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sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

A fé espírita de Victor Hugo



A fé Espírita de Victor Hugo
Flávio Luz
Reformador (FEB) Novembro 1919

            Não só os céticos sistemáticos, mas particularmente os adversários ferrenhos do Espiritismo, os padres, fazem timbre em alardear a fé profundamente católica do grande Victor Hugo. Entretanto, é do domínio público a resposta significativa que o poeta, já moribundo, mandou dar a um alto dignatário do clero francês que se apresentara em sua casa para uma visita de inegáveis proveitos para a Religião.

            Aos 2 de Agosto de 1883, Victor Hugo depositava nas mãos de Agusto Vacquerie um envelope aberto contendo as suas últimas vontades, concebidas nestas poucas linhas expressivas palavras:

            “Lego cinquenta mil francos aos pobres.
            “Desejo ser conduzido ao cemitério em coche fúnebre.
            “Recuso o sufrágio de todas as igrejas; aceito uma prece de todas as almas.
            “Creio em Deus.
                                                                       Victor Hugo.

            Um grande debate vem de se ferir pelas colunas do “Figaro” de Paris, entre literatos, jornalistas e pensadores franceses, sobre a possibilidade de comunicação entre os vivos e os Espíritos dos mortos. Provocou esse debate uma publicação feita por M. Luiz Barthou, antigo Presidente do Conselho e membro da Academia Francesa, na Revue des Deux Mondes, de vários trabalhos inéditos de Victor Hugo.

            Vieram à baila vários documentos que documentos que atestam a fé inabalável do príncipe dos poetas na doutrina da vida futura. Surgiram os relatos feitos por Agusto Vacquerie nas Migalhas da Histeria (Miettes de l' Histoire) das interessantes sessões de Espiritismo a que assistiu Victor Hugo em casa de Mme. Emilia de Girardin. No decurso dessas memoráveis experiências, a que o grande pensador foi arrastado por Mme. Girardin, teve ele provas inegáveis de que se comunicava com Voltaire e com sua falecida filha Leopoldina.

            Mas, alegarão os incrédulos, os interesseiros que o testemunho de Vacquerie
é gracioso; que Victor Hugo não acreditava nos Espíritos e na vida futura. As provas iniludíveis da fé espírita do poeta, das Contemplações, escritas pelo seu próprio punho, felizmente existem e o Sr. Barthou publicou-as no Figaro, de 15 de Janeiro último.

            M. Léon Bérard, deputado pelos Baixos Pirineus, em artigos do mesmo jornal, lembrou o capítulo dos Miseráveis “Uno Tempête sons un crâne”, em que Jean Valjean, então maire de Montreuil-sur-Mer, estando certa noite fechado em seu quarto, sentiu distintamente passos. Voltou-se, assombrado, e não viu pessoa alguma.

            -Quem está aí? Perguntou em voz alta e todo espantado. Depois, esboçando um sorriso que mais parecia o sorriso de um idiota, continuou:

            - Que animal sou eu! Quem poderá estar aqui? Alguém deveria existir, mas
aquele que aqui estava não era dos que a vista humana pode ver...”

            Aqueles que não leram a obra de Victor Hugo, ou que as leram mas não a
compreenderam, o escritor espírita Kermario oferece um documento claro, decisivo, que não deixa dúvida alguma acerca das convicções do grande poeta. Trata-se de uma carta que o autor da “Legenda dos séculos” enviou a Lamartine, quando este perdeu a esposa:

                                                           Hauteville-House, 23 de Maio,

            “Caro Lamartine,

            “Acabais de passar por uma grande desgraça; sinto a necessidade de levar o meu coração para junto do vosso. Eu venerava aquela que amáveis. O vosso elevado espírito vê além do horizonte; percebeis distintamente a vida futura.  

            “Não é preciso dizer-vos: Tende esperança. Sois daqueles que sabem o que esperam.  

            “Ela é sempre a vossa companheira, invisível, mas presente. Perdestes a esposa, mas não a alma. Caro amigo, vivamos nos mortos.

                                                                                  Victor Hugo”

            Nenhuma inteligência, por mais modesta que seja, poderá compreender nessas palavras outra coisa que não seja uma arraigada convicção espírita.

            M. Lesseps deu à publicidade alguns pensamentos espíritas escritos por Victor Hugo após a morte de seus filhos:

            “Morre-se esperando, e aqueles que morrem deixam após si aqueles que choram.

            “Paciência, pois nós somos apenas precedidos. É justo que a noite chegue para todos.

            “É justo que todos subam, um após outro, para receber a sua paga. As injustiças, as preterições são apenas aparentes.

            “O túmulo a ninguém esquece. Um dia, talvez bem logo, a hora que soou para os filhos há de soar também para o pai.

            “A jornada do trabalho estará terminada; terá chegado a sua vez; então ele terá aparência de um adormecido; metê-lo-ão entre quatro tábuas, a esse alguém desconhecido que dizem chamar-se um morto, e conduzi-lo-ao à grande e sombria abertura.

            “Lá se encontra o limiar impossível de adivinhar. Aquele que chega é esperado por aqueles que já chegaram. Aqueles que chega é bem vindo. Aquilo que parece ser a saída é para ele a entrada.          

            “Então, ele percebe distintamente o que havia obscuramente aceito: os olhos da carne se fecham, os olhos do espírito se abrem e o invisível se torna visível. Aquilo que para os homens é o mundo, para ele se eclipsa. Enquanto o silêncio se faz em torno da vala aberta, enquanto pás de terra, de poeira lançada por sobre a cinza futura, caem sobre o esquife surdo e sonoro, a alma misteriosa abandona essa vestimenta, o corpo, e sai toda vestida de luz daquele montão de trevas. É quando para essa alma os desaparecidos tornam a aparecer, e os “verdadeiros vivos” que na sombra terrestre se chamam os mortos, enchem o horizonte ignorado, se comprimem, radiantes, em uma profundeza de nuvem e de aurora, chamam docemente pelo recém-chegado, e se lhe inclinam sobre o rosto resplandecente com aquele belo sorriso tão próprio das estrelas!

            “Assim partirá o batalhador carregado de anos, deixando, se procedeu bem,
alguns pesares após si, seguido até a beira do túmulo por olhos molhados - quem sabe! e por graves frontes descobertas; enquanto isso, recebê-lo-ão com indizível satisfação na eterna claridade; e se não sois luto neste mundo, ó meus amados, lá em cima sereia festa!

                                                                                                                      Victor Hugo”

            Em um discurso que proferiu em Guernesey, diante do túmulo de uma moça, disse Victor Hugo: “Os mortos são invisíveis, mas não ausentes.”

            Em outro trecho: “Nada mais sublime do que a amplidão do túmulo: sobe-se espantado de haver pensado que se descia.”

            Ainda poderíamos pôr em evidência o despeito dos jesuítas ante a cerimônia civil dos funerais de Victor Hugo, transcrevendo estas palavras publicadas pelo jornal clerical “LA CROIX”, de 4 de Junho de 1885, a propósito das homenagens prestadas pela Sociedade dos Espíritas, de Paris, ao grande morto:

            “Ninguém ligou importância, no dia da procissão sacrílega (expressão que põe em relevo o despeito dos padres ante a declaração expressa do poeta - de que dispensava o sufrágio de todas as religiões), uma sociedade satânica que teve a despudorada audácia de nele tomar parte.

            “Ia também oferecer a sua coroa, em que se lia: Sociedade dos Espíritas.

            São essas as tais pessoas que pretendem manter relações habituais com Satanás e que fazem profissão de entreter sobre a terra um comércio ilícito com maus espíritos.

            “É a primeira vez que se vê semelhante exibição tolerada em uma cerimônia pública e oficial.

            “É mister remontar ao tempo dos Maniqueus que pretendiam houvesse dois deuses, o do bom e do mal, para admitir semelhantes insânias a par de tamanha audácia.

            “Expulsai Jesus Cristo; ficareis com Satanás.
                                                                                  "Le Fr.”

            M. Augusto Dide, senador pelo Gard, em um discurso que pronunciou no
“Cercle Parisien pour la propagande de I'Instruction dans les départements”, de que Victor Hugo era presidente, narra um fato inédito, um episódio quase trágico da agonia do grande   pensador:

            “No momento da morte, viram-no endireitar-se no leito; estavam presentes, ao lado do moribundo, Mme. Loekroy e uma filha. Eis que ele se embrulha no lençol e diz à jovem senhora e à filha: “É um morto que vos fala; volto do túmulo para anunciar-vos a boa nova!” E isso dizendo, cai sobre o leito, fulminado”.

            Tudo isso é por demais eloquente para que nos detenhamos em comentários sobre as convicções plenamente espíritas de Victor Hugo. Tudo quanto aí fica exprime verdades que ninguém jamais contestou. Passados 34 anos, eis que a mácula do clericalismo ameaça sujar a memória sublimada do grande poeta, assoalhando aos quatro ventos que aquela alma elevada e liberta professava as velharias do catolicismo e que antes do morrer se reconciliara com a Igreja, recebendo o conforto de um sacerdote que fora visita-lo!

            Mentira! Victor Hugo fez despedir da porta um graduado de batina que procurava explorar as condições precárias de saúde, visando arrancar-lhe declarações que revogassem o seu passado de homem crente, mas liberto dos dogmas carunchosos da Igreja.

            Victor Hugo fez-se espírita, procedeu como espírita e morreu como espírita.

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