Humildade e fraternidade
Luiz Gomes da Silva
Reformador (FEB) Abril 1943
Ao relermos os Evangelhos de Jesus, afigura-se
nos que as lições ali contidas são mais belas do que quando as estudamos pela
primeira vez. São sublimes todos os ensinos evangélicos; mas, o que Jesus nos
deu, de humildade e fraternidade, ao se dispor a lavar os pés dos seus discípulos,
não encontra paralelo na história da humanidade. É tão grandioso que desejáramos
o tivessem de contínuo todos os espíritas em suas mentes, para que o
Espiritismo não fosse desviado do curso por Deus traçado.
Não há quem ignore que diariamente as
fileiras espiritas se engrossam de novos crentes que, recrutados pela dor no
seio do materialismo, onde predominam o orgulho, a vaidade, o egoísmo, trazem
para os meios espiritas toda essa bagagem, da qual dificilmente consegue
desembaraçar-se o homem. Dessas criaturas não seria cabível esperar-se que seus
atos se caracterizassem, desde o primeiro momento, pelo cunho da humildade e da
fraternidade. Fora querer o impossível. O que é inacreditável é que os
espíritas militantes, que já perlustraram centenas de vezes o Evangelho e
propagam a sua doutrina ainda manifestem, através de seus escritos, falta de
fraternidade para com aqueles que tudo sacrificam, na intenção de servirem a
Jesus. Isto somente porque entendem ser sábio, justo e infalível o critério de
que usam, devendo, pois, todos orientar-se por ele.
A história da santa inquisição está cheia
de atentados à liberdade de pensamento. Precisamos não esquecer que o Mestre,
Allan Kardec, foi vítima dessa santa inquisição; que foi ferido no íntimo da
sua alma de missionário, ao receber a notícia de que seus livros, enviados para
Barcelona, seriam aí queimados em praça pública, por ordem do bispo daquela
cidade, como obras heréticas, Ninguém duvida de que o bispo de Barcelona fosse
um homem culto e se considerasse fervoroso servo de Jesus; mas, como todas as
criaturas humanas, não era senhor de toda a verdade, razão por que, não podendo
compreender as que se continham nas obras espíritas, sobre estas lançava
anátema.
Não estarão no caso do bispo de Barcelona
os nossos irmãos que com tanta aspereza combatem a obra de Roustaing? Não
conterá ela verdades que ainda escapam aos seus Espíritos, por não as poderem
assimilar? Deixemos que os espíritas não só leiam o Roustaing, como também tudo
quanto possa contribuir para a evolução de seus espíritos, a fim de que, se
Allan Kardec novamente reencarnar em nosso planeta, não sejamos nós os
primeiros a apedrejá-lo, pelo dizer coisas que na sua encarnação anterior não
disse, por não nos acharmos em condições de as compreender.
Jesus, ao lavar os pés dos apóstolos, bem
sabia que eles ainda não estavam à altura de compreender a lição que lhes dava,
que só mais tarde a entenderiam, como também as gerações futuras, ás quais se
dirigiam sempre seus ensinos. Mediante o lava-pés, firmou Ele, com grande
relevo, o dever de serem humildes e fraternos todos os homens. Apesar de ter consciência
de que era um Espírito superior, nivelou-se aos seus apóstolos, dizendo: "Não é o servo mais do que o Senhor, nem o
Senhor mais do que o servo". Quando disse a Pedro que, se lhe não
lavasse os pés, esse apóstolo não teria parte com Ele, foi como se houvera
dito, antecipadamente, que sem o amor fraterno nós, os espíritas, também com
Ele não teríamos parte.
Até há pouco, foi-nos dito que "fora da caridade não há salvação",
a fim de abrirmos mão
de algumas migalhas guardadas pelo nosso egoísmo e as darmos aos chamados
pobres. Hoje, dar de comer a quem tem fome, vestir os nus e velar pela velhice
desamparada constitui obrigação de que nem os ateus se esquivam; o amor ao próximo,
porém, como a nós mesmos, a lealdade e a sinceridade em nossas expressões para
com os nossos irmãos, o apertar-lhes a mão e abraçar, como se abraça um filho
que esteve ausente, com a alma a vibrar de amor, como fez Jesus, isto ainda é
difícil. Faz-se apenas na aparência, pois temos observado haver
criaturas
que, quando se encontram, não dispensam o aperto de mão e o abraço, como
expressão de estima fraternal, mas que, dias depois, se voltam umas contra as
outras, como se foram sempre inimigas.
É de lastimar-se que tal aconteça;
infelizmente, porém, ainda tem que ser
assim, por mal nosso, devido à nossa grande inferioridade moral. Anima-nos, entretanto, o podermos reconhecer que nem tudo está perdido. Como disse Jesus,
já se veem ao longe os campos a branquear. Graças a Deus e ao mesmo Jesus, já
vemos nalguns lugares os espíritas darem prova de amor fraterno. Em vários
pontos do nosso
país, esboça-se entre os espíritas um movimento no sentido de se organizarem,
conjugando esforços em prol dos ideais cristãos, movimento esse que implica uma
aproximação fraterna, que necessariamente há de produzir bons frutos, a
atestarem a edificação de suas almas nos ensinos evangélicos.
Permita o Senhor possam esses irmãos
prosseguir na tarefa empreendida, pois que seus esforços certamente serão
abençoados e servirão de estímulo a muitos outros, que ainda se comprazem no isolacionismo
e no separatismo, que nada têm de espíritas, nem de cristãos, em face dos
Evangelhos em espírito e verdade, onde
rebrilha
a palavra de Jesus, pregando a união, a fraternidade, a humildade, a tolerância,
sem as quais não pode haver o amor recíproco, que Ele declarou ser a
característica única dos seus verdadeiros discípulos.
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