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quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

O Bispo e os Espíritos



O Bispo e os Espíritos
por Hermínio Miranda
Reformador (FEB) Julho 1970

            - Papai, acabo de tomar uma dose de LSD. Será que você quer sentar-se comigo e me guiar na minha “viagem”?

            A pergunta era dirigida ao famoso Bispo da Califórnia, James A. Pike, do ramo americano da Igreja Anglicana. Não havia outra coisa a fazer senão ajudar Jim na sua aventura alucinante sob o efeito da droga. Não era mais segredo para o Bispo que seu filho de 19 anos de idade há algum tempo vinha tomando drogas. Tudo havia sido feito para subtrair o rapaz daquele pesadelo. No momento em que a pergunta lhe foi dirigida, encontravam-se pai e filho na Inglaterra, afastados do resto da família que ficara nos Estados Unidos. Era uma tentativa a mais de quebrar o hábito maldito de fugir a realidade que o jovem Pike adotara.

            Seu pai já fizera todos os exames de consciência para procurar saber onde havia falhado, passara por todas as aflições por ver assim truncado o destino do filho para o qual certamente sonhara com realizações até mesmo superiores às suas próprias.

            A narrativa, densa e dramática, duma sinceridade e franqueza comoventes, está no livro intitulado “The Other' Side” (“O Outro Lado”), publicado em 1968 nos Estados Unidos. O Bispo Pike morreu tragicamente no ano seguinte, quando em viagem pela Terra Santa. A sua grande paixão era escrever sobre as origens do Cristianismo. Foi uma figura eminente na sua Igreja. Dinâmico, muito combativo e franco no expor suas opiniões, teve problemas com colegas e superiores mais ortodoxos que certa vez chegaram a julgá-lo por heresia.

            Depois de uma temporada em Londres, onde pai e filho conviveram por alguns meses, fazendo intenso estudos universitários, resolveram regressar separadamente aos Estados Unidos. O pai para participar de uma convenção de sua Igreja (depois retomaria à Inglaterra) e o filho para matricular-se na Universidade de São Francisco.

            Estava o Bispo oficiando na sua igreja quando recebeu como uma punhalada a notícia de que Jim suicidara-se num quarto de hotel em Nova Iorque.

            A tragédia atingiu em cheio aquele homem de sensibilidade e cultura, membro destacado de uma organização religiosa que, no entanto confessa que não tinha condições de dar nenhum conforto à família “na base de uma crença na vida após a morte”. Não será a única vez no livro que declara essa posição de descrença em face da sobrevivência do espírito, a despeito de ser líder religioso de uma extensa comunidade cristã. Já dissera páginas antes que “à falta de outra evidência ... tinha de admitir, com toda a honestidade, que não dispunha de dados suficientes sobre os quais pudesse basear uma afirmação de vida após a morte”. Certamente toda a estrutura do pensamento religioso que constituía objeto de sua vida e de sua pregação, é baseada na crença de que nós sobrevivemos à morte do corpo, mas crença não é evidência, e, para um espírito lúcido e habituado ao trato das ideias, não basta a crença quando o homem confronta com o problema da morte.

            Nessa altura, porém, a dramática história do Bispo Pike estava apenas começando. De volta à Inglaterra para dar prosseguimento aos seus estudos, levou seu capelão Davíd Barr e a Sra. Maren Bergrud, da Diocese da Califórnia, e que já uma vez o ajudara a preparar um dos seus vários livros. 0s três foram ocupar o mesmo apartamento onde por algum tempo viveram Pike e o filho.

            Uma noite, ao entrarem em casa, encontraram, sobre o chão, dois cartões postais colocados de modo a formarem um ângulo de 140 graus. {Mais tarde descobriu-se que a posição dos cartões indicava - ou pelo menos coincidia com a posição dos ponteiros do relógio no momento em que Jim se suicidara). Naturalmente que Jim tinha mania de cartões postais e a primeira coisa que fazia, ao chegar a uma cidade em visita, era comprar alguns deles que, segundo o pai, jamais punha no correio. Era estranho encontrar aqueles cartões, e a mulher que fazia a limpeza do apartamento afirmou categoricamente que nada tinha a ver com eles. Era de toda a confiança, honesta e muito cuidadosa em tudo quanto fazia. O incidente, embora estranho, não tinha grande significação. Ou pelo menos assim pensaram todos e Pike confessa que “jamais nos ocorreu que ele (Jim) poderia, de alguma forma, estar relacionado com os cartões”.

            Na terça-feira, 22 de Fevereiro, outro estranho acontecimento: a Sra.Bergrud apareceu de manhã para o café com parte de seus cabelos queimados. A surpresa foi grande e geral. Inclusive dela mesma que ainda não dera pelo fato. Uma mecha na altura da testa fora queimada em linha reta, ficando com as pontas pretas, mas nenhum sinal havia de queimadura na pele. Mistério.

            Na manhã seguinte novas porções do cabelo da Sra. Bergrud apareceram também queimadas. Depois de muita especulação ela parecia conformada e disse;

            - Bem, algumas pessoas não gostavam de meu cabelo em franjinhas mesmo; por isso talvez seja melhor assim como está.

            A frase sacudiu Pike, pois ale se lembrou perfeitamente de Jim comentando com ele certa vez que não gostava das franjinhas de Maren e chegara mesmo a propor a ela que os cortasse.

            Dias depois, a Sra. Bergrud amanheceu com ferimentos sérios nas mãos. Parecia que um instrumento perfurante havia sido introduzido sob suas unhas. Uma estava quebrada e realmente caiu mais tarde; outra não se quebrara, mas a carne sob ela estava ferida.

            Na discussão que se seguiu e na preocupação com os curativos, não observaram senão depois que o resto das franjinhas da Sra. Bergrud tinha desaparecido!

            Eram apenas os primeiros fenômenos, as primeiras manifestações evidentes de um Espírito em desespero e confusão, tentando transmitir, a pessoas inteiramente despreparadas para o problema, sinais de sua sobrevivência.

            - Eu apenas gostaria - diz o Bispo aos seus amigos -- de compreender o que está acontecendo aqui.

            No meio da conversa que se seguiu, descobriram que o próprio Bispo - ao que tudo indica para nós espíritas - tinha servido de médium a uma manifestação do Espírito do filho. Para grande surpresa sua e de seus amigos, não se lembrava absolutamente de nada do que dissera em estado de transe, mas os pensamentos expressos foram muito chocantes para os que ouviram as palavras pronunciadas, pois revelavam atitudes mentais inteiramente diferentes das habituais no Bispo. Segundo lhe contaram, Pike, depois de deitar-se à noite, sentara-se na cama e começara a falar daquela maneira estranha, como se estivesse monologando. Não seria difícil reconhecer naquelas palavras a expressão do pensamento de Jim e não do velho Pike, razão pela qual a Sra. Bergrud ficou tão chocada ao ouvi-las pronunciadas pelo seu amigo, pois desconhecia totalmente a origem e razão do fenômeno.

            Píke começou então a admitir a possibilidade de que aquela série de acontecimentos tivesse a ver algo com o filho morto. Mas por onde começar a investigação cuidadosa e consciente dos fatos? Nenhuma ideia, nenhum preparo, nenhuma orientação. Era um Bispo protestante, dedicara toda a sua vida à Igreja e à sua teologia e certamente sempre tivera o hábito de por de lado sem exame, os fenômenos e as referências que tivessem qualquer relação com o mundo dos Espíritos. Ouvira falar, por exemplo, em “poltergeist”, mas não tinha ideia precisa do que fosse. Ao que se lembrava vagamente a coisa tinha algo a ver com distúrbios provocados pelo Espírito de uma pessoa morta na casa onde residira em vida. Seria isso? Viu-se então, “pela primeira vez, diante da possibilidade real de que a fonte de tudo quanto estava acontecendo poderia ser o meu filho - morto, mas ainda vivo”.

            Esse ponto era uma encruzilhada e não faltou ao Bispo Píke a coragem necessária para seguir adiante nas suas pesquisas, estranhas e desusadas pesquisas para um “príncipe” da igreja Reformada. Suas confissões são às vezes de comovente sinceridade: Custei muito a acertar a possibilidade de que se tratava de Jim, pois não acreditava que ele continuasse a viver”. (Grifo meu). E mais: nem Maren, sua secretária, nem Davíd, seu capelão, acreditavam na vida póstuma! “Contudo, diz Pike, não podíamos pensar em outra explicação - resultado, que agora compreendo - da nossa ingenuidade e da falta de sofisticação em relação a todo o campo dos fenômenos psíquicos”.

            A quem recorrer numa emergência dessas? Lembrou-se então do Reverendo Pearce-Higgins que entendia dessas coisas em virtude de suas experiências psíquicas e da sua participação na organização de sua igreja que patrocina essas pesquisas.

            E assim, na manhã de 28 de Fevereiro, o Bispo Pike ligou para o Reverendo Pearce-Higgins, narrou-lhe os acontecimentos e pediu orientação.

            Pearce-Higgins explicou ao eminente amigo, neófito em coisas dessa natureza, que havia duas explicações plausíveis para os fenômenos: ou eram expressão de uma hostilidade a alguém que viera ocupar a casa em que vivera o Espírito, ora desencarnado, ou recursos para chamar a atenção de alguém. Em suma, para encurtar a história, Pearce-Higgins marcou hora para o Bispo Pike com uma médium muito conhecida em Londres, a Sra. Ena Twig, e, através dela, Pike pode, afinal, conversar, digamos assim, face a face com o filho morto.

            Os preconceitos do Bispo em relação à prática mediúnica começaram a cair. Esperava encontrar, na casa da Sra. Twig cortinas pesadas, abajures de seda com babados, ornamentos exóticos e uma semiobscuridade atravancada de objetos e móveis; enfim, a caricatura cinematográfica e anedótica da mediunidade. Ao contrário, o cômodo era tão simples e comum que, ao escrever seu livro, mais tarde, ele nem se lembrava dos pormenores para descrevê-lo.

            Seria impraticável reproduzir toda a conversação e aquela natural aflição por dizer muita coisa em poucas palavras, num espaço exíguo de tempo. É fácil, porém, imaginar a cena! de um lado da vida, o filho suicida recém-retirado de uma existência sem horizontes sob a terrível pressão das drogas; de outro lado um pai aflito, presenciando um fenômeno que lhe era inabitual e ao qual apenas umas semanas antes jamais teria pensado em assistir, muito menos provocar.

            A sessão contou com a presença algo surpreendente do Espírito do eminente teólogo Paul Tillicb, amigo de Pike e que parecia estar ajudando Jim no mundo espiritual. O Bispo sentiu um verdadeiro choque emocional ao ser revelada a presença do seu grande amigo, recentemente desencarnado. E ainda: como é que a médium poderia saber que o novo livro de Pike, que estava sendo lançado naquele momento nos Estados Unidos, tinha uma dedicatória a Paul Tillich?

            - O rapaz - disse Tillich - era um visionário, nascido fora de seu tempo. Encontrou
uma sociedade desconcertante na qual a sensibilidade é classificada como fraqueza.

            A uma pergunta do Bispo sobre se seria boa coisa divulgar a realidade da sobrevivência e da comunicabilidade a resposta veio de Paul Tillich e muito cautelosa:

            - O fogo na planície pode causar o caos se não for controlado. Trabalhe cuidadosamente mas conserve em mente a palavras -: “Conhecereis a verdade e a verdade vos líbertará!”

            E nesse tom terminou a primeira sessão mediúnica a que assistiu o Bispo James A. Pike.

            Daí em diante, atirou-se ele com disposição e inteligência ao estudo dos fenômenos, à leitura de livros e aos contados com quem pudesse instruí-lo sobre a matéria. Voltaria a servir-se de médiuns, tanto na lnglaterra como nos Estados Unidos. Sob estranhas condições, tal como previra o Espírito de seu filho, encontraria nos Estados Unidos uma organização, também ligada à Igreja, que o ajudou nos seus estudos.

            E aqui vemos, em toda a sua crua realidade, as dificuldades que enfrenta o conhecimento da verdade que, segundo o Cristo, um dia nos libertará. Aquele homem notável, Bispo de uma grande comunidade cristã, autor de livros de sucesso na sua especialidade, pregador eminente de uma doutrina arrolada no fato básico da sobrevivência do Espírito humano, confessa não acreditar nessa ideia e admite jamais ter lido um único livro ou ensaio que cuidasse de qualquer aspecto da experiência psíquica, hoje tão amplamente divulgada.

            O resto do livro - e são ainda cerca de 200 páginas das 300 e tantas que o compõem - é uma narrativa fiel, descrevendo passo a passo a longa e penosa busca da verdade contida no fenômeno psíquico tão familiar aos espíritas.

            Sua primeira surpresa foi a extraordinária quantidade de livros existentes sobre o assunto, que até então lhe passara inteiramente despercebida. Sua conclusão, depois de muito estudar, meditar e assistir a manifestações de variada natureza, se resume, em suas próprias palavras, da seguinte maneira: Minha experiências pessoais, juntamente com os fatos que fui levado a pesquisar, como resultantes delas - tanto quanto as análises feitas por cientistas respeitáveis nos seus campos de atividade que também dedicaram cuidadosa atenção aos dados em mais de uma área psíquica - me habilitam a afirmar a “vida após a morte como coisa “natural” a esperar-se da psique humana que parece estar desde já na vida eterna. Prossegue dizendo que essa era uma afirmativa que ele não estivera em condições de fazer no seu último livro. E mais: que as crenças suscitadas pela evidência dos fatos eram poucas na verdade, mas baseadas em fundações muito sadias e experimentais.

            Deve causar-nos verdadeira revolução interior descobrir que tudo aquilo quanto serviu de base, à estrutura do nosso pensamento e da nossa vida, de repente não serve mais. E que a nova verdade descoberta precisa ser meditada, encaixada no arcabouço das nossas ideias e finalmente proclamada, num depoimento leal e sincero. É necessário abrir espaço para ela em nosso espírito e jogar fora as velharias que o atravancam e obscurecem. Por isso, o Espírito do jovem Pike, depois de aquietadas as suas angústias no novo plano de vida e certamente muito ajudado pelos seus amigos, declarou através da mediunidade de George Daisley:

            - Sinto-me tão feliz ao verificar que você resolveu enfrentar o desafio... estimulando outros a saírem em busca dos seus entes queridos. Diga-lhes para terem todo o cuidado na verificação dos fatos.

            E mais adiante:

            - Estou esforçando-me duramente para aprender que estar morto é na realidade estar mais vivo. É uma excelente ideia essa de narrar os fatos. Já há muito deveria ter sido feito isso.

            E, uma a uma, começam a chegar as verdades que a Doutrina Espírita já nos ensinou a tanto tempo. Por exemplo: numa tentativa de entrar em contato com o Espírito de Marem Bergrud, sua secretária, que também se suicidara, o Bispo é avisado de que ela ainda está muito confusa e sem condições de falar. Os Espíritos estavam cuidando dela com todo o afeto e atenção, mas Maren sofria bastante e estava mergulhada num estado de grande confusão mental. “Isto era perturbador - escreve Pike - mas refletia o que eu aprendera ser comum: que aqueles que morrem de morte violenta, ou que se suicidam, encontram maior dificuldade em ajustarem-se do outro lado.

            Ao cabo de algum tempo e depois de um programa gravado para a televisão canadense com famoso médium Arthur Ford, a coisa explodiu na imprensa como uma bomba, nas manchetes escandalosas: O Bispo Pike afirmava ter conversado com o filho morto. Como se fosse a maior novidade do mundo alguém conversar com Espíritos...

            A reação de amigos, conhecidos e desconhecidos, foi pronta e abundante. Cartas, telegramas e telefonemas choviam sobre o Bispo. Uns para ajudar, para oferecer consolo. Sugestões, narrar fatos semelhantes; outros para dizer os maiores abusos e impropérios. Um colega sacerdote escreveu um artigo para “provar” que Pike não havia falado com o Espírito do filho e sim com o Demônio. Nesse artigo, até mesmo fatos que eram do domínio público, porque haviam sido narrados pelos jornais, estavam truncados. Uma lástima... Quem poderia, no entanto, convencer um pai de que o Espírito com quem falou era do Demônio e não do seu filho? Não conhecemos os modismos, as expressões, as tendências, as preferências e antipatias dos nossos filhos?

            Muitos cristãos, comenta Pike, algo aturdido, não acreditam na comunicabilidade dos Espíritos, mas aceitam a “ressurreição” do Cristo. Era de esperar-se, prossegue, que esses cristãos acolhessem com enorme alegria a “prova de que a sua fé não é em vão”. Em lugar disso, a reação é predominantemente negativa, cheia de paixão e intolerância.

            Ao cabo dessa longa e penosa aventura, o Bispo estava convencido da sobrevivência do seu filho Jim. Muitas perguntas ainda lhe restavam sem respostas adequadas, mas é de admitir-se que depois de uma vida dedicada aos dogmas e ao pensamento ortodoxo que imobilizou em fórmulas o Cristianismo do Cristo, muita coisa ficasse mesmo por compreender e aceitar. Agora, porém, o Bispo James A. Pike também se encontra no mundo espiritual. Lá está, certamente, dando prosseguimento aos seus estudos e pesquisas. Algum dia ele voltará como Espírito manifestante ou reencarnado para contar o resto do seu drama. Vai ser uma história muito conhecida de todos nós espíritas: a de que o Espírito preexiste, sobrevive e reencarna-se. Que as leis de Deus são justas e infalíveis e não eivadas de dogmatismos intolerantes. Que somos todos irmãos em busca de luz e de paz.



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