O panteísmo
de Allan Kardec
Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Abril 1943
No seu livro de ataque ao Espiritismo,
descobriu o muito digno Sr. padre Zioni que Kardec é panteísta. E se bem o
disse, melhor o provou.
Vejam, agora, a documentação que ele
apresenta, deixando no ânimo dos leitores, em geral, em especial no dos alunos
do Seminário, a convicção do panteísmo de Kardec. Assim, transcreve ele de “Le
Spiritisme à sa plus simple expression.”:
"Deus atrai todos a si mesmo”.
Entre parênteses, acrescenta o professor:
"Note-se a ideia panteísta".
Notaram? Agora, por exemplo, diz alguém: O
mestre chamou a si todos os alunos. É uma ideia panteísta, notaram?
A Irmã Paula chamou a si todos os
necessitados... Quem não notará o panteísmo da irmã Paula?
"O reverendo foi de porta em porta e,
procurando encaminhar aquelas almas para Deus chamou-as todas a si".
Panteísmo no caso.
O professor, a irmã Paula e o reverendo estavam
emitindo ideias panteístas. Note-se.
É muito comum e as histórias estão cheias
de tais relatos, dizer alguém, quando invoca auxilio ou socorro: - "A mim,
a mim!" "é: mim, os mosqueteiros do rei!".
Os pedintes, sem o saberem, provavelmente
estão fazendo panteísmo.
Notará, entretanto, na frase atribuída ao
Kardec (quem não tiver preconceitos eclesiásticos, que a Deus se atribuía a
bondade de chamar ao seu seio, ou ao seu reino ou a mansão da felicidade,
indistintamente, todas as criaturas.
É isto o que é chamar a si.
Outro lanço em que o reverendo deixa irretorquivelmente
provado o panteísmo kardecista:
"Pela morte do ser orgânico os
elementos que o formavam sofrem outras combinações para construírem outros
seres, os quais tiram da fonte universal o princípio da vida e atividade absorvendo-o
e assimilando-o para o restituírem a esta fonte, quando cessarem de viver.
Notaram? Eu, com franqueza, não consegui notar
coisa nenhuma.
Que é que tem aquilo com panteísmo?
Porque as diversas combinações sofridas
pelos seres orgânicos importariam em ideias panteístas? Ou o padre ensinará aos
seus alunos que seres orgânicos são seres espirituais?
Orgânico é aquilo que tem órgãos. Refere-se
a corpos, corpos organizados.
Todos sabem, os que têm ligeira tintura de
história natural - que os corpos vegetais e animais nascem, crescem, vivem e
morrem. Mortos, voltam ao laboratório da natureza, onde se transformam em novos
corpos. O cadáver decompõe-se e nos imensos fornos da natura transmuda-se, e o
corpo disforme, infecto, pútrido renasce em cotilédones, em hastes, em folhas,
em galhos, em flores, em frutos...
Qualquer colegial sabe disto, provavelmente
com exceção dos seminaristas do Central do Ipiranga. Kardec, consequentemente,
não ensinou coisa nenhuma de panteísmo; apresentou, apenas, uma noção que se
encontra, com pequenos acréscimos, em qualquer epitome de ciências físicas e
naturais.
Outra demonstração. Transcreve do Kardec o
reverendo:
"Deus sendo eterno, deve haver criado
incessantemente. Deus, espírito e Matéria constituem o princípio de tudo o que
existe - a trindade universal.
Fomos procurar onde
Kardec teria dito aquilo, pelo menos para saber se ele tinha, de fato, escrito,
ou porque escrevera espírito com ‘e’ pequeno e Matéria com ‘M’ grande.
Baldado empenho.
A citação é de
Justino Mendes. O padre Zioni cita Allan Kardec através do Padre Justino.
Qual o processo de
verificar o que disse o Kardec, onde o disse, como disse? Não o sabemos.
Já Ruy Barbosa
censurava esse processo de citar, principalmente quando tais citas constituíam
prova.
Assim se exprimia o
notável jurista:
"O costume que o professor seguiu, de citar
unicamente o nome do clássico, sem a obra e o lugar onde se acha a passagem
transcrita, não satisfaz, nem se explica. Admite-se nos manuais escolares, por
não os carregar de notas e lhes avultar o porte. Mas, em trabalhos de crítica,
maiormente nas polêmicas, é injustificável. Ou o escritor cita de primeira mão,
e nada lhe custará declarar de onde o faz; ou de segunda e terceira, e então,
se o livro de onde tirou, for igualmente omisso, os seus documentos não estão
verificados, nem são verificáveis; o que os priva inteiramente de valor."
(Réplica, 14.)
Cabe inteira a
carapuça no ilustre reverendo.
Qualquer, porém,
que fosse a mão em que ele houvesse apanhado o texto que transcreveu, o que não
notamos é onde ressumbra ali algo de panteísmo.
O que diria o
Kardec é que existe Deus, espírito e matéria, e tudo no Universo se resume
nessa trindade. Pois não é?..
Pois não sabe o
reverendo e não sabe todo o mundo que existe Deus, que existe o espírito, e que
existe a matéria?
E há alguma coisa fora
da matéria, espírito e Deus?
A existência de
Deus não a negará o reverendo.
Que tudo o mais que
existe ou é matéria ou é espirito, ou promana de uma ou de outro, proclama-o a ciência,
a filosofia e a religião.
Kardec, pois, não
fez mais que repetir um axioma velhíssimo, estafadíssimo. Se o reverendo acha
que isto é panteísmo - doutrina interessante pela sua originalidade - a culpa não
cabe ao Kardec.
*
Se em questões de tão pequena monta, e tão
triviais, tropeça, claudica e erra o professor do Seminário, imagine-se o que
poderá ser a sua ofensiva aos conceitos, aos ensinos, aos postulados do
Espiritismo.
Temos um pequeno exemplo na maneira por que
trata do perispírito e o discute.
Vejamos as suas proposições:
"A função do Perispírito é servir de substratum para as materializações..."
Pelo dito, parece que o perispírito só tem
essa finalidade: servir de substratum
às materializações.
Temos ainda:
O Perispírito prende-se ao corpo, pelo
chamado cordão umbilical, visível nas sessões como um fio luminoso. Este último
torna-se visível se leva consigo moléculas do corpo do médium.
Esta visibilidade do cordão umbilical
quando leva consigo moléculas do corpo do médium foi ensinada pelo padre
Lacroix e por d. Otavio Chagas de Miranda.
O que não sabemos quem ensinou é o trecho
que se segue:
"Sua finalidade (a do perispírito) é
prender a alma ao corpo. Não pode portanto separar-se do seu espírito, sem que
advenha a morte do indivíduo."
O que nós sabemos é que o perispírito nunca
se separa do espírito. A hipótese de que se possa separar, palpita-nos que seja
teoria ou ensinamento do reverendo Lacroix ou de Monsenhor Miranda, nunca de Allan
Kardec.
"Os presentes a uma sessão espirita
que têm vibrações iguais às do médium, podem fornecer parte do seu Perispírito
para as materializações."
Os presentes a fornecerem parte do seu
perispírito para as materializações, deve ser ainda, um luminoso ensino de d.
Miranda ou do padre Lacroix; nunca, porém, de Allan Kardec ou espírita que
saiba alguma coisa.