quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Contra a religião católica - Em prol do Espiritismo

 

Contra a religião romana 

– Em prol do Espiritismo

 por Fernando de Alencar         Reformador (FEB) Agosto 1908

             Uma das mais clamorosas injustiças que me revoltam o ânimo, aliás atreito ao  perdão - incontestavelmente uma das mais sublimes manifestações da Caridade – é, por sem dúvida a guerra desenfreada que ao Espiritismo – essa ressurreição da primitiva religião cristã – move o caduco e trôpego Papismo, que, não mais podendo entenebrecer com a sinistra nuvem de suas roupetas a consciência do Mundo, faz explodir, contra os adversários, em injúrias, desacatos e calúnias, o seu furor já hoje felizmente de todo inócuo, fornecendo destarte à humanidade a prova mais inconcussa e peremptória de que o seu credo, bem longe de ser inspirado nos puros ditames que se desfolharam dos fragrantes lábios do formoso Nazareno, é a antítese perfeita do Cristianismo.  

             E nem há mister de aturado exame para chegar a tal conclusão.

             Porque todo esse ódio contra o Espiritismo, cuja moral é a mesma de Jesus?

             Porque semelhante aversão a um credo que preconiza o amor, o perdão, o auxílio mútuo entre todos os homens, sem distinção de raça e de crenças?

             Porque esse rancor, essa insaciável sede de vingança contra uma doutrina toda de paz, de concórdia, de amor e caridade?

             Pois não é certo que a caridade é a suprema lei moral? Não é verdade que ela, no conceito de Paulo, é mesmo superior às suas duas irmãs – Fé e Esperança?

             Não é intuitivo que somente fora da caridade é que não pode haver salvação?

             E o que fazeis quotidianamente, senhores ministros do romanismo, vós que, em atitude de combate contra o verdadeiro Cristianismo, vos enfileirais como lúgubre regimento, em cuja bandeira negra como as sotainas que envergais, se lê em caracteres rubros como o sangue a inscrição tão audaciosa e presumida quão inverossímil e paradoxal: Fora de meu seio não há salvação?

             Se Jesus foi o exemplo vivo e palpitante da cordura e mansidão, porque vós, que vos alardeais seus discípulos, não poupais as mais veementes censuras, as mais furiosas imprecações contra todos aqueles que procuram erguer um óbice, uma forte muralha à invasão dos vossos irracionais ensinamentos, das ameaças de suplícios fantásticos com que assolais os vergéis das almas, onde pompeiam as variegadas e fragrantes flores da esperança e do amor?

             O que colimais, ainda hodiernamente, com a difusão do extravagante e irracional ensino de um deus vingativo e terrível, da criação assombrosamente medonha de um pai sem compaixão e sem amor, condenando cruelmente os seus pobres filhos a inimagináveis castigos eternos? Pois ao invés de um verdadeiro pai, não é certamente esse vosso Deus um lídimo filicida?

             Não, absolutamente não acredito que atilados, como geralmente sois, tenhais uma tão monstruosa concepção da Infinita Misericórdia, do Infinito Amor, da Infinita Bondade que é esse Deus, para cuja revelação, dos abismos de luz em que flutua, baixou ao nosso miserável planeta o divino Missionário, cuja passagem na Terra foi como um sulco de luz em meio à noite cerrada e profunda da ignorância e miséria humanas!  

             Não, no estudo relativo do adiantamento mundial, não mais podeis crer, nem tão pouco fazer crer, na existência do Deus terrível que apareceu a Moisés entre relâmpagos e trovões aterrorizadores!

             Não: haveis de convir que o Deus de bondade e amor a quem Jesus implorou, no suplício da cruz, o perdão para seus nefandos inimigos, é que é o verdadeiro Deus, cheio de complacência e magnanimidade, de amor e equidade, suavizando o castigo com a esperança e o rigor da justiça com a doçura da misericórdia.

             Não, não podeis fazer do Pai supremo tão aviltante conceito.

             A Infinita Bondade exclui a infinita perversidade, que outro nome não cabe no ao pai vingativo e cruel, cuja criação fantástica a vossa imaginação fanática e o vosso torpe mercantilismo têm implantado no cérebro dos ingênuos e incautos.

             O vosso ódio contra nós outros, adeptos do Espiritismo, tem origem tão somente nos vossos interesses gananciosos, que fere de morte a nossa excelente doutrina, que não nos cansamos em repeti-lo, nada mais é do que a ressurreição do Cristianismo primitivo, que preconiza a caridade em todas as suas mais amplas e variadas modalidades; e vós, senhores do romanismo, sois a personificação da intolerância, do egoísmo e do orgulho!

             A doutrina de Jesus é toda amor; a vossa é toda ódio, ódio insaciável, terrível, contra todos aqueles, cujas ideias lesam os vossos sórdidos interesses !.. Ódio voraz, tigrino, que nem o túmulo reprime, ódio que se farta nos próprios cadáveres!

             Sim, ódio, que outra coisa não exprime a repulsa da inumação em vossos cemitérios dos infelizes suicidas e dos de todos aqueles que não comungaram convosco!

             Se é certo que Jesus nos ensinou com a palavra e o exemplo, a amarmos os nossos inimigos, porque dardejais do púlpito o despeito, o ódio, a fúria contra nós outros, cujo crime único se resume em não acreditar na existência do vosso deus iracundo e feroz, de um deus que se apraz em ver a combustão de corpos vivos em meio as flamas crepitantes das piras inquisitoriais, e ter eternamente diante dos olhos o pavoroso espetáculo de espíritos contorcendo-se em terríveis dores infinitas, náufragos num oceano sem margens de não sei que inimagináveis labaredas abrasando seres imateriais!

             Qual o vosso alvo, procurando arraigar no coração da humanidade tão tóxicas, terríveis e nocivas ideias que, aliás, faço justiça à notória sagacidade que vos caracteriza, não medram em vossas almas?

             A verdade é que procurais difundir o terror no coração da ignorância fanática, com o fim exclusivo de vos locupletares.  

            Nada mais sois do que a revivescência dos antigos fariseus, que, a pretexto de longas orações, extorquiam as viúvas, aos órfãos e aos cegos de inteligência o pecúlio obtido a custa de sacrifícios e trabalhos!

             Abaixo a religião papal!

             Transformem-se todos os mosteiros, onde a ociosidade e a hipocrisia, enroladas em suas negras samarras, se banqueteiam hilares com uma prodigalidade nababesca; sim, transformem-se os conventos em asilos, em hospitais, para todos os deserdados da fortuna, para todos os nossos irmãos que não possuem um teto, nem pão, nem lenitivo para seus padecimentos, nem livro para suas inteligências!

            Sejam fundidos os ídolos de ouro, com que se adornam os pagodes católicos, em moedas que saciem a pobreza faminta e velem a nudez da mendicidade decrépita e da orfandade desamparada!

              Em nome da civilização, em nome da Caridade, desapareçam da face da Terra os mosteiros essas sombrias casernas em que vegeta o negro exército do obscurantismo, e surjam, por toda a parte, em substituição a eles, estabelecimentos de beneficência e de instrução, em que os apóstolos do Bem ensinem aos pobres espíritos encarnados a vereda que os deve conduzir ao paraíso sidéreo (sideral), ao éden divino!

            Senhores do romanismo, já é tempo de dardes algum repouso aos vossos estômagos edazes (vorazes) e, e abrirdes os vossos corações, mergulhados nas trevas dos preconceitos, do erro e do egoísmo, aos fulgores da aurora do moderno Cristianismo, que surge atrás da negra penedia do Vaticano, iluminando todas as consciências e embalsamando de esperanças todos os corações crentes na bondade Infinita do Pai supremo!

             Quereis em realidade ser úteis nos vossos irmãos? Quereis ser verdadeiramente caridosos, verdadeiramente cristãos?

             Para isso é indispensável não odiardes. Jesus foi a personificação do amor.

            Amai!

            Não vocifereis do púlpito imprecações contra quem quer que seja.

             Se os nossos irmãos pecam, fazem, por isso mesmo, jus à vossa compaixão.

             Jesus foi a humildade.

             Vós sois o orgulho.

             Jesus, com as suas próprias mãos, enxugou os pés aos seus discípulos.

            O vosso pontífice, repimpado na cadeira gestatória, é, passado em triunfo sobre as espáduas de homens cônscios desse servilismo execrando, mas que a ele passivamente se submetem, impulsionados tão somente pela paixão ignóbil da cobiça desenfreada, do interesse inconfessável, do ganho cômodo e ilícito!

             Digamo-lo bem alto, e que o nosso brado repercuta por toda a parte, mormente pelos remotos sertões, em cujas serranias esvoaçam sinistramente os corvos de sotaina, farejando a podridão do fanatismo e da ignorância:

             - O catolicismo de Roma, orgulhoso e feroz, ganancioso e mau, não é, de certo, a religião do humilde e pacífico, do magnânimo e dadivoso Nazareno, que, durante sua passagem sobre a Terra, só teve uma indignação, uma revolta justíssima e sagrada: foi quando com o azorrague expeliu do templo os seus profanadores, os nefandos dos mercadores, reproduzidos hoje nos negociantes das verônicas (imagem de Cristo pintada sobre tecidos) e escapulários, de missas e litanias! (ladainhas)

             Não, senhores sectários do romanismo, vós não sois os continuadores dos bons e simples apóstolos do Cristo!

             A vossa doutrina é mais do que dissimil (dessemelhante) da de Jesus. E!a é diametralmente oposta à revelação cristã.

             Muitas inteligências cultas que haviam, imprevidentemente, posto as

suas luzes ao serviço letífero do papismo, já têm vindo, impelidas por um dever de consciência, confessar, a luz meridiana da imprensa, que renegaram para sempre os paradoxos católicos, que somente a carência do livre exame os tinha feito adotar.

             Não mais atravanqueis a estrada do porvir: ou haveis de vos dispersar, e, espavoridos à luz vivificante da ciência e aos ruídos dos céleres passos da humanidade marchando resolutamente para o éden do Amor e da Verdade, ou haveis de ser fatalmente esmagados sob os pés do Progresso em sua carreira vertiginosa para Deus !..


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