domingo, 27 de abril de 2014

Evangelho e Espiritismo



Evangelho e Espiritismo
Editorial
Reformador (FEB)  Janeiro 1978

          "Eu rogarei ao Pai” - disse Jesus - e Ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja para sempre convosco. O Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito. O Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito de Verdade, que dele procede, dará testemunho de mim." (João, 14:16 e 26 e 15:26)

            "O Espiritismo - escreveu Allan Kardec - realiza todas as promessas do Cristo a respeito do Consolador anunciado. Ora, como é o Espírito de Verdade que preside ao grande movimento da regeneração, a promessa da sua vinda se acha por essa forma cumprida, porque, de fato, é ele o verdadeiro Consolador." ("A Gênese", FEB, 19ª edição, p. 34)

          E acrescenta: "Jesus claramente indica que esse Consolador não seria ele, pois, do contrário, dissera: "Voltarei a completar o que vos tenho ensinado." Não só tal não disse, como acrescentou: "A fim de que fique eternamente convosco e ele estará em vós. Esta proposição não poderia referir-se a uma individualidade encarnada, visto que não poderia ficar eternamente conosco, nem, ainda menos, estar em nós; compreendemo-la, porém, muito bem com referência a uma doutrina, a qual, com efeito, quando a tenhamos assimilado, poderá estar eternamente em nós. O Consolador é, pois, segundo o pensamento de Jesus, a personificação de uma doutrina soberanamente consoladora, cujo inspirador há de ser o Espírito de Verdade." (Obra citada, página 387)

            Conclui Kardec que o Espiritismo "não é uma doutrina individual, nem de concepção humana; ninguém pode dizer-se seu criador. É fruto do ensino coletivo dos Espíritos, ensino a que preside o Espírito de Verdade. Nada suprime do Evangelho: antes o completa e elucida. Com o auxílio das novas leis que revela, conjugadas essas leis às que a Ciência já descobrira, faz se compreenda o que era ininteligível e se admita a possibilidade daquilo que a incredulidade considerava inadmissível. "

            E para que não restasse nenhuma dúvida, voltou a afirmar, categórico:  "Assim como o Cristo disse: "Não vim destruir a lei, porém cumpri-la", também o Espiritismo diz: "Não venho destruir a lei cristã, mas dar-lhe execução." Nada ensina em contrário ao que ensinou o Cristo; mas, desenvolve, completa e explica, em termos claros e para toda gente, o que foi dito apenas sob forma alegórica. Vem cumprir, nos tempos preditos, o  que o Cristo anunciou e preparar a realização das coisas futuras. Ele é, pois, obra do Cristo, que preside, conforme igualmente o anunciou, à regeneração que se opera e prepara o reino de Deus na Terra." ("O Evangelho segundo o Espiritismo", FEB, 72ª edição, pp. 59/60.)

            "Tenho ainda muito o que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora" - havia dito o Divino Mestre; quando vier, porém, o Espírito de Verdade, ele vos guiará a toda a verdade, porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar. Tudo quanto o Pai tem é meu; por isso é que vos disse que há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar." (João, 16:12 a 15)

            Tudo isso forma um conjunto lógico de meridiana clareza: Jesus, o Messias, o Médium de Deus, que preside à regeneração da Humanidade, e prepara o Reino de Deusna Terra, não pode ensinar tudo, de viva voz, porque os homens não poderiam, na época, entendê-lo. Então, em nome do Pai, prometeu enviar-nos o Espírito Santo, isto é, uma Doutrina Consoladora, orientada pelo Espírito de Verdade, que tudo nos explicaria e que nos faria lembrar os seus divinos ensinamentos. Esse Consolador seria enviado por Ele, porque era dele e, como tal, o glorificaria. Cumpriu, quase dezenove séculos depois, a sua grande promessa, através do Espiritismo, que lhe clareou e completou os ensinamentos imortais.

            O Espiritismo é, pois, como Kardec reconheceu e proclamou, o Consolador prometido por Jesus, para apressar a redenção da Humanidade, em nome e sob o influxo do Soberano Mestre. Sem as luzes do Espiritismo faz-se impossível entender toda a lógica, toda a verdade e toda a excelsa beleza do Evangelho Cristão, do mesmo modo que sem as luzes divinas do Evangelho o Espiritismo simplesmente não teria qualquer razão de ser.




O Cristo está no leme...


Bittencourt Sampaio em foto colorizada que foi capa recente de 'Reformador' (FEB).


O Cristo está no leme...
do livro ‘Instruções Psicofônicas’ (FEB)

            A reunião da noite de 2 de junho de 1955 reservou-nos grande surpresa. Por ausência do companheiro encarregado do serviço de gravação, ocupamo-nos pessoalmente desse mister. E, enquanto atendíamos a semelhante tarefa, notamos que a organização mediúnica denotava expressiva alteração. Intuitivamente assinalamos que o nosso Grupo estava sendo visitado por mensageiro espiritual de elevada hierarquia.

            E não nos enganávamos.

            Colocando-se de pé, o Instrutor passou à palavra.

            Dicção educada. Voz clara e bela.

            Em sucinto estudo, exalça a figura excelsa de Jesus, à frente do Espiritismo.

            Na saudação final, Identifica-se. Tínhamos conosco a presença de Bittencourt Sampaio, cuja sublime envergadura espiritual escapa à exiguidade de nossa conceituação.

            Despede-se o orientador e encerramos a reunião.

            Movimentamo-nos para estudar a mensagem, ouvindo-a, de novo; no entanto, com o maior desapontamento, notamos que a gravadora não funcionara.

            Perdêramos a palavra do grande instrutor.

            Comentando a alocução ouvida, a maior parte dos companheiros afasta-se do recinto.

            Nós, porém, um conjunto de seis amigos, permanecemos na sede do Grupo mais tempo, examinando a máquina e lamentando o acontecido.

            Uma hora decorrera sobre o encerramento de nossas tarefas e preparávamos a retirada, quando o médium anunciou estar ouvindo de nosso amigo espiritual José Xavier o seguinte aviso: - "Não se preocupem. Meimei e eu gravamos a palavra do benfeitor que esteve entre nós, de passagem. Reúnam-se em silêncio e o médium poderá ouvi-la de nossa máquina, fixando-a no papel."

            Sentamo-nos ao redor da mesa, com o material de escrita indispensável.

            Depois de nossa prece, o Chico esclarece estar vendo uma pequena gravadora junto de nós, manejada pelos amigos espirituais e, dizendo escutar a mensagem, põe-se a escrever moderadamente, evidenciando a audição em curso.

            Entretanto, o médium escreve e faz a pontuação, ao mesmo tempo.

            Ajudando-o a segurar o papel, conjeturamos mentalmente: - "Ora, se o Chico está ouvindo a mensagem gravada, como pode fazer a pontuação? Estamos diante de um ditado ou de psicografia comum?"
            No instante exato em que formulamos a indagação em pensamento, sem externá-la, o médium interrompe a grafia por momentos e explica-nos:

            - "Meu amigo, o José (1) recomenda-me informar a você que, enquanto Meimei está comandando a gravadora, ele está ditando a pontuação para melhor segurança do nosso serviço."

               (1) Referência ao nosso amigo espiritual José Xavier. Nota do organizador.

            Extremamente surpreendido, guardamos o esclarecimento.

            Terminada a escrita, o médium leu quanto ouvira. Notamos com admiração que o papel apresentava a mensagem que ouvíramos de Bittencourt Sampaio.

            Relatada a ocorrência que julgamos seja nossa obrigação consignar nos apontamentos sob a nossa responsabilidade, para os estudiosos sinceros de nossa Doutrina, passamos à comunicação do venerável orientador.


            Confrange a quantos já descerraram os olhos para a verdade eterna, além da morte, o culto da irresponsabilidade a que muitos de nossos companheiros se devotam, seja na dúvida sistemática ou na acomodação com os processos inferiores da experiência humana, quando o Espiritismo traduz retorno ao Cristianismo puro e atuante, presidindo à renovação da Terra.

            Com todo o nosso respeito à pesquisa enobrecedora, cremos seja agora obsoleta qualquer indagação acerca da sobrevivência da alma por parte daqueles que já receberam o conhecimento doutrinário, porque semelhante conhecimento é precisamente o selo sagrado de nossos compromissos diante do Senhor.

            Há mais de dez milênios, nos templos do Alto Egito e da antiga Etiópia, os fenômenos mediúnicos eram simples e correntios; entre assírios e caldeus de épocas remotíssimas, praticava-se a desobsessão com alicerces no esclarecimento dos Espíritos infelizes; precedendo a antiguidade clássica, Zoroastro, na Pérsia, recebia a visitação de mensageiros celestiais e, também antes da era cristã, na velha China, a mediunidade era desenvolvida com a colaboração da música e da prece.

            Mas, o intercâmbio com os desencarnados, excetuando-se os elevados ensinamentos nos santuários iniciáticos, guardava a função oracular do magismo, entremeando-se nos problemas corriqueiros da vida material, fosse entre guerreiros e filósofos, mulheres e comerciantes, senhores e escravos, nobres e plebeus.

            É que a mente do povo em Tebas e Babilônia, Persépolis e Nanquim, não contava com o esplendor da Estrela Magna - Nosso Senhor Jesus-Cristo -, cujo reino de amor vem sendo levantado entre os homens.

            Na atualidade, porém, o Evangelho brilha na cultura mundial, ao alcance de todas as consciências, cabendo-nos simplesmente o dever de anexá-lo à própria vida.

            Espíritas! Com Allan Kardec, retomastes o facho resplendente da Boa-Nova, que jazia eclipsado nas sombras da Idade Média!

            Meus amigos, que o amparo de Nossa Mãe Santíssima nos agasalhe e ilumine os corações.

            Cristo, no centro da edificação espírita, é o tema básico para quantos esposaram em nossa Doutrina o ideal de uma vida mais pura e mais ampla.

            Compreendamos nossa missão de obreiros da luz, cooperando com o Senhor na construção do mundo novo!..

            Não ignorais que a civilização de hoje é um grande barco sob a tempestade... Mas, enquanto mastros tombam oscilantes e estalam vigas mestras, aos gritos da equipagem desarvorada, ante a metralha que incendeia a noite moral do mundo, Cristo está no leme!

            Servindo-o, pois, infatigavelmente, repitamos, confortados e felizes:

            Cristo ontem, Cristo hoje, Cristo amanhã!..

            Louvado seja o Cristo de Deus!

                                   Bittencourt Sampaio


Hermínio escreve sobre a Codificação



            Poucas as existências como a de Allan Kardec, nas quais tão claramente se evidencia a cuidadosa execução de um plano articulado entre Espíritos e homens. Há algum tempo, escrevi, fascinado pelo tema, um livro (ainda inédito) chamado "Mecanismos Secretos da História", para desenvolver a tese de que, ao contrário do que desejam fazer crer as correntes materialistas, a História tem um mecanismo espiritual, impulsos espirituais, causas e consequências espirituais, de vez que o homem é Espírito e todo o plano da História consiste em fazê-lo caminhar para Deus.

            No desenrolar da existência de Kardec vemos a marca inconfundível dessa ideia. Tudo na sua vida é planejado com atenção e executado com rigorosa fidelidade aos seus compromissos espirituais. Renasceu o grande Espírito em 1804. Quinze anos antes, a Revolução Francesa sacudira o mundo com o clamor de suas aspirações e o estremecera com os excessos de suas atrocidades. Justamente em 1804, Napoleão se fez imperador e a América do Norte vivia o primeiro decênio da sua independência.

            Kardec não teve pressa. Seu trabalho é todo um modelo de meticulosidade; o produto do seu labor só vem a público na época certa, no momento exato da maturação das ideias; não antes. Ele estuda, espera, reexamina, medita e somente depois de convencido segue adiante. Quer conhecer antes o terreno que pisa, para não repetir o drama do filósofo que contempla as estrelas, mas tropeça pelo chão. Durante 50 anos, meio século, toda a sua atividade está concentrada em estabelecer entre os homens sua reputação de educador e de pensador. Em 1848 os fenômenos de Hydesville, nos Estados Unidos, começam a despertar a atenção do mundo para as manifestações dos Espíritos, mas, Kardec não é adesista de primeira hora. Quer ver e estudar tudo primeiro. Somente em 1854, quando o fenômeno das mesas girantes fascinava toda a Europa, toma contato com o problema através de uma observação de seu amigo Fortier. Sem recusar sumariamente a coisa, Kardec se reserva a um juízo posterior, depois de estudado o fenômeno.

            Em princípio de 1855 outro amigo, o Sr. Carlotti, também lhe fala do assunto e Kardec continua em guarda, porque, segundo confessa, seu amigo era um tanto exuberante demais. Só em Maio de 1855 ele se põe, afinal, diante da manifestação mediúnica, em casa da Sra. Roger, com a presença do Sr. Fortier, do Sr. Patier e da Sra. Plainemaison.

            Era a primeira sessão de uma série da qual sairia toda a obra planejada pelos Espíritos. Mesmo, porém, atirando-se ao trabalho com a energia que lhe era característica, Kardec continuou lúcido e frio no exame dos fatos. Somente emite sua opinião depois de absolutamente seguro dela. Por isso, não tem pressa. De 1854, quando sua atenção foi solicitada para o fenômeno, até 1869, quando desencarnou, decorreram 15 anos incompletos. A história do pensamento humano ainda não fez justiça a esse período que marca o despertar da Humanidade. Em 11 anos vieram à luz os cinco livros básicos da Doutrina Espírita, na seguinte ordem:

1.        1857 - O Livro dos Espíritos
2.        1861 - O Livro dos Médiuns
3.        1864 - O Evangelho segundo o Espiritismo
4.        1865 - O Céu e o Inferno
5.        1868 - A Gênese

            A sequência é perfeita e se desenvolve de acordo com o plano. Em primeiro lugar, a doutrina se caracteriza pela sua despersonalização. Não é um sistema filosófico--religioso montado por um só homem, com a marca da sua personalidade, batizado com seu nome individual. A primeira pedra do edifício, a obra básica, sobre a qual se assentará toda a estrutura - "O Livro dos Espíritos" - é, de certa forma, trabalho anônimo, ou melhor, um trabalho de equipe.

            Ninguém o assina; os Espíritos se revezam nas instruções. É interessante observar, ainda, que os Espíritos não querem dar ao livro a feição de um depoimento expositivo, como se fosse um tratado. Isso, também, parece ter a sua razão de ser. Muitos aspectos do mundo espiritual são irredutíveis à linguagem humana e, ainda que eles insistissem em discorrer sobre tais aspectos, de pouco valeria para a maior parte dos leitores, senão para todos, e o livro correria o risco de ser tido por uma desvairada fantasia de cérebros doentios. Seria preferível que Kardec formulasse as perguntas, todas do ponto de vista humano, a fim de que nesse "background" intelectual do espírito encarnado, pudessem os desencarnados traçar, em linhas mestras, o panorama do mundo espiritual, de suas leis e perspectivas. Kardec era, inegavelmente, o homem indicado para formular as perguntas. Ampla e variada era sua cultura humanística, sólidos os seus postulados morais, lúcidos os seus conceitos científicos. Tinha um cérebro bem ordenado, habituado ao raciocínio lógico, e uma curiosidade intelectual sadia e bem orientada: uma inteligência penetrante, analítica e fria completava o seu arcabouço psíquico.

            Lançados os alicerces da doutrina em "O Livro dos Espíritos", Kardec prosseguiria, daí em diante, ainda sob a orientação dos seus amigos espirituais, porém, com maior autonomia de pensamento. Não é mais apenas o discípulo que pergunta aos mestres o que deseja saber; é o aluno aplicado que, findo o aprendizado, resolve explorar o terreno por sua própria conta. Não prescinde dos mestres, mas já sabe como conduzir-se. Os Espíritos deixam à sua discrição o plano de trabalho, deixam-no no exercício pleno do seu livre-arbítrio; e o novo mestre sai-se brilhantemente da tarefa. 

            Os livros subsequentes não são mais uma coletânea de instruções dos Espíritos desencarnados, sob a forma de perguntas e respostas, mas a contribuição de Kardec, o desdobramento humano da obra articulada e certamente planejada com imenso carinho, no espaço, antes de sua encarnação.

            "O Livro dos Médiuns" apareceria somente depois de 4 anos da publicação de  "O Livro dos Espíritos". "O Evangelho segundo o Espiritismo", em 1864, três anos após o precedente, seguido de perto pelo "O Céu e o Inferno", em 1865. Somente em 1868, onze anos depois do "O Livro dos Espíritos", era publicada "A Gênese".

            Este é o encerramento lógico da obra de Kardec. Nos livros anteriores explorara os segredos e problemas da mediunidade, analisara à luz do Espiritismo o Evangelho de Jesus, discutira as velhas e perniciosas crenças nas penas e recompensas eternas.

            Pouco faltava àquele espírito para fazer passar pelo crivo do seu raciocínio.

            Esse pouco está em "A Gênese", cujo centenário se comemora em Janeiro corrente, de 1968. Este livro não foge ao roteiro invisível de Kardec. Embora encadeada no conjunto do chamado pentateuco kardequiano, "A Gênese" constitui leitura autônoma. Pouco mais de dez anos são passados desde que o mestre elaborou com os Espíritos o primeiro livro da série. O momento é oportuno para uma revisão do seu trabalho e uma reapresentação das ideias discutidas ao longo de quase duas mil páginas compactas. Teria o tempo e as observações subsequentes modificado alguma coisa nos conceitos, mesmo secundários? Nada. É um monumento monolítico de beleza e grandeza sem par. Assim, antes de entrar no objeto do livro propriamente, Kardec apresenta uma reexposição da doutrina contida nas obras anteriores e nos seus inúmeros escritos espalhados pela "Revue Spirite". O Espiritismo, ensina ele, "não estabeleceu nenhuma teoria preconcebida; assim, não apresentou como hipóteses a existência e a intervenção dos Espíritos, nem o perispírito, nem a reencarnação, nem qualquer dos princípios da doutrina; concluiu pela existência dos Espíritos, quando essa existência ressaltou evidente da observação dos fatos, procedendo de igual maneira quanto aos outros princípios". (A Gênese, pág. 19 da 13ª edição brasileira da FEB.)

            Aproveita, ainda, a oportunidade para rebater certas acusações assacadas contra o Espiritismo, especialmente aquelas que poderiam, de certa forma, impressionar a mente dos menos avisados. Acha que a doutrina da pluralidade das vidas, ou seja, a da reencarnação, "é uma das mais importantes leis reveladas pelo Espiritismo, pois que lhe demonstra a realidade e a necessidade para o progresso" (pág. 29). Em seguida, examina uma vez mais o problema de Deus, o do  bem e do mal, para somente a partir do capítulo IV atacar o objeto do seu livro que é o estudo do mundo material em que vivemos.

            Na realidade, o livro não cuida somente da formação da Terra, sua história, sua constituição atual e as perspectivas do seu destino; examina também a questão dos milagres, e conclui estudando o problema das predições.

            Quanto à gênese propriamente dita, não elimina de todo a concepção de Moisés, procurando explicá-la em termos da ciência da sua época. Examina as noções de tempo, de espaço, de matéria, bem como a astronomia em geral e, em particular, o nosso sistema e, neste, a Terra. Oferece considerações sobre a gênese orgânica e a espiritual. Nos capítulos 13 a 15 estuda e explica, em face da Doutrina Espírita, os chamados milagres, ensinando que, longe de serem derrogações das leis divinas, indicam a existência de outras leis mal conhecidas ou desconhecidas. Tudo investiga, examina, analisa e, conclui, oferecendo o seu depoimento.

            Finalmente, aprecia a difícil questão levantada pela profecia, apresentando, de início, uma "Teoria da Presciência", passando, em seguida, a estudar as profecias e predições contidas nos Evangelhos. O capítulo final é uma janela panorâmica aberta para o futuro. Parece que o mestre sentia a aproximação do fim de sua existência terrena e queria deixar, no seu livro último, uma palavra de esperança e de otimismo, mas também de advertência. Ensina que a Humanidade caminha irresistivelmente para a frente, porque os espíritos que a compõem vão renascendo melhorados de vida em vida. Acredita que as grandes transformações preditas para o futuro próximo não sejam acompanhadas necessariamente de cataclismos espetaculares nem de terríveis abalos cósmicos. Acha ele que "uma mudança tão radical como a que se está elaborando não pode realizar-se sem comoções. Há, inevitavelmente; luta de ideias. Desse conflito forçosamente se originarão passageiras perturbações, até que o terreno se ache aplanado e restabelecido o equilíbrio. É, pois, da luta das ideias que surgirão os graves acontecimentos preditos e não de cataclismos ou catástrofes puramente materiais". Observa, entretanto, que há um encadeamento, uma certa sintonia entre conflitos de ideias e fenômenos físicos. É o que declara ao proclamar o seguinte: "Se, pelo encadeamento e a solidariedade das causas e dos efeitos, os períodos de renovação moral da Humanidade coincidem, como tudo leva a crer, com as revoluções físicas do Globo, podem os referidos períodos ser acompanhados ou precedidos de fenômenos naturais, insólitos para os que com eles não se achem familiarizados, de meteoros que parecem estranhos, de recrudescência e intensificação dos flagelos destruidores, que não são nem causa, nem presságios sobrenaturais, mas uma consequência do movimento geral que se opera no mundo físico e no mundo moral."

            Entende, porém, lógico e de se esperar que a promoção da Terra na escala moral tenha de ser feita à custa do afastamento, para outros corpos celestes, dos Espíritos que, ficando aqui, contribuiriam para a perpetuação das angústias por que passam os que desejam o progresso e a paz espiritual.

            Aí está o pensamento do mestre, nos últimos lampejos da sua vida como Allan Kardec. Em suma, pode dizer-se que em "A Gênese" Kardec dá um balanço no impacto causado pelo Espiritismo nos seus 10 anos de existência, estuda o meio físico em que vive o homem encarnado, aprecia os milagres do ponto de vista espírita, examina a complexa questão das predições e conclui com uma advertência e um brado de esperança.

            As últimas palavras de sua última obra de fôlego contêm uma súmula de todo o objetivo de sua vida: "Os incrédulos - diz ele - rirão destas coisas e as qualificarão de quiméricas; mas, digam o que disserem, não fugirão à lei comum; cairão a seu turno, como os outros, e, então, que lhes acontecerá? Eles dizem: Nada! Viverão, no entanto, a despeito de si, próprios e se verão, um dia, forçados a abrir os olhos."

Extraído de artigo de Hermínio Miranda em 'Reformador' (FEB) de Janeiro de 1968 

sábado, 26 de abril de 2014

O Caixão de Tereza



Humberto de Campos

O Caixão de Tereza
Humberto de Campos


in ‘Memórias Inacabadas’ (Ed. José Olympio - 1935)
  
            Em Parnaíba, a rua que passa ao lado da Santa Casa de Misericórdia, chama-se ‘Coronel Pacífico.’ À esquina, em um quadro feito de tinta escura, lia-se, quando ali cheguei em 1894, e ainda se lia em 1903, esse dístico, em tinta branca. No prédio enorme, que toma todo um quarteirão, em que funcionam hoje os serviços da caridade urbana, residia, há sessenta ou setenta anos, esse homem poderoso.  Membro, dos mais proeminentes, da aristocracia da província, possuía numerosos escravos e grandes terras. O seu gado mugia em nove comarcas do sertão e os seus negros enchiam toda a praça fronteira, à hora da bênção a seu senhor. Um orgulho fundo enchia-lhe, por isso, o largo peito brasileiro, e era com displicência altiva que passava a mão pela barba grisalha e espalhada que, aberta em leque, lhe cobria o coração.

            Das suas escravas, uma houve, todavia, que conseguira o milagre da alforria pelo trabalho. Rezando e penando, juntando o vintém ao vintém, comprara, primeiro, a liberdade, e, em seguida, para pagar a Deus a bênção da liberdade, adquirira,  um caixão de defunto. Era resultado de uma promessa que fizera. Prometera a Deus que, se um dia fosse livre, ofereceria à Igreja do Rosário um caixão enfeitado como o dos brancos para conduzir os escravos ao cemitério. Que eles tivessem, na morte, uma igualdade que não haviam conseguido em vida. O caixão levá-los-ia a enterrar e voltaria para a igreja, à espera de outro viajante da Eternidade. A caminho do outro mundo, naquele esquife agaloado, que substituiria a rede humilde e suja, o escravo teria a ilusão póstuma de que morrera redimido. E Tereza, a velha preta,  era feliz e rezava consolada, porque dera esse último sonho de liberdade aos seus irmãos.

            O negro, era, porém, antigamente, não só animal de trabalho como objeto de ridículo. Ao passar o caixão de um branco, os transeuntes se calavam, compungidos, murmurando um ‘Deus te leve’, com a pena e o terror no coração. Se era, porém o caixão de Tereza que atravessava as ruas, aos ombros de quatro negros que levavam a enterrar um companheiro, os brancos paravam pilheriando, e as senhoras corriam para a janela, sorrindo, numa zombaria alegre da última vaidade daqueles homens de cor. E quem melhor sorria, do alto do seu orgulho branco e de homem rico, era o coronel Pacífico, antigo senhor da Tereza, diante de cuja casa, no outro lado da praça, para que ele sorrisse mais, ficava o cemitério.

            Um dia, partiu o coronel, a cavalo, a visitar as suas numerosas fazendas do sertão. No segundo dia de viagem, ao apear-se em uma das povoações das margens do Parnaíba, tem uma síncope, e morre de repente. A população rodeia lhe o corpo, compadecida e preocupada. Sepultá-lo no cemitério local, cercado de varas e esburacado pelos tatus, é desrespeito a homem tão poderoso. Amarrar o cadáver à sela de um cavalo a fim de conduzi-lo, por terra, para Parnaíba, é missão impiedosa e difícil, pelas 24 horas de marcha, que são necessárias. E como o caminho mais cômodo é o rio, resolvem os moradores  colocar o corpo sobre uma taboa sobre os bancos de uma canoa, e fazê-la descer, à força de remos, a toda velocidade, rumo de Parnaíba. Se os remadores não descançarem, remando dia e noite, lá chegarão em vinte horas. Fez-se isso, e a canoa partiu.

            Animados pela esperança de uma larga recompensa, os tripulantes da embarcação fúnebre fazem-na voar pelas faces barrentas do rio. Horas seguidas, os remos roncam ao ritmo surdo, deixando para trás os redemoinhos gorgolejantes das águas. Ao anoitecer, param para repousar um instante, no porto de um povoado. Os remadores encaminham-se para uma taberna e põem-se a beber. A meia noite, embriagados todos, voltam para a canoa, e na exaltação do álcool, resolvem compensar as horas perdidas remando com maior fúria. Como tenham trazido para bordo um garrafão de aguardente, remam e bebem. E remam e bebem ainda quando, á primeira claridade do dia, um deles solta um grito:

            - Cadê o defunto?

            O morto havia realmente desaparecido. Com o impulso da canoa para a frente, o corpo se havia deslocado no rumo da popa sem leme, e, por aí, caído n’água... A embarcação faz, porém, meia volta e, em breve, os seus homens encontram o cadáver que descia na correnteza. Reembarcado, começa, de novo, a corrida vertiginosa da canoa, rio abaixo. Até que se ouve outro grito:

            - Pega o homem!

            Era o corpo do coronel que havia, de novo, caído n’água. E como, ao reavê-lo, os remadores, completamente bêbados, não o punham convenientemente sobre a tábua, tantas vezes o repescassem quantas ele voltava à água, forçando os tripulantes ora a mergulhar, ora a nadar, para que a embarcação não chegasse a Parnaíba sem a sua carga fúnebre. Da última vez, para não interromperem mais a viagem, e, mesmo porque o cadáver já tivesse entrado em putrefação, os canoeiros deliberaram:

            - Deixe o homem na água mesmo!
           
            E, amarrando o defunto pelo pé, prendem a corda à popa da canoa, e rebocam-no rio abaixo, rumo de Parnaíba.

            Ao chegarem ali, o corpo, em franca decomposição, foi arrastado para a praia. O mal cheiro, espalhado, e a notícia da ocorrência fazem correr para o porto metade da população. A família do morto, surpreendida pelo acontecimento que a cobre de dor e de luto, movimenta-se. É preciso, quanto antes, dar sepultura aqueles despojos macabros, que jazem sobre a areia, à margem do rio.  Os marceneiros, chamados, declaram que só no dia seguinte poderão dar pronto um caixão.

            E é quando alguém lembra...

             - E o caixão da Tereza?

            A ideia é aceita, embora com constrangimento. Vem o caixão, que se achava na sacristia do Rosário. O caixão, promessa da negra velha.


            E o corpo do coronel Pacífico atravessou a cidade, entre o dobre funerário dos sinos das duas igrejas de Parnaíba, no caixão de enterrar escravos, aos ombros de quatro escravos, que tapavam o nariz...



quinta-feira, 24 de abril de 2014

Espiritismo: Religião dinâmica



Espiritismo:
Religião Dinâmica

Indalício Mendes
Reformador (FEB) Maio 1962

            O Espiritismo é a Doutrina que melhor se adapta aos tempos presentes, com vistas ao futuro, porque encerra princípios eternos, que preexistiam antes de Swedenborg e das irmãs Fox, porque têm a idade da vida humana neste planeta. Importa, no entanto, que todos nós, responsáveis pela disseminação das ideias espíritas - todos nós, entendam, profitentes, médiuns, mentores, simpatizantes, etc. -, nos esforcemos para dar demonstração prática e permanente daquilo que a Doutrina nos ensina, para que não caiamos nos erros de outras religiões, que se petrificaram em dogmas inconciliáveis com a razão ou se tornaram ineficientes em virtude da apatia dos que as dirigem, mais preocupados com eles mesmos e com os problemas da vida material do que com as responsabilidades intrinsecamente espirituais.

            Em vez de uma religião estática, o Espiritismo precisa de continuar sendo uma religião dinâmica, em todos os seus compartimentos, em todos os seus setores, em todos os seus graus, enfim. Não nos preocupamos com o número de espíritas, mas com a qualidade de cada um dos que aceitam a Doutrina codificada por Allan Kardec. A caridade é uma tarefa dinâmica e indeclinável em qualquer lugar onde haja um espírita verdadeiramente integrado nos princípios doutrinários. O essencial é permanecer fiel à Doutrina, é pregar a Doutrina, é exemplificar a Doutrina. Sem isto ninguém será realmente espírita.

            O Espiritismo não se alheia das obras de caráter social. Socorre, assiste, orienta, multiplicando sempre a sua ajuda, quer no setor material, quer no moral e no espiritual. Renunciar à caridade, sob qualquer pretexto, será trair a Doutrina. O espiritista tem um dever fatal: servir. Não pode deixar-se ficar à margem de iniciativas destinadas a beneficiar o próximo. Votar-se à inação ou revelar má vontade em relação ao trabalho de outros confrades, constitui uma traição à Doutrina.

            O misticismo não atende integralmente às aspirações doutrinárias. O Espiritismo é uma religião prática, assente no Evangelho do Cristo, uma religião dinâmica, atuante, alerta, que restabeleceu no mundo o Cristianismo verdadeiro que foi expulso da Terra desde que se começou a dar maior importância às vantagens de ordem temporal, aceitando-se conchavos com os poderosos e realizando-se barganhas com a Política. O Espiritismo não pode cair nesse atoleiro; mas, para que não o comprometamos, mister se torna iluminarmos o nosso caminho com as luzes da Doutrina, respeitando-a e fazendo que a respeitem e a sigam.

            Já houve quem dissesse que o Espiritismo não é religião, mas apenas uma filosofia. Não nos surpreende o que possam dizer mais do que já disseram os inimigos da nossa crença. O que Kardec afirmou é que o Espiritismo não é uma religião constituída, "visto que não tem culto, nem rito, nem templos e que, entre seus adeptos, nenhum tomou nem recebeu o título de sacerdote ou de sumo-sacerdote”. O que se faz em certos países que adotaram um espiritismo a seu jeito e possuem pastores e bispos, igrejas, liturgias, etc., é uma deturpação do Espiritismo legítimo, uma imitação de religiões dominantes nesses países.

            Quando insistimos pelo estudo e exemplificação da Doutrina, fazemo-lo pela convicção cada vez mais arraigada de que somente ela dará ao espírita sincero e estudioso a oportunidade de conhecer mais de perto as belezas contidas em suas páginas, ao mesmo tempo que apressa o burilamento de nossas qualidades morais, encurtando-nos o caminho para o aperfeiçoamento espiritual.

            Caso contrário, ocorrerá a “morte do espírito”, que pode anteceder e geralmente antecede à “morte do corpo”. Mas o espírito morre? Certamente, num dado sentido. Se a criatura humana se desvia do bom caminho, comprometendo a sua posição cármica, seu espírito torna-se “enfermiço” e “morre” em relação aos bens que o aguardariam se outra fosse a sua diretriz. Quando ocorre a morte do corpo, isto é, a desencarnação, o espírito dessa criatura, muito perturbado, perde a consciência de si mesmo, até que seja encaminhado ao trabalho de recuperação, tão bem descrito nas extraordinárias obras de André Luiz. Então, o espírito que havia “morrido”, por não ter consciência do valor da vida moral, realiza estágios na erraticidade, aprendendo ou reaprendendo coisas que desconhecia ou das quais se esquecera, empolgado pelo imediatismo da vida material. Quando alcança determinado grau de depuração, é quase um novo Espírito. O espírito velho, portanto, “agoniza”. Quando se completa a sua reabilitação, pode-se dizer, então, que morreu o espírito velho e nasce um Espírito novo.

            É preciso, no entanto, compreender que o “eu” é sempre o mesmo. O que na realidade se verifica é a evolução moral do Espírito. Com a aquisição da Verdade, o espírito velho desaparece para dar lugar a um Espírito novo, integrado na realidade espiritual. Pelo menos é assim que o entende Allan Kardec, cujas lições têm sempre algo de novo para quem se decida a repetir o estudo de suas obras.



              Indalício Mendes

Os destaques são do Blog.

terça-feira, 22 de abril de 2014

Esforços Dispersivos


Esforços dispersivos
Jesuíno Macedo
Reformador (FEB) Janeiro 1962

            Os opositores do Espiritismo costumam classificar os médiuns entre os histéricos e os psicastênicos, atribuindo-lhes desordens nervosas e até mesmo considerando-os anormais. Ora, bem se vê que em tudo isso há evidente exagero e indisfarçável propósito de deprimir o Espiritismo. Os fatos demonstram à saciedade que o médium é, isto sim, uma criatura de grande sensibilidade nervosa, sem que essa sensibilidade, na maioria dos casos, possa conter algo de patológico.

            Aqueles que combatem o Espiritismo por convicção firmada aereamente, sem jamais haverem estudado honestamente o assunto, ou por conveniências pessoais, caso que não é raro, preferem o caminho mais curto e simples: negar, mesmo sem base alguma na verdade.

            Depois de alguns anos, surgiram os primeiros opositores conformados, mas intransigentes quanto à denominação dos fenômenos psíquicos. Não falaram e não falam em fenômenos psíquicos ou fenômenos espíritas, mas, sim, em "fenômenos paranormais"... " Uma longa e estapafúrdia terminologia foi criada para definir fenômenos já classificados pelo Espiritismo em linguagem sóbria e inteligível. Hoje em dia, qualquer obra científica ou pseudocientífica ou, ainda, não-científica, que trate de tais assuntos, derrama uma enxurrada de vocábulos e expressões difíceis, complicadas e nem sempre expressivas, para dizer a mesmíssima coisa que os espíritas dizem com simplicidade e sem circunlóquios.

            Ninguém nega o relativo valor dos trabalhos do Dr. J. B. Rhine. Ele, porém, já parou onde costumam parar todos aqueles que querem avançar nesse terreno sem se iluminarem com os ensinamentos espíritas. Então, para não confessarem o beco sem saída em que se veem, recorrem a sofismas que o tempo se encarregará, uma vez mais, de destruir. Até mesmo o Dr. Rhine, para não ser apodado ou apedrejado por organizações científicas e religiosas, para não sofrer as limitações impostas pelo puritanismo utilitarista, vicejante ainda nos Estados Unidos - aquele mesmo puritanismo que sacrificou a vida normal do Prof. Scopes, porque este se confessara adepto do evolucionismo darwiniano -, o Dr. Rhine preferiu o nome de "parapsicologia" para os seus estudos e investigações, fugindo da terminologia e das explicações espíritas.

            No Brasil, temos visto espíritas demonstrarem entusiasmo pela parapsicologia e até mesmo louvarem a adoção de estudos... parapsicológicos em organizações espíritas. Que revela isto? Falta de conhecimento real da questão e entusiasmo superficial, por ouvir dizer.

            Qual o dever dos espíritas... espíritas? Cerrar fileiras em torno do Espiritismo, ajudando-o a desenvolver-se também no terreno científico, auxiliando-o de todas as formas úteis. Tem havido, infelizmente, muita dispersão de esforços. Dada à liberalidade do Espiritismo, que não procura limitar o exercício do livre arbítrio de ninguém, muitos espíritas ainda pouco espíritas assumem posições diversas e contraditórias. Suas opiniões pessoais prevalecem sobre pontos de vista que deveriam ser reforçados. Cada qual toma um rumo ditado por sua cabeça, cada qual acha que está mais certo do que o outro, e as coisas vão acontecendo ao sabor da vontade livre e desembaraçada.

            Não há dúvida de que o livre-arbítrio faculta a cada um a possibilidade de pensar e agir como entender, tornando-se responsável único pelos erros, deficiências ou desregramentos que cometer, assim pelo mal que de sua atitude sobrevier àqueles que o acompanharem.

            Os que mais se beneficiam com tudo isso são os inimigos do Espiritismo, que estimulam a diversidade, enquanto os espíritas conscientes dos deveres doutrinários continuam trabalhando pela unidade. Realmente, as discordâncias pessoais deveriam ser solucionadas à luz da Doutrina Espírita, desde que a vaidade cedesse lugar à humildade, e o bom-senso não fosse ultrapassado por atitudes que debilitam em vez de fortalecerem aqueles que as assumem.

            Há por aí um cartaz sobre cooperação, digno de ser estudado. Na primeira parte, mostra dois burrinhos ligados um ao outro por uma corda, tendo diante de si dois feixes de feno. Um burrinho quer ir para um feixe, enquanto o outro deseja tomar rumo diverso. O resultado é que nenhum deles consegue comer o feno. Entretanto, se concordassem, ambos devorariam juntos o primeiro feixe e, em seguida, se dirigiriam ao outro feixe, dando cabo dele. É uma questão de compreensão.

            Semelhante exemplo esclarece perfeitamente a necessidade da colaboração para se conseguir alcançar um determinado objetivo sem demora e com êxito completo.

            A dispersão de esforços é obra anti espírita, enquanto a conjugação do trabalho constitui tarefa benemérita que ajuda o progresso do Espiritismo. A questão está em unir, não em dividir. Enquanto a divisão enfraquece, a união fortalece.


            O meio mais simples e prático de orientação está no estudo sério da Doutrina Espírita. Não é espírita quem acredita nos fenômenos espíritas. É espírita, entretanto, aquele que conhece e segue o mais possível os ensinamentos constantes da nossa Doutrina. 

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Contra sensos


Contra sensos

Emmanuel
por Chico Xavier
Reformador (FEB) Jan 1961

            Quando a gota se viu semelhante a uma gema valiosa, na folhagem da primavera, insultou o rio em que se formara: Sai da frente, monstro do chão.

*

            Quando o tronco se agigantou diante do firmamento, blasfemou contra a própria raiz: Não me sujes os pés.

*

            Quando o vaso passou pela cerâmica em que nascera, gritou, revoltado: Não suporto essa lama.

*

            Quando o ouro se ajustou ao palácio, indagou da terra que o produzira: Que fazes aí, barro escuro?

*

            Quando a seda brilhou, na pompa da festa, disse à lagarta que lhe dera a existência: Não te conheço, larva mesquinha.

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            Quando a pérola fulgiu, soberana, exigiu da ostra em que se criara: Não te abeires de mim.
*

            Quando o arco-íris se reconheceu admirado pelo pintor, acusou o Sol de que se fizera. "Não me roubes a luz.

* * *

            Copiando esses contra sensos figurados da Natureza, o homem insensato, quando erguido ao pedestal do orgulho pelos abusos da inteligência, costuma escarnecer de si próprio, afirmando jactancioso: A vida é poeira e nada, e Deus é ilusão.