domingo, 19 de novembro de 2017

Um caso original




Um caso original
H. Magalhães
Reformador (FEB) Abril 1943

O Dr. Alberto Freire, jovem médico, é um cientista de alto valor. Educado num colégio protestante, em Juiz de Fora, abraçou essa religião. Teve por mestre um missionário do bem, o que muito o auxiliou a formar um caráter probo, com raízes
no Cristianismo...

Sua esposa apresentava sinais evidentes de mediunidade, repelidos, no entanto, pelo esposo, por serem tais manifestações proibidas pela seita protestante. Aliás, essa faculdade de há muito vinha sendo notada por uma tia do facultativo, médium, em sua sobrinha, desde tenra Idade.

- Você chame-me de maníaca - dizia ela ao sobrinho - mas, tenho a certeza de que em breve será um dos nossos.

- Qual - revidava ele, dando uma gargalhada - jamais acreditarei nessa balela. Só aceito o que a ciência demonstra.

Nesses momentos trazia à colação nomes laureados pela chamada ciência oficial, com a sua bagagem de argumentos contrários ao Espiritismo. A tia esperava a ocasião oportuna e esta chegou afinal.

Um belo dia a esposa foi tomada na rua por Espíritos rebeldes, não regressando ao lar à hora costumeira. O esposo falou para as pessoas da família, Assistência e Polícia, sem lhe descobrir o paradeiro. Quando começava a desesperar, surge-lhe ela em casa, acompanhada de um guarda municipal.

- O que aconteceu? - perguntou o cientista, com a alma apreensiva.

- Encontrei-a na rua, falando sozinha! - disse o guarda, designando o local do encontro. Interrogando-a, disse-me que morava aqui. Desconfiei tratar-se de um desequilíbrio mental, por isso resolvi acompanhá-la à sua residência. Peço-lhe ir, amanhã, ao Distrito, para explicações, afim de salvaguardar a minha responsabilidade.

O facultativo ficou macambuzio. Logo que a esposa melhorou, perguntou-lhe:

           - Porque saiu, sem me comunicar? O que foi fazer para aqueles lados?

- De nada me lembro - respondeu. Não sei o que se passou comigo. Estou deveras impressionada.

Ela era o que chamamos médium inconsciente. Contudo, passado o primeiro susto, caiu tudo no esquecimento, apesar das advertências sinceras da boa tia. Tempos depois, há aproximadamente dois anos, o jovem cientista chegou à casa, encontrando tudo em alvoroço. Os livros da estante estavam espalhados pelo chão, o mesmo acontecendo à louça e a outros objetos. No quarto de dormir um amontoado de vestidos e roupas.

- Fulana, chamou ele pela esposa. Silêncio absoluto. - Fulana! - Ia repetindo. Ninguém respondia. Foi ao quintal, revistou toda a casa e nada. - Fui roubado -  pensou. - e minha mulher fugiu apavorada. Dirigiu-se, pois, à porta, a fim de ir comunicar o caso à polícia. Quando pegou no trinco e puxou, ele se negou a correr. Que diabo tem aqui dentro? - monologava.

Instintivamente voltou ao quarto de dormir, já agora bastante contrariado, dando um pontapé no montão de roupas espalhadas. Descobriu então a esposa, inerte, no chão, tendo enfiada na cabeça e amarrada no pescoço uma fronha. As mãos, igualmente amarradas nas costas com a borracha dum irrigador, que se achava no local. Dentes cerrados, respiração fraca, olhos fechados. Chamou-a pelo nome sem, no entanto, obter resposta.  

Desamarrou, como pode, os complicados nós, perdendo nessa operação um tempo precioso.

A seguir, tentou suspendê-la, mas o seu corpo tinha redobrado de peso. Parecia de chumbo. Na suposição de que tivesse sido vítima dum ataque, preparou uma injeção. Quando ia aplicá-la, quebrou a agulha. Preparou outra, mas a agulha envergou.  Tentando injetar pela terceira vez, a esposa suspendeu a mão espalmada, fazendo sinal que parasse. Parece um caso de Espiritismo - raciocinou o nosso herói, ao mesmo tempo que seus cabelos se eriçavam. Resolveu chamar uma vizinha, a fim de o auxiliar.

Nessa ocasião a porta se abriu, sem a menor dificuldade. Quando a vizinha chegou e viu aquilo, começou a tremer. - Isto é coisa do outro mundo, seu doutor - disse ela, com os olhos arregalados. - Vá embora, ordenou ele, irritado. A senhora tem menos coragem do que eu.

Nesse instante, lembrou-se de que alguém lhe tinha falado dum espírita, morador nas proximidades. Para lá se dirigiu, implorando o auxílio do bom homem.

Chegando este, fez uma prece. A certa altura, a atuada deu um pulo e pôs-se de pé. Meio atordoada, manteve-se nesse estado pelo espaço de uma semana.

A conselho do espírita o marido levou-a a uma sessão. O remédio - disseram-lhe os guias – é o desenvolvimento mediúnico. Trouxe essa missão e, se não a cumprir, sofrerá as consequências. Como da outra vez, a moça não se lembrava do acontecido. Nada desaparecera da casa; excluída ficou, portanto, a hipótese de roubo. Que teria sido, então? Porque a porta não se abrira? Quem teria amarrado a senhora, cobrindo-a com roupas e espalhando tudo pelo chão? Puro mistério.

Diante desse amontoado de provas, rendeu-se à evidência o médico, - Então - argumentou a tia satisfeita, logo após o fato - não lhe disse que você ainda viria a fazer parte dos malucos?! ...

É verdade - respondeu-lhe o jovem – até aqui andava no mundo da lua. Agora, graças a Deus, arranque! as escamas dos olhos!

*


É autêntico, em todos os pontos, o caso que acabamos de narrar. Somente não damos o nome verdadeiro do protagonista, para lhe poupar incômodos oriundos da curiosidade malsã. 

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