domingo, 16 de fevereiro de 2020

Em reverência a um Justo



Em reverência a um Justo
Editorial
Reformador (FEB) Outubro 1942

            Simbolizando múltiplas verdades essenciais à evolução da humanidade, a morte aparente de Jesus no Gólgota, o sepultamento de seu corpo incorrutível e a sua ressurreição também foram símbolos do que, no transcorrer dos séculos, aconteceria e aconteceu à Doutrina que Ele personificava e personifica, única que faculta às criaturas de Deus a força de quebrar os grilhões com que as tem escravizadas o “príncipe do mundo”. Após de refulgir no seu verbo divino em seus exemplos inigualáveis de amor e de pureza espiritual, de rebrilhar na palavra e nas obras dos que beberam da água viva de onde ela jorra perene e cristalina, teve igualmente aquela doutrina o seu calvário, onde sofreu eclipse, análogo ao do Sol que por três anos fulgurara aos olhos dos homens, e, mergulhou na sombra de um túmulo, para, por fim, ressurgir em todo o esplendor e, sem que mais se lhe possa empanar o brilho, guiar o gênero humano à terra da promissão, como outrora a “estrela” guiou a manjedoura de Belém os magos do Oriente.

            Serviu de túmulo ao corpo etéreo do Redentor uma gruta cavada na montanha; constituíram o da sua doutrina as doutrinas humanas que, contrafações daquela, se lhe foram superpondo, amalgamadas pelas interpretações com que o orgulho, o egoísmo, a cobiça, o profissionalismo sacerdotal, a cegueira dos homens procuraram colocá-la a serviço das suas ambições das coisas perecíveis e falazes com que o mundo lhes acena.

           

            Para que a “ressurreição” do Messias fosse comprovada, bastou que do primeiro daqueles túmulos um “anjo”, um Espírito do Senhor, exercendo poderosa ação fluídica, deslocasse a pedra que o fechava. O segundo, para que se abrisse e ressurgisse dele, imaculada em seu espírito, a Doutrina Cristã, necessário se fez, tão grandes eram as pedras a remover, o trabalho portentoso das legiões do espaço, sob a direção dos mais graduados executores da obra de redenção a que o Cristo de Deus preside.

            Ainda mais: preciso se lhes tornou um instrumento terreno, completamente aparelhado para trabalho de tão alta monta, contra o qual também se levantariam as legiões dos que, através dos tempos, haviam prestado concurso eficaz ao alteamento da montanha de erros, sob que teve de ficar sepultada aquela doutrina.

            Tal instrumento que, para o ser, importava fosse um gigante pela grandeza espiritual, encontrou-o o Senhor naquele que entre nós tomou o nome de Allan Kardec e a quem, transgredindo embora a recomendação do Mestre supremo, chamamos Mestre, porque o há sido, realmente, no ensinar aos seus irmãos em Deus como se lhe observam as leis, como se lhe cumprem os desígnios, como se desempenham as missões recebidas dele, por intermédio do seu Filho bem amado.

           

                 Valoroso e sereno, cônscio de seus deveres e responsabilidades, bem como do compromisso que assumira com o seu Mestre e Senhor antes de descer à escuridão da carne e de aparecer no mundo, o que se verificou há 138 anos, logo que começaram a produzir-se os fenômenos reveladores da continuidade, da interpenetração dos dois planos da vida, o das causas e o dos efeitos, o visível e o invisível, reveladores, portanto, da influência recíproca de um sobre o outro, ei-lo em ação, resoluto e palpitante de fé, no posto que lhe cabia ocupar. E, a breve prazo, nessa codificação que de imediato se mostrou fonte luminosa de verdades indestrutíveis, nessa codificação que tem desafiado e continuará a desafiar os golpes, destros ou canhestros, dos aborrecidos da luz, encarnados e desencarnados, a ressurreição gloriosa do Cristianismo se operava, despojado dos sudários da letra, nos quais, envolto, o tinham sepultado, liberto das algemas dos dogmas com que o maniataram, expungido de todos os mandamentos humanos, que até então sujeitaram a razão e a consciência, trazendo, apenas, refulgentes, as divinas auréolas do amor, da fraternidade, da caridade, da paz.

            A lembrança de ter sido ele o instrumento terreno dessa ressurreição por si só nos lembra quanto lhe devemos e nos faz compreender de quanto devedores somos ao amor ilimitado e à misericórdia de Jesus, o Mestre divino. Entretanto, ainda melhor o compreenderemos, se atentarmos na situação presente do mundo.

            Com efeito, qual seria essa situação, embora apresente os caracteres de tremendo caos, se, como agente daquela misericórdia, empunhando o facho da Verdade, que quase de todo se extinguira na tumba onde fora encerrado o espírito da Doutrina Cristã, não houvesse ele lançado sobre a alma humana esse imenso clarão que, projetando-se muito além dos limites da existência na Terra, dissipou as sombras da morte e deu à vida corpórea o seu legítimo significado, com o proclamar o grande princípio: “Nascer, viver, morrer e renascer, progredir sempre, tal a lei”?

           

                Realmente, qual seria a situação do mundo, se ele não houvera assentado a base da próxima renovação espiritual da humanidade, mediante essa fórmula concisa de um princípio, a cujo âmago descera, para o revelar nos seus fundamentos, na sua grandiosidade e nas suas consequências, o da reencarnação, que rasga ao espírito humano os horizontes infinitos da espiritualidade e que, reconfortando-o, enchendo-o de certezas, por lhe dar a conceber a justiça misericordiosa de Deus, lhe traça segura diretriz para a realização de seus destinos, não mais, desde então, duvidosos, porém claros e esplendentes?

            Seria, quiçá, a da escravidão completa, em todo o horror das mais alucinantes aflições; seria a da treva profunda e absoluta onde nenhum raio de esperança pudera penetrar; seria a do abismo sem saída, em vez da perspectiva risonha de um continente sem lindes e todo luz, onde se efetua a comunhão das almas, possuídas de um único sentimento - o do amor universal.

            Repousando sobre tão majestoso fulcro, a obra de que ele , o Mestre, foi o principal obreiro encarnado, se eleva cada vez mais, dia a dia mais se dilata e engrandece, a despeito da grita e dos esforços em contrário dos que ainda não a puderam compreender, nem lhe sentir os incomparáveis benefícios. Ela, exclusivamente ela, se ergue pujante e inabalável, em meio das ruínas e dos escombros a que vão sendo reduzidas, porque divorciadas de Deus, todas as construções que o homem arquitetou e de que tanto se orgulhava, científicas, políticas, sociais e religiosas. Comprova assim aquela obra que divinos são os seus alicerces e que, portanto, só pela execução integral do plano a que o Supremo Arquiteto a subordinou deixará o nosso orbe de ser a geena que é, transformada numa das ditosas moradas da Casa do Pai celestial.

           

           Conseguintemente, devido e justo é que mais uma vez, como sempre o havemos feito, rendamos ao grande Espírito que, submisso ao Pastor divino, iniciou, nos modernos tempos, tão portentoso labor de transformação, as homenagens do nosso reconhecimento, da nossa gratidão, do nosso amor, sem a eiva das glorificadoras homenagens humanas. Preito tem que ser o nosso de puros sentimentos, partido de corações cujo palpitar lhe dê a certeza de que nos terá, aqui ou no além, a trabalhar abnegadamente, sob a sua direção, quando lhe seja permitido volver ao seio da humanidade encarnada, para levar por diante e a termo a sua excelsa missão...

            Que o seu Espírito voltará, a prosseguir na obra encetada há menos de um século, é fora de toda dúvida. Estará próxima a hora do seu novo advento entre os presidiários da carne? Do dia e da hora só o Pai o sabe, disse Jesus. Afigurasse-nos, entretanto, que ela não vem muito distante. Avizinha-se a grande transição. Anunciando-a, em confirmação do que dizem os mensageiros do Alto, cresce o fragor dos desmoronamentos, avultam as angústias nas almas em prova e todas, por toda parte, como a escutar uma voz que lhes fale no íntimo, pressentem que alguém surgirá, em meio dos desesperos da trágica atualidade do mundo, para liberta-lo dessas angústias e desesperos, fazendo-se ouvir com a autoridade amorosa de lídimo órgão dos que, do plano invisível, dirigem, obedientes ao mando do Senhor do mundo, os destinos dos povos, a marcha das nações para a realização desses destinos.

            Longe, porém, ou perto que esteja a hora de tal advento, o que se faz mister é que desde já e para sempre tenhamos unidos os nossos corações pelos laços do verdadeiro amor fraterno, para que a todo momento lhe seja possível a ele, segundo palavras suas, aspirar neles o perfume de tão sublimado sentimento, pois que só esse perfume lhe revelará onde encontrar os obreiros, humanos ou espirituais, de que necessite, para, por glória do Senhor, trazer à Terra paz, pela humildade e pelo amor. Seja essa a homenagem continua que lhe tributem, penitentes, os nossos espíritos.



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