Qualidade e Quantidade
Em todos os tempos, a iniquidade aninhou-se
no seio das chamadas maiorias.
Nem podia ser de outra maneira, uma
vez que elas representam o direito arbitrário e brutal da força. Valendo-se
desse prestígio, as decantadas maiorias vem exercendo toda sorte de tiranias e
violências, até que, provocando reações, são destronadas, para surgirem de novo,
usando outras máscaras, porém com os mesmos intentos egoístas, procurando opor
embargos à lei da evolução,
A vida da humanidade tem sido uma
série de lutas contra as pretensões liberticidas e opressoras, sustentadas
pelas maiorias. É certo que, de cada queda elas se erguem menos prepotentes e
arrogantes; contudo, sempre adversárias da liberdade, sempre inimigas da justiça.
As minorias, ao contrário,
constituem o terreno propício à frutificação da boa semente suportando os danos
e constrangimentos impostos pelas maiorias, anseiam pelo advento das ideias
libertárias, tornando-se, por isso, elemento propulsor do progresso e da
civilização.
Todos os benefícios e todos os
direitos que as gerações modernas desfrutam representam conquistas das minorias,
compostas, quase sempre, dos párias sociais. Jamais partiram de outra fonte
quaisquer medidas no sentido de melhorar as condições aflitivas dos povos.
O gozo do poder fascina os homens obliterando-lhes
o raciocínio. A sensação de se verem apoiados na força das armas Ihes acoroçoa
o orgulho, enfunando-lhes as velas da vaidade. Por isso, as maiorias constituem
terreno estéril onde a verdade e o bem não podem medrar.
Os que se prestam a receber as
revelações do céu são os pequeninos, os simples e humildes componentes das
minorias desprezadas.
O povo judeu, até hoje perseguido e malsinado,
eterno Ashaverus sem pátria e sem bandeira, foi o escolhido de Deus para
receber em seu seio o Redentor do mundo tendo sido já, em tempo, o oráculo dos
profetas portadores das mais transcendentes mensagens celestes.
Paulo, o erudito Apóstolo das Gentes,
perseguido e molestado a cada passo pelas autoridades civis e religiosas, legítimos
expoentes da maioria daquela época, dizia, num sublime e santo desabafo: “Quem está com
Deus, está com a Maioria!" Magnífica expressão que sintetiza a mais inconfundível
realidade, pois estão com Deus os que, como ele, Paulo, estão
com a verdade e com a justiça. Decorre daquela asserção outro fato comprovado:
a maioria que coarcta a liberdade de pensamento, que persegue, que cria
regalias e privilégios odiosos, que abusa, enfim, do poder, impedindo o livre
curso das ideias, portanto do progresso, não está com Deus; por conseguinte, não pode ser a verdadeira maioria, cujo
caráter é universal, não se medindo
pelas facções humanas.
O reino de Deus não é deste mundo, já
o disse o divino Mensageiro da verdade e da graça. Com aquele reino está a
maioria que governa o Universo; estão a suprema razão e o excelso direito;
estão a indefectível justiça e a soberana onipotência, que rege os destinos da criação.
A Igreja foi grande enquanto foi
pequena. Para sermos grandes no céu, havemos de ser pequenos na terra. A força
material e o prestígio político da Igreja cresceram na proporção inversa do seu
declínio moral e da sua esterilidade espiritual. No tempo em que ela não tinha
catedrais nem recebia o bafejo dos Constantinos, nem era representada pelos príncipes
mas por homens simples e obscuros,
possuídos de fé e de entusiasmo pela causa do bem e da justiça, a presença de
Jesus em seu seio era um fato.
“Permanecei em mim e eu permanecerei
em vós." A prova dessa comunhão de Jesus com a Igreja se verifica nos
poderes espirituais conferidos aos seus legítimos componentes. Quando a Igreja
não dispunha de prata, nem possuía ouro, dizia aos paralíticos: Levantai-vos e
Iocomovei-vos! E era obedecida.
Não nos impressionemos, pois, com o número. Tratemos de melhorar a
qualidade, sem nos preocuparmos com a quantidade pois já sabemos que muitos são
os chamados e poucos os escolhidos". Sabemos mais que “estreita é a porta
e apertado é o caminho que conduzem à Vida e poucos são os que acertam com ele;
ao passo que larga é a porta e espaçosa é a estrada que leva à perdição, e muitos são os que a preferem".
por Vinícius (Pedro de Camargo)
in ‘Reformador’ (FEB) Agosto 1934
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