terça-feira, 2 de março de 2021

Falências...

                  

Falências...

por Arnaldo S. Thiago      Reformador (FEB) Março 1943

      Anda presentemente o mundo tão cheio de falências que já ninguém acredita noutra prestabilidade do gênero humano e de suas bizarras instituições, senão para justificar o ceticismo de um Anatole France, ou a ironia de um Voltaire...

            De tal modo se radicou, mesmo, nos ânimos essa ideia de generalizada falência, que um dos mais conspícuos e intrépidos cultores do Espiritismo, o nosso grande amigo Leopoldo Cirne (que, hoje, podendo melhor ouvir-nos e perscrutar o nosso íntimo, bem pode avaliar a estima que lhe consagramos) não trepidou em dar ao seu último trabalho – “O Anti-Cristo, Senhor do Mundo” - aquele subtítulo perfeitamente desastroso e de todo inconsequente – “A Falência do Espiritismo”!

            Regra geral, isto sim, o homem faliu em face do Cristianismo: faliu como intelectual, como estadista e como religioso. Mas, deduzir-se dessa dolorosa constatação que possa ter falido o Espiritismo, que é, sem dúvida, o Cristianismo restaurado em sua pureza, não é possível, nem justo.

            Os ouropéis de uma civilização abastardadora do caráter simples e sincero, que lhe devera ter inspirado a Doutrina do Cristo, é que engendraram a falência dos homens, reduzindo-os a uma situação de cativeiro infamante, de que nem sequer tentam libertar-se, porque a sua libertação implicaria grande esforço para se purificarem e desprenderem de hábitos rotineiros em que se comprazem todos, porque lhes fala mais alto aos sentidos essa modorra da consciência, do que à alma os clamores da mesma consciência, entorpecida por séculos de vida hipócrita e contaminada de abjeções tremendas.

            A ninguém, por isso, é possível prever as consequências do desmoronamento universal desta civilização edificada sobre o alicerce de fórmulas convencionais, tão contrárias à índole do Cristianismo, que aos próprios espíritas é sobremodo difícil vencer as dificuldades que se lhes deparam na prática da vida, para viverem de acordo com os princípios que sinceramente professam! Horresco referens! (tremo ao conta-lo!)

            Mas, por misericórdia de Deus, jamais se verificará a falência do Espiritismo - porque não é ele de estrutura humana e sim espiritual, isto é, os seus mentores são Espíritos livres das convenções sociais, que no momento oportuno sabem dizer as coisas como as coisas são e jamais como as aconselha a exigência do bom-tom e da harmonia fraterna - rotulagem triste com que se disfarçam personalismos presunçosos, a se apresentarem como garantes únicos das boas diretrizes doutrinarias ortodoxas.

            Devemos estar precavidos, pois que não podemos saber de que modo e a que horas chegará aquela justiça, aquele poder que surge subitâneo como o raio, no próprio dizer do Evangelho. O que é verdade é que a Civilização se contorce nas dores de um parto decisivo, de que nascerá para o Mundo ou um ciclo luminoso de conquistas alcandoradas do espírito humano, ou um doloroso ciclo de decadência (que seria simples repetição da História, aliás sempre a repetir-se) para expiação mais longa e profunda dos grandes crimes e dos pecados tremendos que, em geral, os homens estão a praticar destemerosamente, desde que se imaginaram os únicos competentes para lavrarem as suas próprias sentenças condenatórias ou absolutórias. Deus apenas deve assistir, impassível, ao desenrolar dos acontecimentos, dizem eles.

            E o Cristo continua, do alto da cruz, a suplicar: “Pai, perdoa-lhes, porque eles não sabem o que fazem.”

            O homem faliu, evidentemente em face da Lei Moral, do eterno Código divino. Mas, o Espiritismo, restaurador do puro Cristianismo, jamais falirá. Por amor do Cristo, irmãos, façamos um supremo esforço: unamo-nos, amando-nos, tolerando-nos, respeitando-nos e procurando amparar-nos reciprocamente, para que as nossas falências sejam reparadas e possamos todos voltar, humildes e arrependidos, ao redil das ovelhas do Mestre, pois que a falência não é somente de um, é de todos.


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