Carta Singular
Irmão X
por Chico Xavier
Reformador
(FEB) Jan 1964
            Diante
do irmão Licínio Mendonça, jazia a carta que ele assinara, em se comunicando
com a genitora: 
           'Querida Mãe:
peço à senhora me abençoe. 
          Regressando da festa do seu lindo aniversário,
depois de muito meditar, resolvi escrever-lhe. 
          Setenta e oito anos, hein mamãe? Graças
a Deus, temos a senhora conosco, firme como o jequitibá que vovó plantou à frente
do moinho. 
          Apesar de querer mais um século para a
senhora, na atual existência, rogo me perdoe se venho tratar aqui de um assunto
sério.  
          É o problema do tempo e das boas obras,
mamãe. 
          Conforme a senhora sabe, sou espírita,
há mais de vinte anos, e penso muito na
desencarnação.
          A senhora tem outra crença, mas, no fundo,
procuramos o mesmo Cristo; não acha que devemos refletir, enquanto temos saúde
e raciocínio, na distribuição correta dos bens que nos foram confiados? 
          Completarei cinquenta janeiros no mês que
vem; contudo, meus planos estão prontos.
          Formei quatro cafezais em minhas terras
do noroeste, que estão produzindo a contento.
Minhas chácaras de ltaim vão indo com excelentes lucros. Além disso, com as
rendas dos meus apartamentos de São Paulo e de minhas casas em Campinas,
organizei cinco lojas, que estão melhorando o meu patrimônio. Mas, a senhora
julga que tenho apego a dinheiro? Absolutamente nenhum.
          Desde que me tornei espírita, desejo fundar
uma instituição beneficente que recolha velhinhos e crianças ao desamparo. 
          Já tenho comigo vinte projetos
diferentes para as construções; no entanto, preciso aumentar o
capital. Não quero uma obra mambembe, dessas que andam por aí. Por outro lado,
sou contra a vadiagem. Para velhos, mulheres e meninos que estendem a mão na rua,
não dou um tostão. Esse negócio de repartir migalhas é fazer comida de
passarinho e estimular a velhacaria . Necessitamos de estabelecimentos seguros.
Nada de criar vagabundos e vigaristas, em nome da caridade. Nesse ponto, não
cedo. Ainda agora, na semana passada, o Pinheiro me pediu uns cobres para certa
mulher que tentou envenenar dois filhos e suicidar-se em seguida, a pretexto de
fome. Não dei bola. Se ela quiser dinheiro, que vá trabalhar. Essa beneficência
de teatro é coisa de esmola. Quero uma organização eficiente, que resolva os problemas,
em vez de agravá-los.
          Para o conjunto de edificações que pretendo
levantar, já percebo o rendimento aproximado de
quatro milhões e quinhentos mil cruzeiros por mês; entretanto, isso é pouco. É indispensável, pelo menos, duplicar essa quantia para começar.
          Ultimamente, porém, mamãe, venho refletindo
na situação da senhora. Desde que o papai desencarnou, desejo solicitar que a
senhora auxilie o Espírito dele, com o serviço ao próximo. Com os juros dos depósitos
bancários e com o produto das fazendas que ele deixou no Paraná, é possível
fazer muito. Que a senhora não aceite o Espiritismo, vá lá! Mas a senhora é cristã
e deve amparar as obras cristãs. 
          Não convém deixar tanto dinheiro sem aplicação
definida na assistência aos que sofrem. A senhora me desculpe, mas peço--lhe
fazer, desde já, um testamento em favor das casas de caridade da sua simpatia.
Mamãe, pense no Além!.. Convença-se de que ninguém morre. No mundo espiritual,
a pessoa responde pelas propriedades que ajunta. Faça uma visita aos institutos
benemerentes, mamãe! Estude o que lhe proponho. Logo que puder, consulte o
nosso advogado. Não deixe o assunto para depois. Urgência, mamãe! A senhora,
viúva, e eu também, temos grandes responsabilidades. Estamos sozinhos para
administrar o que é nosso. De minha parte, acredito que, dentro de poucos anos,
terei equacionado o problema de minha fundação. Somente me preocupa a atitude da
senhora. Pondere, mamãe. Não quero dizer que a senhora está velha, mas é imperioso
zelar por nossa tranquilidade de consciência, enquanto a memória anda boa. 
          Espero ir vê-la, na primeira oportunidade,
a fim de conversarmos com mais segurança. 
          Muito
carinho e um beijo na testa com todo o coração do seu filho' Licínio
        Esta era a carta que ele acabara de escrever à mãezinha, quando a
morte o surpreendeu numa crise de angina, sem que nos fosse possível auxiliá-lo
a reacomodar-se no corpo irrecuperável. 
            Com tantos planos de
serviço e com tantos recursos, Licínio, que soubera traçar considerações tão
oportunas sobre a aplicação de finança e tempo, largara o veículo físico, na
condição de espírita, sem que as instituições espíritas lhe conhecessem a
existência. E, no dia seguinte, quando a veneranda senhora Mendonça chegou de
automóvel para os funerais, encanecida mas empertigada, deu-nos a impressão de
que ainda teria muito tempo na Terra, para viver forte e rija.
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