O
Espiritismo e seus contraditores
por Boanerges da Rocha (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Fevereiro 1964
Vive o mundo, com intensidade crescente, redobrados
anseios e aflições multiplicadas. O medo impera por toda a parte e a
insatisfação geral, principalmente no seio da juventude, demonstra que, apesar
de tantas religiões, de tantos sistemas filosóficos, tantas ideologias que adulam
as massas populares, a miséria continua a infelicitar os povos, que são
conduzidos, em sua quase totalidade, por líderes espiritualmente cegos. O mundo
continua pagando altos juros pela dominação materialista e pela esterilidade de
igrejas que perderam já a sua autoridade verdadeiramente espiritual e hoje somente
vivem de aparências, buscando em desespero a sobrevivência que lhes escapa de
ano para ano.
Muito melhores seriam as condições da Humanidade se os
princípios pregados e defendidos pela Doutrina espírita fossem mais amplamente aceitos
e praticados. Entretanto, certas igrejas irracionalmente combatem o Espiritismo
e, com isso, fazem aliança com os seus verdadeiros inimigos, quebrando um
vínculo de espiritualidade que constitui a única razão de ser das religiões. Por
outro lado, alguns cientistas comprometidos com os diferentes cleros e
audaciosos pseudo-cientistas se armam de absurdas prevenções, absurdas e
ridículas, contra os médiuns e os fenômenos mediúnicos.
Mesmo alguns daqueles que se entregaram a observações
rigorosamente controladas por eles mesmos e por outras figuras insuspeitáveis, quer
moral, quer cientificamente temeram e temem confessar a verdade espírita,
preferindo subterfúgios ou negativas que os afastem de complicações com as
organizações ditas científicas e os grupamentos religiosos. O próprio Charles Richet,
homem de ciência que todos os espíritas respeitam, não teve a coragem necessária
de agir com o desassombro de William Crookes, Lombroso, Ernesto Bozzano, Camilo
Flammarion, Victor Hugo, Gustavo Geley, etc.
Semelhantes atitudes de dubiedade e fraqueza são responsáveis,
em muitos casos, pela falta de esclarecimento de grande parte da Humanidade,
pois têm estimulado o desenvolvimento do materialismo, o enfraquecimento do Espiritualismo
em determinados setores, vigorizando a ação negativa dos inimigos do Espiritismo.
Esses inimigos, beneficiários das mentiras que envenenam a civilização atual,
agem de má fé, socorrendo-se de falsidades e calúnias multiformes, com o fito
de satisfazerem a conveniências pessoais ou de grupos. Embora não consigam
deter a marcha ascendente do Espiritismo no mundo, conseguem impedir seja ela ainda
mais acelerada. Mas serão vencidos fatalmente. É questão de tempo, porque o
homem, à força de desilusões tremendas, vai adquirindo experiência e
compreendendo, à própria custa, onde deverá buscar a verdade que o fará feliz ou
menos infeliz.
Houve um certo Dr. A. Hesnard que teve o desplante de
afirmar em livro que o médium é sempre um doente de “nevrose histérica”. Não é
preciso esforço para se ver a maldade da afirmativa dogmática. Sem dúvida
alguma, o médium é dotado de uma delicada sensibilidade. Admitamos mesmo, para
argumentar, que seja um hipersensível. Se a sua sensibilidade não fosse maior
que a dos não-médiuns, não estaria apto a exercer o seu papel importante no
âmbito do mediunismo, pelo simples fato de não captar as vibrações sutis que
essa sensibilidade especial lhe assegura colher e desenvolver.
A Ciência somente começou a progredir desde quando pôde
dispor de aparelhos mais delicados e sensíveis, capazes de lhe assegurar êxito nas
pesquisas e experiências incomuns, sem os quais jamais teria alcançado novos
progressos em seus diferentes ramos. Ora, o médium é também um aparelho
sensível, até ultra sensível, conforme o grau da sua natureza mediúnica. Dizer,
entretanto, que ele é sempre um nevropata, um histérico, constitui ofensa à verdade
e à própria Ciência, pois que a verdadeira Ciência não insulta, não calunia,
não tergiversa, não mente, não trai, não engana; tem o dever de ser fria em
suas observações e imparcial em suas conclusões.
No capítulo da fraude, quanta coisa tem sido escrita!
Entretanto, não há categoria de trabalho humano, seja de ordem prática, seja no
ambiente do pensamento, que não haja sofrido a interferência de elementos
perniciosos, simuladores, charlatanescos. Nem a Ciência, nem a Religião puderam
livrar-se disso. Haja vista o que disse Jesus no Evangelho acerca dos “falsos profetas”.
Portanto, em todas as classes e categorias humanas, a fraude, a mentira e a
simulação têm feito incursões mais ou menos demoradas, sem que pudessem
destruir a verdade. Quantos médicos charlatães vivem por aí a explorar a
credulidade pública e a bolsa do próximo, desonrando uma classe digna e
respeitável, onde imensa maioria de homens dedicados enobrecem cada vez mais a
espinhosa e humanitária profissão? Devemos enlameá-la toda, negando seus valores
reais, porque os charlatães, mesmo formados, procurem tirar proveito do
prestígio que essa classe justamente desfruta? É claro que não. Deveremos
afirmar, por isso, que todos os médicos são charlatães? Leia-se, por exemplo, “A
Cidadela”, do famoso médico-escritor, Cronin, na qual é desnudada a mentalidade
rasteira, desonesta e viciada de um deles, assim como exaltada, em contraposição,
o exemplo maravilhosamente belo de outro. O mesmo acontece com o Espiritismo.
A quantidade de médiuns ou falsos médiuns que mistificam
e intrujam, buscando vantagens materiais, é mínima em relação ao número de médiuns
honestos, corretos, abnegados e fiéis ao seu papel no mundo, pois se entregam
com devotamento invulgar, gratuitamente, aos trabalhos mediúnicos, fazendo o
bem, dando assistência aos necessitados de várias naturezas, sem olhar
sacrifícios pessoais de nenhuma espécie. Temos conhecido médicos psiquiatras
que são mais perturbados do que os enfermos que os procuram em busca de
lenitivos... A generalização feita por Hesnard em seu livro “L’Inconscient”, revela a sua falta de
critério científico, o seu “parti-pris”, a sua má intenção.
Bem inspirado estava Georges Barbarin quando afirmou em
seu livro “Recherche de Ia Ne. Dimension”: “Se,
ao lado de homens sábios, probos, esclarecidos, não se aglomerassem também
charlatães e imbecis, ninguém duvida que um número muito mais elevado de
pesquisadores qualificados teria sido atraído para as manifestações espíritas.”
Barbarin examina o procedimento dos cientistas europeus
de determinada época, quando, em sessão espírita severamente controlada por eles
próprios, buscavam apurar a realidade do deslocamento de objetos sem contato
humano. E comenta o ceticismo de outros que não tiveram o mesmo escrúpulo, nem
foram participar das experiências, embora negassem o fato “a priori”: “É,
entretanto, um fato que tem sido observado milhares de vezes sob controle (fiscalização)
organizado. Um dos mais antigos desses controles foi o constituído pelos Srs.
Gasparin, Foulcault e Babinet, todos da Academia de Ciências, os quais, sem
poder explicar, comprovaram em numerosas e repetidas sessões o fenômeno, em plena
luz, havendo uma testemunha fiscalizado a superfície da mesa e outras espalhado
licopódio em pó sobre o prato da balança. (sur
le plateau) . “E aduz: "Experiências menos antigas, mas idênticas, se
efetuaram em 1905, 1906 e 1907, sob o controle de Branly, d’Arsonval, Langevin,
Bergson e o casal Curie. O mesmo “fato antifísico” (fait antiphysique), para
não falar senão nesse, foi observado por esses ilustres controladores."
Que respondeu o professor d' Arsonval, trinta anos
depois, em 1936, a Jean Labadie, que lhe perguntara se mantinha o seu anterior
testemunho?
Isto:
“O relatório de Couturier sobre Eusápia (a médium) foi
aprovado por todos os membros da comissão. No que me concerne, não tenho nada a
modificar acerca do que vi. Quanto a explicar, esse é outro assunto. Mas, se eu
fosse negar tudo quanto não compreendo!! ...”
Prossegue o comentário de Barbarin, ao pé do testemunho
renovado de d'Arsonval: “Antifísico,
bem arranjada a palavra, e mesmo antilógico,
de tal modo que o grande físico Foucault, convidado em 1854, pelos Gasparin,
para ir com eles verificar o fato, recusou-se, declarando que se visse um pedacinho
de palha mexer-se sem causa mecânica, ficaria apavorado”...
Muitos como Foucault, que já participara de uma
experiência dessas anteriormente preferem ficar de lado recusando a oportunidade
da observação própria, por medo do desconhecido. Muitos vão mais longe, pois se
metem a discutir o que ignoram, escorando-se em suposições, levados por
analogias sem base raciocínios unilaterais, sem a nobreza de caráter que teve
Foucault, ao confessar honestamente o seu desarrazoado temor. Então, optam pelo
pior ainda que mais fácil: negam a realidade dos fenômenos mediúnicos,
contestam a mediunidade, insultam os médiuns, embarafustam pelo cipoal da
fraude e se encastelam num radicalismo mórbido, convencidos de que estão servindo
à causa da Ciência que dizem representar.
Mas nem os verdadeiros cientistas puderam fugir à
perseguição e ao preconceito estulto de homens de ciência superados pelo
progresso. A História revela que muitos tiveram vicissitudes ao quebrarem tabus
científicos e desvendarem novos conhecimentos. Recordemo-nos do que sucedeu a
Copérnico, Giordano Bruno, Galileu, Wolff, Schwann, Darwin, Pasteur, Lister, etc.,
ora insultados, agredidos, humilhados e perseguidos por cientistas
estacionados, ora pelos cleros católico e protestante, que apoiavam os reacionários
e levavam até à morte, em alguns casos; aqueles que, iluminados pela chama do pioneirismo,
preferiram sacrificar a vida a renunciar à verdade,
Se entre os mestres da Ciência as coisas correram (e
correm) dessa maneira, como poderemos nós, os espíritas, esperar um tratamento diferente,
maior compreensão, maior serenidade, maior equilíbrio? Se a ciência oficial tem
sido madrasta com tantos vultos eminentes, que só mais tarde foram por ela
reconhecidos e glorificados, como e porque devem os espíritas ter melhor sorte?
Continuemos trabalhando com afinco e fé. Procuremos
desenvolver cada vez mais os estudos do Espiritismo, quer no campo fenomênico,
quer no campo filosófico-religioso. Devemos continuar sendo rigorosos na
fiscalização de todos os nossos trabalhos, porque ao Espiritismo não interessa
a mistificação, a fraude, o desrespeito. Somente a verdade, isenta de dúvidas,
é que nos satisfaz. Para isto, basta continuemos fieis à Doutrina codificada
por Allan Kardec.