A Resignação
é Força Espiritual
Vinélius Di Marco (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) 1955
Constitui assunto interessante o
problema da resignação. Para muitos, resignar-se significa adotar atitude
passiva em face da vida, renunciar a qualquer espírito de reação justa e digna,
numa tentativa de reequilíbrio moral ou material, conforme o caso. Entre a
resignação ativa e a resignação passiva, é grande a distância. Há necessidade
de penetrar bem o sentido evangélico dessa atitude de conformação, para se
assimilar o legítimo pensamento de Jesus. Aqueles que, iludidos por errôneas
interpretações dadas ao Cristianismo do Cristo, não puderam ainda vislumbrar as
fulgurações do pensamento cristão, ficaram estacionados na letra dos textos,
incapazes de perceber a expressão do espírito
que ela encobre. Jesus jamais pregou o desânimo e a passividade. Sempre foi sereno
na fé, corajoso na serenidade e senhor de si. Em ocasião alguma deixou de
reagir, ainda mesmo quando desdobrava sobre seus atos o manto diáfano da
resignação. Pode parecer paradoxal o que dizemos, mas a verdade é que Jesus
ensinou às criaturas que a resignação não é o desânimo, assim como a reação não
é a revolta nem o desespero. Sua passagem pela Terra foi maravilhoso exemplo de
energia fecunda e atividade realizadora.
Através da bela linguagem
parabólica, confirmou sua dinâmica atividade no trabalho pela iluminação do
espírito humano. Sua ação foi sempre positiva, ainda mesmo quando, no suplício da
cruz, convocou as últimas energias que lhe restavam naquele transe supremo,
para, em sublime forma de resignação ativa, pedir a Deus que perdoasse aos que
o sacrificaram, porque não sabiam o que estavam fazendo. E os séculos tem
provado que, efetivamente, eles ignoravam a enormidade do crime que consumaram no
Gólgota sombrio...
Nós, os espíritas, há muito que nos
habituamos a ver e a sentir o Mestre longe da macabra visão da cruz, mas em
toda a plenitude do seu poder espiritual, tal como ele deve ser visto e deve
ser sentido: visto através da sua legítima posição no Evangelho, realizando a
semeadura dos preciosos ensinamentos que ficaram como inestimável tesouro da
Humanidade, e sentido pelo coração, consoante o caminho do estudo e da
meditação. Jesus não filosofou, pregando teorias complexas ou confundindo os que
o ouviram e aqueles que, ainda hoje, se rejubilam com as lições evangélicas, em
complicadas dissertações.
Não foi confuso na explanação metafísica dos seus ensinamentos: foi simples e
claro. Tão simples e tão claro que soube usar da linguagem que, simultaneamente, chega
ao cérebro e ao coração dos homens de boa vontade.
Ao indicar ao homem o rumo da
resignação, não estabeleceu itinerário para a passividade. Tanto assim que -
apontemos apenas um exemplo - na parábola da ovelha perdida, perguntou: “Se um homem tiver cem ovelhas, e uma delas
se extraviar, não deixa as noventa e nove e vai aos montes procurar a que se
extraviou? Se acontecer achá-la, em verdade vos digo que se regozija mais por
causa desta, do que pelas noventa e nove que não se extraviaram.” Deixemos
de parte a interpretação comum dada a esse trecho evangélico e apreciemos outro
aspecto dessa linda parábola. Se Jesus houvesse feito da passividade uma forma
de resignação, o homem se conformaria com o extravio da ovelha e ficaria
satisfeito por ainda poder contar com noventa e nove. Entretanto, Jesus apontou
como fato saliente da parábola a particularidade de o homem haver deixado as
noventa
e
nove e pôr-se a caminho, nos montes, em busca da ovelha perdida. Em vez da
resignação passiva,
a energia realizadora.
Precisamos aprender a resignação
evangélica, tão longe da passividade e do desânimo que marcam, geralmente, o
raciocínio dos que não se detêm no exame sereno de tão delicado problema da
vida humana. A resignação consciente é uma modalidade de ação. O homem
resigna-se em face do irremediável. Enquanto não se capacita de que tudo está
consumado, deve lutar sadiamente pela recuperação de sua ovelha perdida. Mesmo
a conformação em face do fato irremediável, sua atitude não deve ser de estéril
desalento. É prova de perfeita identificação com os princípios espirítico-evangélicos,
o cultivo da coragem em face das vicissitudes.
Em “O Evangelho segundo o
Espiritismo”, lê-se numa comunicação do Espírito de Lázaro (Paris, 1863): “A doutrina de Jesus ensina, em todos os seus
pontos, a obediência e a resignação, duas virtudes companheiras da doçura e muito ativas, se bem que os homens
erradamente as confundam com a negação do sentimento e da vontade. A obediência
é o consentimento da razão: a resignação é o consentimento do coração, forças
ativas ambas, porquanto carregam o fardo das provações, que a revolta in sensata deixa cair.
O pusilânime não pode ser resignado, do mesmo modo que o orgulhoso e o egoísta
não podem ser obedientes. Jesus foi a encarnação dessas virtudes que a
antiguidade material desprezava.”
É dever da criatura humana reagir
nobremente em face das vicissitudes. É essencial não confundir resignação com
covardia. Esta é uma “resignação” compulsória, imposta pela incapacidade de
convocar todas as energias para enfrentar corajosamente as situações graves. A
verdadeira resignação é serena e consciente. Ela assume o controle da situação
em que se vê envolvida a criatura, dando-lhe meios de raciocinar e aceitar o
fato consumado, desde que, efetivamente, não possua elementos para desfazê-lo.
Mesmo assim, a resignação, e não o desânimo, pode revestir-se do caráter ativo,
reagindo. Como reagir? Fortalecendo-se na prece e exemplificando as lições
evangélicas, com o fito de superar a provação que lhe foi imposta pela lei
cármica.
Em outro ponto do Evangelho, Jesus
ensina que a resignação não deve ser passiva. Na parábola do amigo importuno,
demonstra que este conseguiu ser atendido em virtude da insistência com que
procedeu, indiferente à negativa inicial que encontrara. Se não, vejamos: “Se um de vós tiver um amigo e for procurá-lo
à meia-noite e lhe disser: Amigo, empresta-me três pães, porque um amigo meu
acaba de chegar a minha casa de uma viagem, e nada tenho para lhe oferecer; e
se do interior o outro lhe responder: Não me incomodes, a porta já está
fechada, eu e meus filhos estamos deitados; não posso levantar-me para tos dar.
Digo-vos: Embora não se levante para lhos dar por ser seu amigo, ao menos por
causa da sua importunação se levantará e lhe dará quantos pães precisar.”
Se o solicitante se resignasse com a primeira negativa e se retirasse, 'teria
assumido uma resignação passiva. Entretanto, insistiu, pôs energia para reagir
contra o obstáculo e, afinal,
triunfou. O mesmo acontece, na vida comum. Muitas vezes somos feridos por um
golpe sério e ficamos como que atordoados. Se o que aprendemos no Espiritismo
possui força dentro de nós, começamos a reagir, realizando esforços para conter
o desespero que, de outro modo, de nós se apossaria. Essa reação benéfica deixa
um lastro de serenidade que nos permitirá, ainda que paulatinamente, reconquistar
o domínio de nós mesmos. Ainda que em face do irremediável, temos o recurso da
reação através da prece.
Portanto, é falso o conceito de que
resignar-se alguém constitui entregar-se ao desânimo, numa atitude passiva.
Está no Evangelho: “O homem pode suavizar
ou aumentar o amargor de suas provas, conforme a marcha por que encare a vida
terrena. Tanto mais sofre ele, quanto mais longa se lhe afigura a duração do
sofrimento.” A resignação real não exclui a possibilidade de a criatura
reagir para sobrepor-se à desventura. Tudo depende, evidentemente, da
preparação espiritual de cada um, das reservas morais que possua para
resguardar-se do desânimo que precede ou sucede ao desespero; quando este
parece em condições de adquirir forma. Esclarece o Espírito de Lacordaire
(Havre, 1863, em “O Evangelho segundo o Espiritismo”): “Quando o Cristo disse: “Bem-aventurados os aflitos, o reino dos céus
lhes pertence”, não se referia, de modo geral, aos que sofrem, visto que sofrem
todos os que se encontram na Terra, quer ocupem tronos, quer jazam sobre a
palha. Mas, ah! poucos sofrem bem; poucos compreendem que somente as provas bem
suportadas podem conduzi-los ao reino de Deus. O desânimo é uma falta. Deus vos
recusa consolações, desde que vos falte coragem. A prece é um apoio para a
alma; porém, não basta: é preciso tenha por base uma fé viva na bondade de
Deus. Todos sabemos que o Pai não coloca fardos pesados em ombros fracos. O
fardo é proporcional às forças, como a recompensa o será à resignação e à
coragem. Mais opulenta será a recompensa, do que penosa a aflição. Cumpre,
porém, merecê-la" e, para isso, é que a vida se apresenta cheia de
tribulações.”
A Doutrina Espírita, que vem de
Jesus, pois é o Consolador Prometido pelo Mestre, prova exuberantemente que a
resignação em face das vicissitudes não deve estar isenta da coragem para
reagir contra o desânimo. Se assim não fora, as oportunidades proporcionadas
pela reencarnação não teriam lugar na vida humana e na vida espiritual.
Entretanto, em cada encarnação o Espírito enfrenta possibilidades magníficas de
reagir contra os erros do passado, preparando-se para as alvoradas de luz do
futuro. Seja qual for a situação, a criatura humana pode amparar-se na resignação
ativa, buscando para si mesma, no Evangelho ou na Doutrina codificada por Allan
Kardec, o bálsamo para as suas dores, o refrigério para as suas tribulações, a
luz que lhe iluminará a trajetória.
Para aqueles que possuem o coração
puro e o espírito humilde, as dificuldades da caminhada serão progressivamente
atenuadas. Já o disse Jesus: “Bem-aventurados os que têm puro o coração, porque
verão a Deus.” O caminho mais curto para alcançar a humildade é a resignação
consciente, a resignação que reage pela fé, pela energia que fortalece a
compreensão do destino humano e pelo trabalho de reerguimento, após cada
vicissitude, que revigoriza a trajetória espiritual.
Bem mais fácil é àqueles que não
estão alanceados pela dor dar conselhos sobre a resignação; bem mais difícil se
torna a recomposição rápida dos que são surpreendidos pelo sofrimento, se seu
espírito não se encontra fecundado pelas sublimes lições do Evangelho. Os
ensinamentos de Jesus não são expressões supérfluas de uma literatura mística.
Eles representam o conteúdo de uma sabedoria que se consolidou no exemplo do
Mestre, através do apodo dos ignorantes, das injúrias dos maus, das injustiças
dos poderosos, da traição dos pusilânimes e do ódio dos que se enfermaram em
cultos incompatíveis com os princípios de amor, de paz e de caridade. Sabedoria
que se fortaleceu com a sinceridade dos crentes, com a prece dos que
compreenderam os ensinos e as lágrimas daqueles que tiveram sua sensibilidade
solicitada no testemunho das horas de amarga provação.
A resignação consciente é a arma da
criatura que tem fé, pois que, nela se resguarda das tempestades do desespero.
Nos momentos cruciais da
dor é que se evidencia a potencialidade da fé. Nem foi por outro motivo que
Jesus, nas bem-aventuranças a que se referiu no Sermão Montanha, o poema por
Ele composto com sentimento, disse: “Bem-aventurados os aflitos pois que serão
consolados”, Essa consolação se estende a todos, indistintamente, mas aqueles
que possuem a virtude da resignação consciente, da resignação ativa, são os que
mais depressa recebem o conforto do Alto. Portanto, não se diga que o
Cristianismo do Cristo prega o desânimo, porque, na verdade, ele institui a coragem
moral como base da obra cristã, ao lado do amor e da caridade, Resignar-se conscientemente
é compreender os desígnios da Vida e aceitá-los como se aceita a Verdade, A
resignação consciente não despreza a luta pela própria recuperação, não
abandona a energia estimulada pela fé racional. Ela trabalha, ativa-se, dinamiza-se,
quer através da prece, quer através das ações verticais, porque é uma força espiritual
positiva. Não é desalento, mas paciência e confiança nas leis que regem a vida
humana e a vida espiritual. Resignação é força, é coragem e, sobretudo, fé,
quando não se desvitaliza na passividade doentia nem se destrói no desespero
inútil. Resignação consciente significa compreensão lúcida, Foi para os que sabem
resignar-se, sem se perderem no tremedal da
desesperação, que o Cristo Jesus ensinou à Humanidade, no episódio maravilhoso
do “Sermão da Montanha”:
“Bem-aventurados
os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus; bem-aventurados que
choram, porque eles serão consolados; bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão
a terra; bem-aventurados os que tem fome e sede de justiça, porque eles serão
fartos; bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão
misericórdia; bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus;
bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus;
bem-aventurados os que têm sido perseguidos por causa da justiça, porque deles
é o reino dos céus, Bem-aventurados sois, quando vos injuriarem, vos
perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós, por minha causa.
Alegrai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim
perseguiram aos profetas que existiram antes de vós.”
Os humildes de espírito sabem,
intuitivamente, a importância da resignação esclarecida, porque esta decorre da
sua própria humildade, o mesmo sucedendo quanto aos mansos e limpos de coração,
Os que choram realizam a prece das lágrimas, mas não devem permitir que estas
afoguem a capacidade de reagir, a fim de não se tornarem presas inermes do
desalento. Os que tem fome e sede de justiça, os perseguidos e injuriados podem
e devem colocar-se espiritualmente em condições de salvaguardar os direitos que
lhes são próprios, fugindo à violência, mas fortalecendo-se intimamente para
resistir às iniquidades.
Os bem-aventurados e misericordiosos, os pacificadores e os justos, estes já se encontram
tocados pela graça divina, tanto que externam, pelos atos e pelas palavras, o
prêmio que já lhes condecora o espírito.
A resignação tem seu poder
espiritual, Todavia, é preciso não permitir que ela se azinhavre ao contato com
o desânimo, porque este é um aspecto da resignação passiva e inútil, enquanto a
reconquista do ânimo, a luta pela recuperação da esperança, significam um
aspecto da resignação ativa e útil, porque consciente. Entendendo-se assim a
resignação, nela encontraremos meios de atenuar, pelo menos, as provações da
vida terrena, evitando nos abismemos na desesperança e na desorientação.
Peçamos sempre ao Alto que nos dê, nas ocasiões propícias, essa elevada
compreensão, a fim de que não falhemos no testemunho.
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