quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Humildade e fraternidade


Humildade e fraternidade
Luiz Gomes da Silva
Reformador (FEB) Abril 1943

Ao relermos os Evangelhos de Jesus, afigura-se nos que as lições ali contidas são mais belas do que quando as estudamos pela primeira vez. São sublimes todos os ensinos evangélicos; mas, o que Jesus nos deu, de humildade e fraternidade, ao se dispor a lavar os pés dos seus discípulos, não encontra paralelo na história da humanidade. É tão grandioso que desejáramos o tivessem de contínuo todos os espíritas em suas mentes, para que o Espiritismo não fosse desviado do curso por Deus traçado.

Não há quem ignore que diariamente as fileiras espiritas se engrossam de novos crentes que, recrutados pela dor no seio do materialismo, onde predominam o orgulho, a vaidade, o egoísmo, trazem para os meios espiritas toda essa bagagem, da qual dificilmente consegue desembaraçar-se o homem. Dessas criaturas não seria cabível esperar-se que seus atos se caracterizassem, desde o primeiro momento, pelo cunho da humildade e da fraternidade. Fora querer o impossível. O que é inacreditável é que os espíritas militantes, que já perlustraram centenas de vezes o Evangelho e propagam a sua doutrina ainda manifestem, através de seus escritos, falta de fraternidade para com aqueles que tudo sacrificam, na intenção de servirem a Jesus. Isto somente porque entendem ser sábio, justo e infalível o critério de que usam, devendo, pois, todos orientar-se por ele.

A história da santa inquisição está cheia de atentados à liberdade de pensamento. Precisamos não esquecer que o Mestre, Allan Kardec, foi vítima dessa santa inquisição; que foi ferido no íntimo da sua alma de missionário, ao receber a notícia de que seus livros, enviados para Barcelona, seriam aí queimados em praça pública, por ordem do bispo daquela cidade, como obras heréticas, Ninguém duvida de que o bispo de Barcelona fosse um homem culto e se considerasse fervoroso servo de Jesus; mas, como todas as criaturas humanas, não era senhor de toda a verdade, razão por que, não podendo compreender as que se continham nas obras espíritas, sobre estas lançava anátema.

Não estarão no caso do bispo de Barcelona os nossos irmãos que com tanta aspereza combatem a obra de Roustaing? Não conterá ela verdades que ainda escapam aos seus Espíritos, por não as poderem assimilar? Deixemos que os espíritas não só leiam o Roustaing, como também tudo quanto possa contribuir para a evolução de seus espíritos, a fim de que, se Allan Kardec novamente reencarnar em nosso planeta, não sejamos nós os primeiros a apedrejá-lo, pelo dizer coisas que na sua encarnação anterior não disse, por não nos acharmos em condições de as compreender.

Jesus, ao lavar os pés dos apóstolos, bem sabia que eles ainda não estavam à altura de compreender a lição que lhes dava, que só mais tarde a entenderiam, como também as gerações futuras, ás quais se dirigiam sempre seus ensinos. Mediante o lava-pés, firmou Ele, com grande relevo, o dever de serem humildes e fraternos todos os homens. Apesar de ter consciência de que era um Espírito superior, nivelou-se aos seus apóstolos, dizendo: "Não é o servo mais do que o Senhor, nem o Senhor mais do que o servo". Quando disse a Pedro que, se lhe não lavasse os pés, esse apóstolo não teria parte com Ele, foi como se houvera dito, antecipadamente, que sem o amor fraterno nós, os espíritas, também com Ele não teríamos parte.

Até há pouco, foi-nos dito que "fora da caridade não há salvação", a fim de abrirmos mão de algumas migalhas guardadas pelo nosso egoísmo e as darmos aos chamados pobres. Hoje, dar de comer a quem tem fome, vestir os nus e velar pela velhice desamparada constitui obrigação de que nem os ateus se esquivam; o amor ao próximo, porém, como a nós mesmos, a lealdade e a sinceridade em nossas expressões para com os nossos irmãos, o apertar-lhes a mão e abraçar, como se abraça um filho que esteve ausente, com a alma a vibrar de amor, como fez Jesus, isto ainda é difícil. Faz-se apenas na aparência, pois temos observado haver
criaturas que, quando se encontram, não dispensam o aperto de mão e o abraço, como expressão de estima fraternal, mas que, dias depois, se voltam umas contra as outras, como se foram sempre inimigas.

É de lastimar-se que tal aconteça; infelizmente, porém, ainda tem que ser assim, por mal nosso, devido à nossa grande inferioridade moral. Anima-nos, entretanto, o podermos reconhecer que nem tudo está perdido. Como disse Jesus, já se veem ao longe os campos a branquear. Graças a Deus e ao mesmo Jesus, já vemos nalguns lugares os espíritas darem prova de amor fraterno. Em vários pontos do nosso país, esboça-se entre os espíritas um movimento no sentido de se organizarem, conjugando esforços em prol dos ideais cristãos, movimento esse que implica uma aproximação fraterna, que necessariamente há de produzir bons frutos, a atestarem a edificação de suas almas nos ensinos evangélicos.

Permita o Senhor possam esses irmãos prosseguir na tarefa empreendida, pois que seus esforços certamente serão abençoados e servirão de estímulo a muitos outros, que ainda se comprazem no isolacionismo e no separatismo, que nada têm de espíritas, nem de cristãos, em face dos Evangelhos em espírito e verdade, onde
rebrilha a palavra de Jesus, pregando a união, a fraternidade, a humildade, a tolerância, sem as quais não pode haver o amor recíproco, que Ele declarou ser a característica única dos seus verdadeiros discípulos.


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