o núcleo dos seus problemas. Em outras experiências, ela relembrou existências em que vivera duas vezes como marujo e uma em que fora a negligenciada esposa de um capitão de navio.

            Ainda não era tudo, porém, pois, evidentemente, ela continuava a andar em círculos em torno das lembranças mais terríveis, sem coragem de aproximar-se delas. A dramática narrativa somente emergiu na 14ª sessão, quando, afinal, rompeu-se o dique, ainda assim, após hesitações e recuos que a psicóloga soube contornar com extrema habilidade e alguma firmeza.

            A história fora a seguinte: Chamava-se Sara e vivia com a cunhada e três filhos desta. A lembrança é daquele dia em particular que a marcou mais fundo, como sempre acontece nesses casos.

            A cunhada era uma criatura difícil, amargurada, infeliz e negativa. O marido (irmão de Sara) nada ligava para ela, trabalhava longe e pouco aparecia em casa. Naquela noite haveria uma festa numa propriedade vizinha e Sara, naturalmente, queria ir. Tentou convencer a cunhada a ir também e levar os filhos, mas a outra foi irredutível. A moça ajudou a arrumar as crianças e resolveu ir de qualquer maneira. Cantou, dançou, divertiu-se
bastante. Ao regressar, já altas horas da noite, a casa estava silenciosa e às escuras. Uma sensação de mal-estar começou a dominá-la. Subiu a escada e, depois de muita hesitação, já em pânico, abriu a porta do quarto lá em cima (a famosa porta dos seus pesadelos). A lâmina de madeira bateu em algo duro no chão que rolou para um lado. Era a cabeça da cunhada. Havia sangue e desordem por toda parte e tanto ela como as crianças estavam esquartejadas e decapitadas. Tudo quebrado e desarrumado, um horror! Só havia uma pessoa capaz de fazer aquilo - o irmão de Sara. Aliás, ela ouviu, ao chegar, passos de alguém escapando pelos fundos, rumo à floresta. O irmão era um homem desequilibrado, dado à bebida. e impiedoso com os animais. Rancoroso, mal-humorado e agressivo.  

            Se antes ela estivera com aquela sensação de que não deveria ter ido à festa, agora o peso da culpa lhe caíra todo sobre os ombros. Era como se ela houvesse cometido aquele crime hediondo. Se houvesse ficado, talvez alguém se ferisse mas, certamente, não teria ocorrido o massacre.

            Nada mais havia a fazer. Encheu-se de fria e determinada coragem e partiu a pé para a cidadezinha, a fim de comunicar o tétrico acontecimento ao xerife.

            - Você não está com medo? - pergunta-lhe a psicóloga.

            - Sinto-me mal. Não estou com medo. Não há nada neste mundo que alguém possa me fazer...  que me ferisse ainda mais do que isso.

            Depois disso, perdeu o juízo (“creio que fiquei um tanto maluca”) e foi internada num sanatório onde passou o resto de sua dolorosa existência.

            As agonias, as frustrações e os remorsos daquela vida transbordaram para a atual, sob forma de inibições e angústias indefiníveis. No fundo, sentia não ter direito a nenhuma alegria, nem à saúde, nem aos prazeres naturais da vida em comum numa família normal e equilibrada. A psicóloga definiu assim a sua posição:

            - Em outras palavras, você acha que não merece divertir-se porque antes, quando você se divertiu, veja o que aconteceu.

            - Nunca deveria ter ido - foi a resposta.

            A seguir, a psicóloga pediu as identificações.  O irmão atormentado era agora pai de Elizabeth, a jovem senhora gorda. O mesmo temperamento agressivo, sombrio, rancoroso. O mesmo hábito de beber, os mesmos impulsos de violência. A cunhada voltou como sua mãe. Quanto a ela assumira a responsabilidade pelas crianças, que eram os seus filhos atuais.

            Elizabeth tinha agora o drama todo à disposição do seu consciente para exame, crítica. e racionalização. For mais trágica que fosse, a narrativa fazia sentido e se encaixava com assombrosa precisão no contexto da vida atual.

            Daí em diante, as coisas começaram a mudar para ela. O primeiro temor a vencer foi o de deixar os filhos sozinhos em casa. Numa daquelas primeiras semanas, após a tremenda catarse - que durou mais de uma hora -, ela foi ao teatro com o marido, na vizinha cidade de San Francisco. Ao voltar, só percebeu que havia entrado direto em casa depois que já estava lá. Pela primeira vez não pedira ao marido para ver se estava tudo bem.

            Em seguida, começou a perder peso - quase três quilos numa única semana! Na visita seguinte ao consultório da psicóloga, apareceu com um vestido mais feminino, feito por ela mesma, de um tecido estampado. Deixara, de lado o feio “uniforme” das “jeans”, a blusa de malha e o tênis. Começou a sorrir e a redescobrir a vida. Estava curada.

*

            Aliás, a Dra. Edith Fiore também está fazendo notáveis descobertas.

            - A descrição do intervalo entre duas existências, segundo o fascinante relato de meus pacientes, escreve ela, mais para o final do livro - terá que aguardar uma publicação futura. É um Livro por si só!

            Diz ela que uma das características importantes dessas narrativas sobre a morte é que a consciência persiste sem interrupção.” Há aquela sensação de flutuação e, após,  alguns momentos sozinhos, já na condição de espíritos desencarnados, seus pacientes falam da presença de companheiros espirituais. Alguns apresentam emocionadas reações de alegria ao se lembrarem desses reencontros.

            Vejamos o fragmento de um desses diálogos.

            - Você ainda está no corpo' - pergunta a psicóloga.

            - Não.

            - Está sozinha aí, na sua forma espiritual?

            - Não. Meus guias já chegaram. (Há evidente alegria no rosto da paciente.)

            - O que eles dizem a você? O que transmitem a você?

            - Vieram para levar-me para casa.

            - Quantos são?

            - Cinco.

            - Parecem familiares a você?

            - Sim, naturalmente.

            - Por quê?

            - Porque são meus guias. Sempre estão aqui quando venho para casa.

            - São sempre os mesmos?

            - Sim.

            - Há alguém mais aí?  Outros espíritos a quem você reconheça a não ser os guias?

            - Sim. Meus parentes.

            - Eles se comunicam com você?

            - Sim. Eles me ajudam a compreender que não sentem mais nenhuma dor.

            Quantas vezes os espíritas têm ouvido diálogos semelhantes entre os espíritos incorporados e seres encarnados...

            Em outro caso, que a Dra. Fiore considerava “uma das mais extraordinárias experiências, um paciente descreve a morte da avó, que ficara um pouco mais do que ele na carne. Em outras oportunidades, a psicóloga testemunhou conflitos entre as crenças religiosas de seus pacientes e a realidade do mundo espiritual.

            O importante de tudo isso é a consistente convicção da sobrevivência que ela confessa ter encontrado em tantos depoimentos espontâneos concordantes.

            - É maravilhoso saber - disse um deles - que quando a gente morre, é apenas um novo começo.

            No capítulo final, a Dra. Edith Fiore expõe breves observações pessoais, dizendo que embora a questão da reencarnação não esteja definitivamente resolvida para ela (!) já não se sente bem com o seu antigo agnosticismo. Cita o livro do Dr. Ian Stevenson (“Vinte Casos Sugestivos de Reencarnação”), e os da Dra. Gina Cerminara (“The World Whithin”, “Many Mansions”, “Many Lifes, Many Loves”), declarando que as conclusões dessa eminente psicóloga são coerentes com as suas observações clínicas.

            As pesquisas prosseguem e novos livros estão prometidos.

            Alegremo-nos, aqueles de nós que começam a entender a vida, A terapia do futuro está chegando aos consultórios.

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