Educar para o Bem
Tasso
Porciúncula (Indalício
Mendes)
Reformador
(FEB) Julho 1962
O conceito de liberdade ampliou-se
tanto que ficou desfigurado, a ponto de se diluir na licenciosidade. Os
jornais, a seu turno, e com eles as revistas, permitiram-se a divulgação de
fotografias e textos não conducentes com ao recato, a exploração
sensacionalista do crime e do vício como elementos destinados à multiplicação
de sua tiragem. Dessa maneira, tem-se verificado alarmante aberração de hábitos
e costumes, que, a falta de autoridade dos pais, a indiferença dos mestres nas
escolas e a negligência ou comodismo das autoridades incumbidas da defesa da
chamada sociedade, estimulam e agravam.
Ligue-se o rádio e se ouvirão
gracejos pesados, de duplo sentido ou de sentido agressivamente imoral. Faça-se
o mesmo com a TV e aí, então, a situação piora, porque, além do som, há a
imagem a invadir os lares, para lá levando palavras e gestos chocantes, a
pretexto de humorismo, envenenando a moralidade, incutindo no espírito da juventude ideias incompatíveis com a
decência, ou deturpando o sentimento infantil com programas de lutas belicosas,
de crimes, em que são vistos duelos a pistola, apunhalamentos pelas costas,
enfim, cenas que em nada podem melhorar as condições da vida mental dos dias em
que vivemos.
Se ainda não bastassem tantos elementos
de corrupção, já encontráveis em certos teatros, nos quais é moda o emprego até
de palavras obscenas, e, em determinados filmes nacionais e de procedência
estrangeira, em que tudo se sacrifica ao que de mais rasteiro é possível
admitir-se nos ambientes do mais baixo estalão moral, a juventude ainda se v~e
seduzida por ritmos e danças selvagens.
Só a educação do sentimento poderá
salvar o homem de ruína progressiva, do rebaixamento total. Essa educação terá
de ser incrementada dentro do lar, prosseguindo nas escolas. Não é preciso
remontar à Idade Média, porque, então, para combater um mal, seria revivido um
outro, que deixou marcas indeléveis na mentalidade humana.
Será necessário confinar a excessiva
liberdade que se concede à infância , através da educação evangélica, diremos
melhor – através da educação evangélica, ministrada com sentido prático, pela
qual os pais concordem em renunciar a prazeres mundanos, que lhes obrigam o
relaxamento da vigilância indispensável no lar, e prefiram, em contrapartida,
voltar suas atenções aos deveres espirituais, hoje tão abandonados ou
cultivados apenas na aparência.
Quando vemos nos jornais e nas TVs
anúncios de brinquedos que imitam armas de fogo, admirando-nos que não haja
protestos contra os males introduzidos desde cedo no espírito infantil. E
lamentamos a inconsciência dos pais que enchem os filos de cartucheiras,
pistolas ou rifles de brinquedo, deliciando-se com o verem todos eles, horas e
horas por dia, simulando lutas entre bandidos! Assim se vai, instilando na alma
da criança o desamor ao próximo, a noção de que os problemas da vida podem ser
resolvidos simplesmente por tiro e facadas. Alguns pais, por não quererem
incomodar-se com o disciplinamento dos filhos, permitem essa espécie de
brincadeira e ainda sorriem, contentes, quando eles, vestidos de “cowboys” (!),
infernam a paciência alheia, fazem pequenas desordens, imitando o que veem no
cinema e na televisão.
Enquanto isso, a fábricas de armas
de brinquedo prosperam. Até mesmo em programas elogiáveis, porque buscam
estimular o estudo, premiando meninos e meninas, os prêmios são, na maioria das
vezes, revólveres e cartucheiras... Há dias, foi lançado até um revólver de
repetição e o propagandista salientava o pormenor: parece-se com uma arma de
verdade...
Onde a consciência dos pais? Onde os
princípios de formação religiosa que dizem haver recebido e, para comprová-lo
comparecem a missas e cerimônias outras de caráter litúrgico? Onde a educação
cristã? Onde o amor real aos filhos, se os preparam, com a mais negra
inconsciência, para uma vida sem repercussão evangélica? Que esperam dessas
crianças, amanhã, se elas, desde agora, aprendem a considerar as armas de
destruição como elementos imprescindíveis para a sua defesa ou para atacar o
próximo?
Como poderão esses pais acreditar no
futuro de filhos tão mal preparados psicologicamente? As impressões que as
crianças fixam, geralmente as influenciam o resto da vida. Por isto, fácil se
torna compreender as consequências dessa educação defeituosa, dessa má educação
de pais fúteis, materializados, que pensam mais em si mesmos do que nos filhos.
O que se faz hoje em dia é destruir
na alma da criança os sentimentos de paz, substituindo-os pelos sentimentos
desfraternos, que não poderão acolher jamais o sublime ensino do Cristo: “Amai-vos
uns aos outros”.
A maior tarefa cabe ás mães na luta
pela educação real dos filhos, na recuperação moral da família, no estabelecimento
de rumos diferentes, que farão das crianças de hoje homens úteis à família e à
Humanidade, ou homens cúpidos, egoístas, desumanos, para os quais os outros
homens serão sempre considerados obstáculos que precisam ser destruídos.
Muitos pais, por excessivo e mal
compreendido sentimentalismo, fecham os olhos a erros, hábitos, vícios e
defeitos dos filhos. Creem que, com o tempo, hão de melhorar e esquecerão a “bobagens”
da infância e da primeira juventude. Mas se esquecem de que a tolerância, a
falta de energia, a imperfeita visão das coisas e dos fatos, nada mais fazem
que abrir caminho a novos erros, a consolidar hábitos, vícios e defeitos.
Crianças criadas com muitas
vontades, que fazem mais o que querem do que o que devem, tornar-se-ão, quando
mas crescidas, difíceis de controlar. Poderão transformar-se, com o tempo, em
ditadoras dentro do lar, reservando aos pais as maiores dores-de-cabeça e os
maiores desencantos.
Não se deve, por prudência e por
educação, avivar na criança o sentido de interesse pelo dinheiro, nem
facilitar-lhe a obtenção deste, para que não venha ela, depois, experimentar
verdadeira obsessão pela posse e o orgulho de ter mais dinheiro que outra
criança. A influência que essa conduta tem na deformação do caráter é
extraordinária.
Há pais que pensam consistir em
rezas decoradas a educação evangélica dos filhos. O que vale é a orientação e a
exemplificação. Devem estar vigilantes para que a criança compreenda as lições
recebidas e as cumpra, sem o que de nada valerá o dizer frases de feitura
religiosa, porque a substância espiritual, de que elas poderão ser o veículo,
não conseguirá identificar-se com o seu espírito.
Num mundo tumultuado como o atual,
em que o materialismo domina a vida do lar e a vida externa, a conduta
evangelizada é muito importante. Cada manhã e cada noite, antes de levantar-se
e antes de deitar-se, os filhos devem conversar com a mãe e esta, com a sutileza
comum ao sexo feminino, deve examinar aspectos do dia vivido e comentá-los com
critério evangélico. Não será preciso entediar as crianças com muita reza, mas
esclarece-las, apontando-lhes o caminho da retificação e dando-lhes normas para
seguirem no viver diuturno.
A mãe do famoso Mahatma Gandhi, a
maior expressão espiritual do século costumava fazer os filos repetirem com
ela, todas as noites, ao deitar, frases mais ou menos assim: “Serei sempre bom, jamais farei mal a quem
quer que seja”. E deles exigia tanto quanto possível a exemplificação
dessas promessas. Ora, um trabalho persistente de auto sugestão ia-se
desenvolvendo dessa maneira e as ideias do bem como se sedimentavam na alma de
cada um deles. E não houve na família Gandhi um único elemento que descambasse
para o mal.
Por isso, Gandhi, reconhecendo que a
“educação espiritual das crianças é uma tarefa muito mais árdua do que a
educação física ou intelectual”, entendia que, tal como estas duas que só se
realizam com a ajuda de exercícios práticos, também a espiritual não pode deixar
de ser desenvolvida pela prática cotidiana dos exercícios do espírito.
Na educação, não se deve abandonar a
criança a uma liberdade excessiva. Para o bem dela própria, sua liberdade tem
de estar condicionada a normas definidas pela educação. O homem bom é um homem
livre. A educação espírita ou evangelizada não tem por fim domesticar o homem,
mas prepara-lo convenientemente para uma vida com duplo aspecto, material e
espiritual, coma predominância desta sobre aquela.
O mundo de hoje sofre as consequências
da má compreensão da liberdade humana, pois a entendem como a faculdade de
permitir que cada qual faça o que entenda, sem respeitar o seu próximo. Isto
está longe dos princípios morais baseados nos ensinamentos do Cristo.
Educar para o bem é educar para a
vida real. Aquele que se habita a proceder bem, cultivando a honestidade, a tolerância,
a urbanidade e a fraternidade, encontrará diante de si um caminho em menos
tortuoso e áspero do que aquele que, dominado pelo egoísmo, só pensa em si, só
faz o que atende a seus interesses, que não vê no mundo senão as suas conveniências.
Não é possível que alguém viva rigorosamente para si, apenas, num mundo em que
há milhões de seres sofrendo de fome, de sede e de dor, porque cada qual colhe
o que planta. Ninguém escapa a esta lei.