quarta-feira, 28 de julho de 2021

O Difícil Mister da Caridade

 


O Difícil Mister da Caridade

Vinélius Di Marco (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Outubro 1962

            Várias maneiras há de fazer-se a caridade, que muitos dentre vós confundem com a esmola. Diferença grande vai, no entanto, de uma para a outra. A esmola, meus amigos, é algumas vezes útil, porque dá alívio aos pobres; mas é quase sempre humilhante, tanto para quem dá, como para o que a recebe. A caridade, ao contrário, liga o benfeitor ao beneficiado e se disfarça de tantos modos! Pode-se ser carinhoso, mesmo com os parentes e com os amigos, sendo uns indulgentes para com os outros, perdoando-se mutuamente as fraquezas, evitando não ferir o amor-próprio de ninguém.” Este é pequeno trecho de uma comunicação de “Cárita”, encontrável em “O Evangelho segundo o Espiritismo”.

             Todos nós precisamos de caridade, embora talvez nem todos temos necessidade de esmola. A caridade, segundo o conceito espírita, encerra tolerância, devotamento, fraternidade, humildade, prestabilidade, paciência, perdão, altruísmo, finalmente – amor, que é tudo isso, de par com a sinceridade e a renúncia.

             Ser caridoso não é atender exclusivamente à necessidade que outros demonstrem de alimentos, roupas e dinheiro. Preservar alguém de se destruir pelos maus hábitos, orientar para o bem, ajudar a reerguer-se, tudo isso pode ser uma forma de caridade. Mas só o será se o ato fraterno não se macular pela vaidade e pela soberba. Dar é servir, mas é necessário saber dar, para que aquele que recebe não se sinta inferiorizado a ponto de sofrer intimamente com a ajuda que lhe e dada.

           Precisamos compreender que, de um modo geral, todos necessitamos de caridade, às vezes mais do que aqueles que vemos aparentemente menos felizes. Bem diz o ditado: “Quem vê cara, não vê coração.” Outro afirma: “As aparências enganam.” Legitimamente inspirado, o poeta Raimundo Corrêa pôs num dos mais belos sonetos da literatura brasileira estas verdades ao qual denominou “Mal Secreto”:

 “Se a cólera que espuma, a dor que mora

n’alma, e destrói cada ilusão que nasce,

tudo o que punge, tudo o que devora

o coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse, o espírito que chora,

ver através da máscara da face,

quanta gente, talvez, que inveja agora

nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo

guarda um atroz, recôndito inimigo,

como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,

cuja ventura única consiste

em parecer aos outros venturosa!”

             Nessa maravilha de concisão e de expressão, Raimundo Corrêa deixou estratificada uma das verdades que campeiam no mundo, retratando a realidade da vida humana nesse aspecto íntimo, não raro doloroso, muitas vezes inescrutável.

             Desejamos concluir este artiguete com as palavras de “Irmã Rosália”, colhidas na mesma fonte atrás indicada:

             “Desejo compreendais bem o que seja a caridade moral, que todos podem praticar, que nada custa, materialmente falando, porém, que é mais difícil de exercer-se.

            “A caridade moral consiste em se suportarem umas às outras as palavras e é o que menos fazeis nesse mundo inferior, onde vos achais, por agora, encarnados. Grande mérito há, crede-me, em um homem saber calar-se, deixando fale outro mais tolo do que ele. É um gênero de caridade isso. Saber ser surdo quando uma palavra zombeteira se escapa de uma boca habituada a escarnecer; não ver o sorriso de desdém, com que vos recebem pessoas que muitas vezes erradamente, se supõem acima de vós, quando na vida espírita, a única real, estão, não raro, muito abaixo, constitui merecimento, não do ponto de vista da humildade, mas do da caridade, porquanto não dar atenção ao mau proceder de outrem é caridade moral.

            “Essa caridade, no entanto, não deve obstar à outra. Tende, porém, cuidado, principalmente em não tratar com desprezo o vosso semelhante. Lembrai-vos de tudo o que já vos tenho dito: Tende presente sempre que, repelindo um pobre, talvez repilais m Espírito que vos foi caro e que, no momento, se encontra em posição inferior à vossa. Encontrei aqui um dos pobres da Terra, a quem, por felicidade, eu pudera auxiliar algumas vezes, ao qual, a meu turno, tenho agora de implorar auxílio.


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