segunda-feira, 30 de abril de 2012

30 de Abril





30 de Abril

 A vida sem ideal
É trilha na contramão,
Dificuldade e perigo
Seguindo sem direção.


Cornélio Pires
por   Chico Xavier
in ‘Baú de Casos”
 (Ed IDEAL  SP)


domingo, 29 de abril de 2012

Carta a Humberto


Carta a Humberto

Meu querido:

            Já eu me dispusera a planejar um futuro de comunicados mediúnicos, quando veio a mim a auspiciosa notícia da tarefa a que te propuseras realizar.

            Confesso-te: de início assemelhou-se-me a empresa invulgar e agigantada, mas muito própria ao amor que teu coração retém e que acumulaste nas vivências gregas e romanas. Confirma-se, deveras, o primeiro qualificativo, que o meu entusiasmo insuflou à consciência e que, agora, a pena reproduz com ligeireza. Mas quanto ao agigantado do trabalho, apresso-me em confidenciar ao panorama espírita que a magnitude do tesouro que pulsa em teu peito em muito superou-lhe o grau.

            Tenho andado, asseguro-te, num torvelinho de atividades, mas - e isso tu mesmo o sabes - ... como diferem da tortuosa produção materialona as criações do indivíduo cônscio de perspectivas inusitadas, afastadíssimas do empertigado clima mundano, sobretudo dos salões regurgitantes da cidade-luz. .. Acho-me atravessado por um novíssimo raio de esperanças e - quero certificar-te - minhas certíssimas experiências na Terra, em futuro, hão de ser de menos petardos causticantes e de mais luta .. Assim, no momento em que enfrentar desta vez não sei de qual nação a aduana, viverei menos azombado, mais feliz. Isso tudo é certo!

*

            Imagina que há uns tempos percorri as regiões africanas, sob a égide de um amigo que me não autoriza o revelar-lhe o nome. O que colhi, a mancheias, anula toda a minha obra terrena: é experimentação novíssima para mim. Eu mesmo estonteei-me com as pinturas que analisei. Não há, nem jamais houve, realismo literário que logre retratar o sofrimento contido em cada homem, ou mulher, ou criança que passassem os olhos vermelhos e muito secos pelo meio das cabilas áridas, naquele exílio da vida. A cabeça dos anciães, meu caro Humberto, coroada por agulhante carapinha, continha, entretanto, a nobreza mais pura e mais nobre
(tu me entendes ... ) que o mundo ostenta. Voltei mentalmente a Paris e o que recordei fez-me sentir a mim mesmo o mais rasteiro dos vermes, dentre a abundância de vermes que a Terra abriga. Eram criaturas azoinadas, a quem faltavam as poltronas em que se repimpassem gordalhufamente, como os estarostes da Rússia Imperial. Ali, em meio ao odor que, no Brasil, o bugre toma ao africano, a administração era a dos sofrimentos mais diversos. O anedotário configurava a dor; a própria dor fazia da felicidade a mais autêntica das quimeras.

*

             Meu querido: anteontem, cumprimentei-te com todo o afeto e respeito que te voto. Hoje, torno a endereçar-me à tua luta e digo-te: Tu o sabes; a forma vale pouco; o fundamento é praticamente tudo. Na época em que o mundo balança, qual malabarista em corda-bamba, foi esse um dos empreendimentos mais lúcidos que tive a ventura de presenciar. Nunca houve tanta carência de bibliotecas que contivessem livros, muitos, muitíssimos, mas, sobretudo, que guardassem nesses livros amor em grande monta!  Estamos atravessando uma etapa de vacuidade absoluta: há muito desentendimento. O raciocínio, aciona-o a chave do orgulho, que mata incontinenti o coração, originando a incipiência dos institutos pessoais: aqueles que deveriam ser o auxílio incondicional, em nome de Jesus. (Figura o que dirão os sapientíssimos dicionários ambulantes, ao verem o velho Eça transformado em beatíssimo arauto de religião!. .. Oh, Senhor! Deixai-os viver, pobres deles!)

            Meu bom amigo: foi validíssimo o "tour de force" que perpetraste. Suaste muito! Mas, crê: já existe uma pequenina construção nova na obra do Cristo. Essa é a tarefa de todos. Já são novos e sucessivos horizontes a clarear o "tête-à-tête" humano, apaziguando as pavorosas cenas de berros e de bofetões que o homem apronta. Foi mais um passo, Humberto.

            Abençoe-nos o Senhor.

            O teu
              Eça de Queiroz

P.S. Sabes bem do porquê da ausência de data. Não há dia que marque mais a amizade do que aquele em que maior vontade de renovação haja. E esse são-no já todos.

Eça de Queiroz  
por Gilberto campista Guarino,
na antevéspera da reabertura
da Biblioteca da FEB, na Avenida Passos em 11-10-73
in Reformador (FEB)  em Jan 1974



Do  Blog: Aos que buscam informar-se sobre o quebra cabeças do 'Quem foi Quem' temos aqui mais uma informação confiável: Humberto e Eça viveram tanto na Grécia como na Roma antigas.

29 de Abril


29 de Abril

 O Desejo de Subir

Estou na planície...
Além, há uma montanha:
no alto, um brilho,
um brilho de luz
me mexe com os nervos,
me impele a andar;
e mais forte é o brilho
e mais me seduz.

Deploro a planície,
tão simples, tão chã...
e mais eu caminho
e galgo as escarpas
e vou-me arrastando,
num esforço de quem só anseia
chegar bem lá perto do foco de luz
e nele entrever o Mestre Jesus.  

Amazonas Hércules

in ‘Canção da Esperança”
 (C E ‘Filhos de Deus’ -  4ª Ed 1999)


sábado, 28 de abril de 2012

'Reencarnação'





‘Reencarnação’

baseado em original de  
Dolores Duran

A gente briga
Diz tanta coisa
Que não quer dizer

Briga pensando
Que não vai sofrer
Que não faz mal
Se tudo terminar

Um belo dia
A gente entende
Que ficou sozinho

Vem a vontade
De chorar baixinho
Vem o desejo triste de voltar...

Você se lembra
Foi isso mesmo 
que se deu comigo

Eu tive orgulho
E tenho por castigo
a vida inteira pra me arrepender...

Se eu soubesse
Naquele dia o que sei agora
Eu não seria
Este ser que chora
Eu não teria ferido você...



28 de Abril



28 de Abril

08/08  - Quantas bênçãos dela Vem!


 Deus houve nossos clamores,
não menospreza ninguém.
Que valor tem uma prece:
quantas bênçãos dela vem!


Casimiro Cunha
por   Alaor Borges Jr.
in ‘Semeadores da Verdade”
 (Ed. Espírita Paulo e Estevão 1ª Ed. 1998)



27 de Abril



27 de Abril

07/08  - Quantas bênçãos dela Vem!


 Não há problema insolúvel
para quem a fé já tem;
a oração nos liga ao céu
quantas bênçãos dela vem!


Casimiro Cunha
por   Alaor Borges Jr.
in ‘Semeadores da Verdade”
 (Ed. Espírita Paulo e Estevão 1ª Ed. 1998)




quinta-feira, 26 de abril de 2012

Viver e Existir



Viver e Existir
           
            Comece a viver, amando. Enquanto Você não doar um tanto de sua própria alma na edificação daqueles que partilham de sua caminhada na presente experiência reencarnatória, Você continuará existindo apenas.

            Existir, porém, não é viver. Existimos no mundo por força da Criação Divina.

            Não poderemos, entanto, equiparar-nos aos vegetais e aos animais que desfrutam conosco a escala zoológica apenas num degrau inferior, simplesmente desfrutando um lugar ao sol.

            Somos chamados a desenvolver-nos em sentido maior. Deveremos criar, também, à nossa volta.

            Criar, contudo, apenas no sentido de conforto físico não nos faz melhores que um joão-de-barro, que também edifica a sua própria casa; ou que uma serpente que apropria o seu covil. Certo é que nossas obras poderão ser mais sofisticadas, já que utilizamos os apêndices que a Providência Divina nos oferece por braços e mãos e a imaginação que desenvolvemos no curso de milênios de busca do bem-estar.

            Nossa criação deve tender para o sublime.

            Serão os bens do campo da alma - únicos que não se destroem com o tempo e nem podem ser tomados indebitamente, já que ninguém manuseará o que somos na intimidade do ser.

            Integremo-nos na ação divina. O mundo precisa de nossa colaboração, a fim de dinamizar o seu panorama espiritual, para crescer no sentido da própria vida, sem que sejamos semelhantes a parasitas que sobrevivem da seiva alheia.

            Quanta insatisfação - por lutar contra a nossa natureza.

            Quanta frustração - por alimentar-nos de ilusões.

            Quanto egoísmo - por sermos tardos de afeto.

            Quanto orgulho - por não medir o que ignoramos.

            Quanta angústia - por existir sem viver.

            Uma percentagem arrasadora de nossos sofrimentos pode ser imputada a essa atitude de ausentes da vida, já que nos comprazemos em apenas existir e proclamamos a existência qual se fora a própria vida.

            Só o amor faz-nos nascer para a Vida.

            Estamos, quase todos, num longo e moroso processo de gestação espiritual, ignorando a real luz de nosso mundo, porque preferimos existir embrionariamente, fugindo da delivrance maior.

            Integremo-nos com nossos semelhantes. Sirvamos sempre. Aprendamos a viver, aprendendo a amar.

por Frederico Telles 

inReformador’ (FEB) Março 1974





quarta-feira, 25 de abril de 2012

Qualidade e Quantidade



 Qualidade e Quantidade
           
           
            Em todos os tempos, a iniquidade aninhou-se no seio das chamadas maiorias.

            Nem podia ser de outra maneira, uma vez que elas representam o direito arbitrário e brutal da força. Valendo-se desse prestígio, as decantadas maiorias vem exercendo toda sorte de tiranias e violências, até que, provocando reações, são destronadas, para surgirem de novo, usando outras máscaras, porém com os mesmos intentos egoístas, procurando opor embargos à lei da evolução,

            A vida da humanidade tem sido uma série de lutas contra as pretensões liberticidas e opressoras, sustentadas pelas maiorias. É certo que, de cada queda elas se erguem menos prepotentes e arrogantes; contudo, sempre adversárias da liberdade, sempre inimigas da justiça.

                        As minorias, ao contrário, constituem o terreno propício à frutificação da boa semente suportando os danos e constrangimentos impostos pelas maiorias, anseiam pelo advento das ideias libertárias, tornando-se, por isso, elemento propulsor do progresso e da civilização.

            Todos os benefícios e todos os direitos que as gerações modernas desfrutam representam conquistas das minorias, compostas, quase sempre, dos párias sociais. Jamais partiram de outra fonte quaisquer medidas no sentido de melhorar as condições aflitivas dos povos.

            O gozo do poder fascina os homens obliterando-lhes o raciocínio. A sensação de se verem apoiados na força das armas Ihes acoroçoa o orgulho, enfunando-lhes as velas da vaidade. Por isso, as maiorias constituem terreno estéril onde a verdade e o bem não podem medrar.

            Os que se prestam a receber as revelações do céu são os pequeninos, os simples e humildes componentes das minorias desprezadas.

            O povo judeu, até hoje perseguido e malsinado, eterno Ashaverus sem pátria e sem bandeira, foi o escolhido de Deus para receber em seu seio o Redentor do mundo tendo sido já, em tempo, o oráculo dos profetas portadores das mais transcendentes mensagens celestes.

            Paulo, o erudito Apóstolo das Gentes, perseguido e molestado a cada passo pelas autoridades civis e religiosas, legítimos expoentes da maioria daquela época, dizia,  num sublime e santo desabafo: “Quem está com Deus, está com a Maioria!" Magnífica expressão que sintetiza a mais inconfundível realidade, pois estão com Deus os que, como ele, Paulo, estão com a verdade e com a justiça. Decorre daquela asserção outro fato comprovado: a maioria que coarcta a liberdade de pensamento, que persegue, que cria regalias e privilégios odiosos, que abusa, enfim, do poder, impedindo o livre curso das ideias, portanto do progresso, não está com Deus; por conseguinte,  não pode ser a verdadeira maioria, cujo caráter é universal,  não se medindo pelas facções humanas.

            O reino de Deus não é deste mundo, já o disse o divino Mensageiro da verdade e da graça. Com aquele reino está a maioria que governa o Universo; estão a suprema razão e o excelso direito; estão a indefectível justiça e a soberana onipotência, que rege os destinos da criação.

            A Igreja foi grande enquanto foi pequena. Para sermos grandes no céu, havemos de ser pequenos na terra. A força material e o prestígio político da Igreja cresceram na proporção inversa do seu declínio moral e da sua esterilidade espiritual. No tempo em que ela não tinha catedrais nem recebia o bafejo dos Constantinos, nem era representada pelos príncipes  mas por homens simples e obscuros, possuídos de fé e de entusiasmo pela causa do bem e da justiça, a presença de Jesus em seu seio era um fato.

            “Permanecei em mim e eu permanecerei em vós." A prova dessa comunhão de Jesus com a Igreja se verifica nos poderes espirituais conferidos aos seus legítimos componentes. Quando a Igreja não dispunha de prata, nem possuía ouro, dizia aos paralíticos: Levantai-vos e Iocomovei-vos! E era obedecida.

            Não nos impressionemos,  pois,  com o número. Tratemos de melhorar a qualidade, sem nos preocuparmos com a quantidade pois já sabemos que muitos são os chamados e poucos os escolhidos". Sabemos mais que “estreita é a porta e apertado é o caminho que conduzem à Vida e poucos são os que acertam com ele; ao passo que larga é a porta e espaçosa é a estrada que leva à perdição,  e muitos são os que a preferem".


por Vinícius (Pedro de Camargo)

inReformador’ (FEB) Agosto  1934




26 de Abril


26 de Abril

06/08 -  Quantas bênçãos dela Vem!


 Se o pessimismo te abraça
te aprisiona e te detém,
reage, recorre à prece:
quantas bênçãos dela vem!


Casimiro Cunha
por Alaor Borges Jr.
in ‘Semeadores da Verdade”
 (Ed. Espírita Paulo e Estevão 1ª Ed. 1998)


terça-feira, 24 de abril de 2012

25 de Abril


25 de Abril

05/08 -  Quantas bênçãos dela Vem!


 Se a descrença das pessoas
atingiu a ti também,
pela prece tudo muda:
quantas bênçãos dela vem!


Casimiro Cunha
por  Alaor Borges Jr.
in ‘Semeadores da Verdade”
 (Ed. Espírita Paulo e Estevão 1ª Ed. 1998)



Uma só coisa é necessária...



“Uma só coisa
é necessária...”
           
            "Marta, Marta, andas inquieta e perturbada com muitas coisas - uma só coisa é necessária: Maria escolheu a parte boa, que não lhe será tirada".

            Vai nestas palavras brevíssimas de Jesus toda a filosofia espiritual do Cristianismo. Há quase dois mil anos que a humanidade ocidental tenta compreender o Cristo e seu Evangelho; mas essa tentativa é sem esperança de resultado positivo enquanto não mudarmos radicalmente de perspectiva. E essa mudança não se refere a tais ou quais aspectos periféricos, mas requer uma nova atitude central em face da própria realidade metafísica, eterna, absoluta. Não adianta remendarmos um pouco a "roupa velha" da nossa teologia tradicional, cosendo-Ihe algum "remendo novo", não: é necessário e indispensável jogarmos fora, corajosamente, essa "roupa velha" e revestirmo-nos de uma vestimenta inteiramente nova, que não necessite de remendos. Não deitemos o "vinho novo" do verdadeiro espírito do Cristo nos "odres velhos" do nosso cristianismo tradicional, mas tenhamos a jubilosa audácia de crearmos[1] recipientes novos e limpos para o vinho generoso e forte do Evangelho do Cristo.

            Enquanto não passarmos do nosso obsoleto e Multissecular horizontalismo físico-mental para o novo e inédito verticalismo espiritual, não compreenderemos o Cristo e seu Evangelho.

            Segundo a nossa tradicional filosofia empírica ocidental, o que é real, solidamente real, talvez unicamente real, é este mundo material que os nossos sentidos percebem e cujas leis a nossa mente concebe e calcula. Se, além disto, admitimos alguma outra realidade, não-material, essa outra realidade não passa de algo longínquo, vago, precariamente real, quase pseudo real, algo em que cremos, em momentos de boa vontade e emoção espiritual, mas de que nada sabemos propriamente, por experiência imediata. Cremos nesse mundo espiritual, mais por convenção do que por convicção; cremos, porque ouvimos dizer ou lemos a respeito desse tal mundo invisível; cremos, quase por fraqueza ou para fazer um favor a Deus ...  Das realidades do mundo material e suas leis temos noção direta e concreta, diária - ao passo que do mundo espiritual nos vêm apenas uns como que ecos longínquos, uns reflexos indiretos e incertos, que não estão em condições de exercer impacto decisivo sobre a nossa vida humana, ou até suplantar a intensidade das
nossas experiências físico-mentais.

            A nossa fé não representa 1% da força brutal do nosso "perceber", e por isto é inevitável que a concha da balança da nossa vida terrestre penda invariavelmente para o lado dos sentidos e do intelecto, e não para o lado do espírito ou da razão. O mundo espiritual da nossa fé é para nós, uma espécie de bela teoria que respeitamos, mas não uma realidade palpável que possamos jubilosamente praticar e entusiasticamente amar. É um esplêndido "fogo pintado", mas não uma chama real; entretanto, com o mais esplêndido fogo pintado numa tela não posso atear fogo em coisa alguma, ao passo que com a menor das chamas reais posso atear incêndios imensos.

* * *

            Ora, de que modo poderíamos conseguir que o mundo espiritual, que é a alma do Evangelho, se tornasse para nós pelo menos tão real e eficiente como o mundo material? que exercesse um impacto veemente e decisivo sobre a nossa vida humana? que chegasse ao ponto de nos tornar suave e leve o que hoje nos é amargo e pesado? Se tal coisa conseguíssemos, é fora de dúvida que a nossa vida se transformaria completamente; viveríamos agora mesmo o reino de Deus no meio deste "vale de lágrimas"; poderíamos exclamar com um que passou por essa gloriosa experiência: "Eu transbordo de júbilo no meio de todas as minhas tribulações" ...

            De que modo poderíamos conseguir essa conquista máxima da nossa vida?

            Deixando de ser "Martas" e passando a ser "Marias"; deixando de andarmos solícitos e perturbados com as "muitas coisas" do plano horizontal e sentando-nos calmamente aos pés do Mestre, abismados na profunda verticalidade da "única coisa necessária", intensamente real, unicamente real, essa que não é do tempo e do espaço, ilusórios e transitórios, mas da eternidade, e que, por isto mesmo, "não nos será tirada" ...

            Cruzar essa fronteira invisível, transpor esse abismo imenso, passar por essa crise redentora, saber por experiência pessoal e íntima o que é essa parte escolhida por Maria e infinitamente mais real e grandiosa que todas as muitas coisas de Marta - isto é redenção cristã, isto é iniciação espiritual, isto é entrada no reino dos céus, isto é renascimento pelo espírito, isto é procurar o reino de Deus e sua justiça, isto é, a vida eterna ...

            Não ter tempo ou interesse para esta única coisa necessária, esbanjar todo o tempo e todo o interesse nas muitas coisas desnecessárias - isto é suprema insipiência, isto é, horrorosa cegueira e obtusidade espiritual, isto é ser filho das trevas e dormir o sono da morte...

            Tudo que temos ou julgamos ter nos será tirado amanhã - só o que somos é o que seremos para sempre, se é que o somos de verdade, hoje mesmo.

            Tudo que eu chamo meu está apenas ao redor de mim, fora de mim, longe de mim, alheio a meu verdadeiro ser; nada disto sou eu, tudo isto é apenas meu, são os pseudo-meus. Somente o meu Eu é que é realmente meu, inalienavelmente meu, eternamente meu, gloriosamente meu.

            As quantidades que Marta tem são fictícias, temporárias - a qualidade que Maria é, é real, eterna.

             Marta tem muitas coisas - e por isto anda inquieta e perturbada.

            Maria é alguém - e por isto se queda aos pés do Mestre, calma, serena, feliz.

            Quando o homem deixa de ter muitas coisas e começa a ser alguém, então vem sobre ele a grande paz, que o mundo não pode dar nem tirar.

            Não adianta ter - é necessário ser...

           O ser inclui o ter - mas o ter não inclui o ser.

            O ser é qualidade, é causa, é verticalidade, é fonte - o ter é apenas quantidade, efeito, horizontalidade, canal.

            Quem de fato é alguém por sua experiência com Deus pode serenamente perder tudo o que tem, porque sabe que não perde nada; descobriu a divina matemática de que o mais, que é ser, inclui o menos, que é ter; e, como ele possui o mais, o grande MAIS, o TODO, a Deus, não precisa preocupar-se com os pequenos menos, contidos, todos eles, nesse grande MAIS. Pode espontaneamente abrir mão de tudo quanto tem, tornar- se indigente de todas as quantidades horizontais ao redor dele, porque sabe que é milionário daquilo que é, da sublime e profunda verticalidade da qualidade dentro dele. Esse homem descobriu o reino de Deus dentro de si, e já não precisa de dar caça frenética aos pseudo-reinos do mundo fora dele, porque sabe que esses reinos estão todos radicados em Deus, no Deus dentro dele, e que, se os quisesse possuir, os teria todos em grande abundância. Esse homem aprendeu a suprema sapiência de possuir todos os efeitos na causa, e deixou de querer possuir os efeitos sem a causa. Da excelsa atalaia central da sua visão cósmica, esse homem abrange, calma e serenamente, todas as periferias dos mundos que gravitam em torno dele. Possuindo a "única coisa necessária", abrange todas as outras coisas, e possue-as sem inquietude nem perturbação, mas com a serenidade dinâmica e a paz creadora com que o homem espiritual penetra todas as materialidades.

            Que aproveita ao homem ter algo, mesmo que seja o mundo inteiro, se não é alguém, se sofre prejuízo naquilo que ele é, sua alma? Poderá acaso o ter resgatar o ser? poderá o menos crear o mais? poderão as muitas quantidades produzir a única qualidade?

* * *

            Essa transformação da nossa falsa política do ter - na verdadeira filosofia do ser é que no Evangelho se chama "metánoia", que quer dizer "trans-mentalização" (metá-trans; nous-mente) ,geralmente traduzido por "conversão". Quando o homem começa a compreender a suprema sabedoria de que as coisas do mundo material não são primariamente-reais, senão apenas derivadamente-reais, alo-reais, e não auto-reais, e que só o mundo espiritual é que é real em si mesmo - então passa ele pela grande "metánoia", converte-se, transmentaliza-se, muda de mentalidade, realiza em si a misteriosa alquimia espiritual, transmudando elementos vis em elemento nobre, deixa de ser Marta e se torna Maria, para que depois possa ser Maria-Marta, um ser humano capaz de tratar das muitas coisas do mundo material sem inquietude nem perturbação e sem abandonar o seu lugar aos pés do Mestre.

Huberto Rohden
in “Filosofia Cósmica do Evangelho”
(Edição da Fundação Alvorada - 1976)





[1] A substituição da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar é aceitável em nível de cultura primária, porque favorece a alfabetização e dispensa esforço mental - mas não é aceitável em nível de cultura superior, porque deturpa o pensamento. Crear é a manifestação da Essência em forma de existência - criar é a transição de uma existência para outra existência. O Poder Infinito é o creador do Universo - um fazendeiro é criador de gado, Há entre os homens gênios creadores, embora não sejam talvez criadores. A conhecida lei de Lavoisier diz que "na natureza nada se crea e nada se aniquila, tudo se transforma", esta lei está certa se grafarmos, "nada se crea", mas se escrevermos "nada se cria", ela resulta totalmente falsa. Por isto, preferimos a verdade e clareza do pensamento a quaisquer convenções acadêmicas.   Nota do Autor



segunda-feira, 23 de abril de 2012

Calamidades Salvadoras


Calamidades
Salvadoras


            Malgrado toda a cultura que já amontoaram, os homens ainda não conseguem nem entender nem enfrentar as coisas comezinhas que fazem parte integrante de sua estada na crosta terrena. Bem o demonstra o estupor que lhes causam as ocorrências que aparentam decorrer da atuação de forças cegas e caprichosas, rotuladas de fatalidade. A dificuldade, para os encarnados, reside no fato de não possuírem uma concepção firme e racional de suas próprias condições de vida neste «vale de lágrimas», a despeito de todos os protestos que fazem de suas convicções espiritualistas e de sua crença na imortalidade. De fato, para aqueles que reduzem a uma vida única, no plano terráqueo, o mecanismo de ação duma justiça, perfeita e Iniludível - toma-se totalmente incompreensível um acontecimento como o pavoroso incêndio ocorrido no Edifício Joelma, na cidade de São Paulo, onde perto de 200 pessoas foram arrebatadas da vida pelos processos mais dolorosos, sendo a grande maioria constituída de jovens que despontavam para o porvir.

            Diante de quadros como esse é que se pode averiguar a solidez e a justeza da Doutrina Espírita, cujas virtudes consoladoras se realçam exatamente nessas contingências, pois só mesmo a ideia das vidas sucessivas pode asserenar o pensamento atordoado dos homens, fazendo-os entrever a justiça imanente na trama dos fatos cuja brutalidade inesperada os faz descambar, muita vez, para o desespero, a dúvida, e até a descrença. A reencarnação põe à mostra a dinâmica da justiça perfeita e infalível, a desenrolar-se através da lei de ação e reação, que, em suas determinantes, sujeita, sempre e inapelavelmente, a colher segundo o que se planta. E a exatidão desse mecanismo alcança tanto os atos cometidos individualmente quanto aqueles praticados coletivamente. Por isso mesmo, aquilo que aos olhos dos homens são terríveis coincidências, a reunirem num dado local e no mesmo momento criaturas as mais diversas, provenientes das mais distanciadas procedências, conhecidas ou desconhecidas, e impelidas pelas mais fortuitas razões, são, na verdade, dispositivos providenciais que agrupam Espíritos com débitos contraídos em comum e chamados, portanto, no momento oportuno, a resgatarem conjuntamente as responsabilidades assumidas em parceria.

            Se meditarmos bem, é de se agradecer a Deus a irrupção dessas calamidades imprevisíveis, cujas causas imediatas não possam ser imputadas à ação deliberada dos homens, Porque mil vezes mais sinistras são aquelas ocasionadas pela cegueira e pela inópia moral dos homens, como as guerras desencadeadas pelo egoísmo e pelas paixões coletivas, pelo patriotismo inumano que conduz nações inteiras a se digladiarem e exterminarem, e que ainda faz que os patriotas estufem o peito de orgulho, por dizimarem o inimigo, arrasando suas cidades, ou por morrerem heroicamente ...

            Deplorável, nesse particular, o espetáculo que ainda oferece o mundo nos dias presentes. Ignorante ou alienada das coisas do espírito, da realidade de si mesma, a humanidade continua a movimentar o carrossel do círculo vicioso e carreando, para si mesma, os ônus das dores repetitivas, inteiramente desatenta, para sua própria infelicidade, à profunda advertência do Mestre Divino, quando disse: «O escândalo é necessário, mas ai daquele por quem vier o escândalo! ... » Há, contudo, que se refazer dos golpes dolorosos.

             Os desígnios do Pai Celestial são sempre magnânimos e impregnados de misericórdia, que começa por balsamizar as angústias daqueles que são atingidos pela severidade da lei. Misericórdia que impele a todos, igualmente, nas linhas da evolução infinita, à conquista das galas da intelectualidade iluminada e do sentimento sublimado, quando então, sabendo senhorear todas as forças da Natureza e sendo os manobreiros dos próprios destinos, estarão livres das inferioridades e liberados, em definitivo, de suas funestas consequências.



Editorial deReformador’ (FEB) (Março 1974)





24 de Abril



24 de Abril

04/08  -  Quantas bênçãos dela Vem!


 Perante qualquer problema
que nas sombras te retém,
recorre à oração e aguarda...
quantas bênçãos dela vem!


Casimiro Cunha
por  Alaor Borges Jr.
in ‘Semeadores da Verdade”
 (Ed. Espírita Paulo e Estevão 1ª Ed. 1998)



sexta-feira, 20 de abril de 2012

Perdão foi feito prá gente pedir



“Perdão foi feito
prá gente pedir.”

por Felipe Salomão  

            Muita razão tinha o cancioneiro popular quando escreveu a frase que dá título ao comentário: "Perdão foi feito pra gente pedir". Claro está que, se não fôssemos criaturas passíveis (e quanto!) de errar, não haveria necessidade da existência do perdão.

            Para que perdão, se fôssemos perfeitos?

            É, pois, o perdão, um dispositivo imprescindível no mundo em que vivemos; uma válvula de escape para todos nós que vivemos no erro, cometendo os mais disparatados atos contra o nosso equilíbrio.

            Mas, que é o perdão?

            Segundo Martins Peralva ("Estudando o Evangelho" - FEB – 1ª edição - 1961), "o conceito de perdão, segundo o Espiritismo, é idêntico ao do Evangelho, que lhe é fundamento: concessão indefinida de oportunidades para que o ofensor se arrependa, o pecador se recomponha, o criminoso se libere do mal e se erga, redimido, para a ascensão luminosa". Assim, a nós, os espíritas, a Lei do perdão é uma aplicação da Lei do amor ao próximo, consequência mesma da Lei de caridade que devemos aplicar nos nossos atos.

            Ninguém pode, pois, duvidar da eficácia do perdão. Ele nos é recomendado pelos Evangelhos e é ensinado claramente pelo Cristo, como forma de adquirirmos perdão para as nossas faltas.

            Registra o Evangelho: "Se contra vós pecou vosso irmão, ide fazer-lhe sentir a falta em particular, a sós com ele; se vos atender, tereis ganho o vosso irmão. - Então, aproximando-se dele, disse-lhe Pedro: Senhor, quantas vezes perdoarei a meu irmão, quando houver pecado contra mim? Até sete vezes? - Respondeu-lhe Jesus: Não vos digo que perdoeis até sete vezes, mas até setenta vezes sete vezes." (Mateus, cáp. XVIII, vv. 15/21 e 22; "O Evangelho segundo o Espiritismo"  52ª edição - FEB)

            E afirmava Jesus: "Perdoai as nossas dívidas, assim como nós perdoamos nossos devedores." Ainda: "Se, porém, não perdoardes aos homens, tampouco vosso Pai vos perdoará as ofensas" (Oração dominical do "Pai Nosso").

            Não resta dúvida, assim, de que a prática do perdão evangélico - diferente do frio perdão formal - capacita-nos a crédito espiritual; dando-nos condições de, se errarmos, solicitarmos, por nosso turno, ao Pai Celestial, perdão para as nossas ofensas e dívidas.

            O que queremos analisar, contudo, não é a necessidade do ato de perdão, que ela está sobejamente demonstrada no que apresentamos acima e em inúmeras outras palavras do Cristo, que perdoou incessantemente, terminando a sua passagem aqui na Terra com as seguintes palavras: "Perdoai-lhes, Pai, eles não sabem o que fazem."

            Há um outro ângulo da questão que merece estudo.

            Nós ofendemos profundamente alguém que conosco vive. Sentindo o alcance da nossa falha, procuramos o ofendido e lhe pedimos perdão pela falta que cometemos. O nosso irmão, evangelizado, sem dúvida, imediatamente perdoa a nossa falta e até desculpa a nossa insensatez. Para ele, o ofendido, os méritos de haver praticado sinceramente a atitude digna de perdoar o seu ofensor. E para nós? Basta-nos somente o perdão do ofendido? Cremos que não. Sem dúvida, já conseguimos alguma coisa com a nossa ida até o ofendido, reconhecendo que erramos e que carecemos da sua desculpa. É, até, um ato de humildade. Mas, não estamos livres da consequência do nosso ato. Teremos que colher os frutos da nossa atitude, sejam eles quais forem.

            Dirão alguns: "Mas você foi perdoado pelo ofendido!" Sim, fui perdoado, mas não estou desobrigado do esforço pelo reequilíbrio.

            "Deus perdoou." Sim, aceitou o nosso pedido sincero, cheio de arrependimento pela falta cometida, mas, como não é Ele que nos exige reparação, e sim nós que precisamos dela, dá-nos novas oportunidades para o pagamento das nossas dívidas. 

            Queremos dizer: não há o perdão de mão beijada, pura e simplesmente. É indispensável que nós, os ofensores, limpemos as máculas que imprimimos no nosso perispírito. E isso só faremos através do bem, já que só o bem anula o mal.

            Poderão argumentar: "Mas se temos que nos depurar, não há perdão; simplesmente, pagamos o que devemos; não necessitamos de pedir perdão. Exemplo: compro roupas na loja. Fico devendo 500 cruzeiros. Se eu pagar, ainda que em prestações, não há perdão da minha dívida."

            Há o perdão, sim! Ele está manifestado nas diversas oportunidades que Deus nos dá para tentarmos vencer as nossas dificuldades. Depois, parece-nos que o perdão é um pedido de desculpas e não um livramento incondicional, até porque não é Deus que nos pune e sim nós que nos punimos com a Lei de causa e efeito. É o famoso choque de retorno.

            Citemos o caso do "bom ladrão". Na cruz, juntamente com o Cristo, pede ao Mestre perdão por suas faltas, já que era culpado. O Mestre o perdoou, indubitavelmente, mas não o isentou das responsabilidades e consequências dos seus atos. Deveria ele, para entrar no paraíso, volver muitas vezes ao plano da Terra, para refazer aquilo que estragara, construir o que destruíra. Caso contrário, seria o perdão da última hora, quando o pecador, irremediavelmente perdido, suplicaria ao Pai perdão para suas faltas ...

            Citemos o caso de Paulo, o apóstolo da gentilidade. Viu o Cristo na estrada de Damasco. Converteu-se ao Cristianismo e fez, até o fim dos seus dias, a maior pregação do Evangelho de que se tem notícia. Mas, será que ficou livre, por isso, da sua responsabilidade no ato da lapidação de Estêvão, primeiro mártir do Cristianismo? Acreditamos que não. É bem verdade que toda a sua semeadura entre os gentios foi levada a seu crédito na Espiritualidade, mas, verdadeiramente, apenas o bem que haja feito anulará o mal que praticara.

            Não queremos dizer, com tudo isso, que somos adeptos da lei do "olho por olho e dente por dente". Não é preciso que a criatura passe pelos mesmos problemas que criou para o próximo. Isso seria um círculo vicioso. O que é obrigatório é que a criatura, com o bem que pratique, retorne ao equilíbrio, pois quando praticamos o mau os maiores prejudicados somos nós mesmos. É a ideia que já deixamos exposta anteriormente: somente o bem anula o mal que tenhamos feito.

            Para finalizar, ouçamos o que diz Emmanuel:

            "Em nossas faltas, na maioria das vezes, somos imediatamente perdoados, mas não limpos.

            Fomos perdoados pelo fel da maledicência, mas a sombra que tencionávamos esparzir, na estrada alheia, permanece dentro de nós por agoniado constrangimento.

            Fomos perdoados pela brasa da calúnia, mas o fogo que arremessamos à cabeça do próximo passa a incendiar-nos o coração.

            Fomos perdoados pelo corte da ofensa, mas a pedra atirada aos irmãos do caminho volta, incontinenti, a lanhar-nos o próprio ser.

            Fomos perdoados por todos aqueles a quem ferimos, no delírio da violência, mas, onde estivermos, é preciso extinguir os monstros do remorso que os nossos pensamentos articulam, desarvorados.

            Chaga que abrimos na alma de alguém pode ser luz e renovação nesse mesmo alguém,mas será sempre chaga de aflição a pesar-nos na vida.

            Ridicularizados, atacados, perseguidos ou dilacerados, evitemos o mal, mesmo quando o mal assuma a feição de defesa, porque todo mal que fizermos aos outros é mal a nós mesmos.

            Quase sempre aqueles que passaram pelos golpes de nossa irreflexão já nos perdoaram incondicionalmente, fulgindo nos planos superiores; no entanto, pela lei de correspondência, ruminamos, por tempo indeterminado, os quadros sinistros que nós mesmos criamos. Cada consciência vive e evolve entre os seus próprios reflexos." (Do livro "Caminho Espírita", ed. Comunhão Espírita Cristã.)

            Contudo, o ideal mesmo é que jamais tenhamos necessidade de pedir perdão, como lembrou Luciano dos Anjos, em "O Atalho-5", "Reformador" de dezembro de 1973.