segunda-feira, 31 de agosto de 2020

O Espiritismo e seus contraditores



O Espiritismo e seus contraditores  

por Boanerges da Rocha (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Fevereiro 1964

            Vive o mundo, com intensidade crescente, redobrados anseios e aflições multiplicadas. O medo impera por toda a parte e a insatisfação geral, principalmente no seio da juventude, demonstra que, apesar de tantas religiões, de tantos sistemas filosóficos, tantas ideologias que adulam as massas populares, a miséria continua a infelicitar os povos, que são conduzidos, em sua quase totalidade, por líderes espiritualmente cegos. O mundo continua pagando altos juros pela dominação materialista e pela esterilidade de igrejas que perderam já a sua autoridade verdadeiramente espiritual e hoje somente vivem de aparências, buscando em desespero a sobrevivência que lhes escapa de ano para ano.

            Muito melhores seriam as condições da Humanidade se os princípios pregados e defendidos pela Doutrina espírita fossem mais amplamente aceitos e praticados. Entretanto, certas igrejas irracionalmente combatem o Espiritismo e, com isso, fazem aliança com os seus verdadeiros inimigos, quebrando um vínculo de espiritualidade que constitui a única razão de ser das religiões. Por outro lado, alguns cientistas comprometidos com os diferentes cleros e audaciosos pseudo-cientistas se armam de absurdas prevenções, absurdas e ridículas, contra os médiuns e os fenômenos mediúnicos.

            Mesmo alguns daqueles que se entregaram a observações rigorosamente controladas por eles mesmos e por outras figuras insuspeitáveis, quer moral, quer cientificamente temeram e temem confessar a verdade espírita, preferindo subterfúgios ou negativas que os afastem de complicações com as organizações ditas científicas e os grupamentos religiosos. O próprio Charles Richet, homem de ciência que todos os espíritas respeitam, não teve a coragem necessária de agir com o desassombro de William Crookes, Lombroso, Ernesto Bozzano, Camilo Flammarion, Victor Hugo, Gustavo Geley, etc.

            Semelhantes atitudes de dubiedade e fraqueza são responsáveis, em muitos casos, pela falta de esclarecimento de grande parte da Humanidade, pois têm estimulado o desenvolvimento do materialismo, o enfraquecimento do Espiritualismo em determinados setores, vigorizando a ação negativa dos inimigos do Espiritismo. Esses inimigos, beneficiários das mentiras que envenenam a civilização atual, agem de má fé, socorrendo-se de falsidades e calúnias multiformes, com o fito de satisfazerem a conveniências pessoais ou de grupos. Embora não consigam deter a marcha ascendente do Espiritismo no mundo, conseguem impedir seja ela ainda mais acelerada. Mas serão vencidos fatalmente. É questão de tempo, porque o homem, à força de desilusões tremendas, vai adquirindo experiência e compreendendo, à própria custa, onde deverá buscar a verdade que o fará feliz ou menos infeliz.

            Houve um certo Dr. A. Hesnard que teve o desplante de afirmar em livro que o médium é sempre um doente de “nevrose histérica”. Não é preciso esforço para se ver a maldade da afirmativa dogmática. Sem dúvida alguma, o médium é dotado de uma delicada sensibilidade. Admitamos mesmo, para argumentar, que seja um hipersensível. Se a sua sensibilidade não fosse maior que a dos não-médiuns, não estaria apto a exercer o seu papel importante no âmbito do mediunismo, pelo simples fato de não captar as vibrações sutis que essa sensibilidade especial lhe assegura colher e desenvolver.

            A Ciência somente começou a progredir desde quando pôde dispor de aparelhos mais delicados e sensíveis, capazes de lhe assegurar êxito nas pesquisas e experiências incomuns, sem os quais jamais teria alcançado novos progressos em seus diferentes ramos. Ora, o médium é também um aparelho sensível, até ultra sensível, conforme o grau da sua natureza mediúnica. Dizer, entretanto, que ele é sempre um nevropata, um histérico, constitui ofensa à verdade e à própria Ciência, pois que a verdadeira Ciência não insulta, não calunia, não tergiversa, não mente, não trai, não engana; tem o dever de ser fria em suas observações e imparcial em suas conclusões.

            No capítulo da fraude, quanta coisa tem sido escrita! Entretanto, não há categoria de trabalho humano, seja de ordem prática, seja no ambiente do pensamento, que não haja sofrido a interferência de elementos perniciosos, simuladores, charlatanescos. Nem a Ciência, nem a Religião puderam livrar-se disso. Haja vista o que disse Jesus no Evangelho acerca dos “falsos profetas”. Portanto, em todas as classes e categorias humanas, a fraude, a mentira e a simulação têm feito incursões mais ou menos demoradas, sem que pudessem destruir a verdade. Quantos médicos charlatães vivem por aí a explorar a credulidade pública e a bolsa do próximo, desonrando uma classe digna e respeitável, onde imensa maioria de homens dedicados enobrecem cada vez mais a espinhosa e humanitária profissão? Devemos enlameá-la toda, negando seus valores reais, porque os charlatães, mesmo formados, procurem tirar proveito do prestígio que essa classe justamente desfruta? É claro que não. Deveremos afirmar, por isso, que todos os médicos são charlatães? Leia-se, por exemplo, “A Cidadela”, do famoso médico-escritor, Cronin, na qual é desnudada a mentalidade rasteira, desonesta e viciada de um deles, assim como exaltada, em contraposição, o exemplo maravilhosamente belo de outro. O mesmo acontece com o Espiritismo.

            A quantidade de médiuns ou falsos médiuns que mistificam e intrujam, buscando vantagens materiais, é mínima em relação ao número de médiuns honestos, corretos, abnegados e fiéis ao seu papel no mundo, pois se entregam com devotamento invulgar, gratuitamente, aos trabalhos mediúnicos, fazendo o bem, dando assistência aos necessitados de várias naturezas, sem olhar sacrifícios pessoais de nenhuma espécie. Temos conhecido médicos psiquiatras que são mais perturbados do que os enfermos que os procuram em busca de lenitivos... A generalização feita por Hesnard em seu livro “L’Inconscient”, revela a sua falta de critério científico, o seu “parti-pris”, a sua má intenção.

            Bem inspirado estava Georges Barbarin quando afirmou em seu livro “Recherche de Ia Ne. Dimension”: “Se, ao lado de homens sábios, probos, esclarecidos, não se aglomerassem também charlatães e imbecis, ninguém duvida que um número muito mais elevado de pesquisadores qualificados teria sido atraído para as manifestações espíritas.”

            Barbarin examina o procedimento dos cientistas europeus de determinada época, quando, em sessão espírita severamente controlada por eles próprios, buscavam apurar a realidade do deslocamento de objetos sem contato humano. E comenta o ceticismo de outros que não tiveram o mesmo escrúpulo, nem foram participar das experiências, embora negassem o fato “a priori”: “É, entretanto, um fato que tem sido observado milhares de vezes sob controle (fiscalização) organizado. Um dos mais antigos desses controles foi o constituído pelos Srs. Gasparin, Foulcault e Babinet, todos da Academia de Ciências, os quais, sem poder explicar, comprovaram em numerosas e repetidas sessões o fenômeno, em plena luz, havendo uma testemunha fiscalizado a superfície da mesa e outras espalhado licopódio em pó sobre o prato da balança. (sur le plateau) . “E aduz: "Experiências menos antigas, mas idênticas, se efetuaram em 1905, 1906 e 1907, sob o controle de Branly, d’Arsonval, Langevin, Bergson e o casal Curie. O mesmo “fato antifísico” (fait antiphysique), para não falar senão nesse, foi observado por esses ilustres controladores."

            Que respondeu o professor d' Arsonval, trinta anos depois, em 1936, a Jean Labadie, que lhe perguntara se mantinha o seu anterior testemunho?

            Isto:

            “O relatório de Couturier sobre Eusápia (a médium) foi aprovado por todos os membros da comissão. No que me concerne, não tenho nada a modificar acerca do que vi. Quanto a explicar, esse é outro assunto. Mas, se eu fosse negar tudo quanto não compreendo!! ...”

            Prossegue o comentário de Barbarin, ao pé do testemunho renovado de d'Arsonval: “Antifísico, bem arranjada a palavra, e mesmo antilógico, de tal modo que o grande físico Foucault, convidado em 1854, pelos Gasparin, para ir com eles verificar o fato, recusou-se, declarando que se visse um pedacinho de palha mexer-se sem causa mecânica, ficaria apavorado”...

            Muitos como Foucault, que já participara de uma experiência dessas anteriormente preferem ficar de lado recusando a oportunidade da observação própria, por medo do desconhecido. Muitos vão mais longe, pois se metem a discutir o que ignoram, escorando-se em suposições, levados por analogias sem base raciocínios unilaterais, sem a nobreza de caráter que teve Foucault, ao confessar honestamente o seu desarrazoado temor. Então, optam pelo pior ainda que mais fácil: negam a realidade dos fenômenos mediúnicos, contestam a mediunidade, insultam os médiuns, embarafustam pelo cipoal da fraude e se encastelam num radicalismo mórbido, convencidos de que estão servindo à causa da Ciência que dizem representar.

            Mas nem os verdadeiros cientistas puderam fugir à perseguição e ao preconceito estulto de homens de ciência superados pelo progresso. A História revela que muitos tiveram vicissitudes ao quebrarem tabus científicos e desvendarem novos conhecimentos. Recordemo-nos do que sucedeu a Copérnico, Giordano Bruno, Galileu, Wolff, Schwann, Darwin, Pasteur, Lister, etc., ora insultados, agredidos, humilhados e perseguidos por cientistas estacionados, ora pelos cleros católico e protestante, que apoiavam os reacionários e levavam até à morte, em alguns casos; aqueles que, iluminados pela chama do pioneirismo, preferiram sacrificar a vida a renunciar à verdade,

            Se entre os mestres da Ciência as coisas correram (e correm) dessa maneira, como poderemos nós, os espíritas, esperar um tratamento diferente, maior compreensão, maior serenidade, maior equilíbrio? Se a ciência oficial tem sido madrasta com tantos vultos eminentes, que só mais tarde foram por ela reconhecidos e glorificados, como e porque devem os espíritas ter melhor sorte?

            Continuemos trabalhando com afinco e fé. Procuremos desenvolver cada vez mais os estudos do Espiritismo, quer no campo fenomênico, quer no campo filosófico-religioso. Devemos continuar sendo rigorosos na fiscalização de todos os nossos trabalhos, porque ao Espiritismo não interessa a mistificação, a fraude, o desrespeito. Somente a verdade, isenta de dúvidas, é que nos satisfaz. Para isto, basta continuemos fieis à Doutrina codificada por Allan Kardec.

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