quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

A vida verdadeira

Vinícius


A vida verdadeira
Vinícius (Pedro de Camargo)
Reformador (FEB) Março 1952

            Se a vida começasse com os primeiros vagidos da criança e tivesse o seu desfecho no derradeiro suspiro do moribundo, não passaria de engenhoso engodo, habilmente concebido, para manter o homem, durante algum tempo, sob a sensação enganadora de uma aparente realidade.

            Suas incontestáveis belezas e encantos, como também suas estupendas realizações e conquistas, nada mais seriam, em síntese, senão mitos e quimeras conducentes aos maiores desapontamentos e à mais cruel decepção.

            Ciência, filosofias, artes e expressões religiosas em seus aspectos mais excelentes; coragem moral, renúncia e sacrifícios; dedicação, perseverança e fé; otimismo, bom ânimo, aspirações puras e elevadas; idealismos transcendentes tendendo à consumação do belo, do justo e do verdadeiro; enfim, surtos, arrancadas e porfias amoráveis buscando unir e confraternizar a Humanidade, apenas representaria, tudo isso, o bruxulear descompassado de uma chama que se extingue, lançando ao vento seus postremos lampejos.

            Se assim realmente fosse a vida, não mereceria ser vivida. Melhor fora que jamais existisse. Mas, felizmente para o homem, a realidade é bem outra: a vida, neste orbe, é a manifestação do Espírito através da matéria devidamente organizada para esse fim. A alma é imortal e, por isso, responsável. Veste-se do corpo ao nascer, e dele se despe ao morrer. Seus esforços e suas lutas, seus empreendimentos e suas aspirações são meios de aprendizagem mediante os quais ela vai, em seu eterno presente, reparando o passado e conquistando o futuro.

            Evolver é o objeto da vida. Amar é a sua função. Vencer é o seu destino, gravitando para a fonte de onde promana: Deus.

            A quimera e as ilusões procedem das falsas interpretações que têm da alma, da maneira errônea de concebê-la, confundindo-a com o corpo que ela movimenta do nascimento à morte.

            Fantasias e sonhos vãos resultam da falsa visão daqueles que concentram e delimitam as operações da vida ao âmbito estreito deste planeta, ao cenário instável e movediço da existência humana.

            Semelhantes conceitos e conclusões não procedem apenas do raciocínio, da lógica e do senso comum; nem, ainda, de doutrinas e escolas fundadas e mantidas por autoridades terrenas: são revelações e testemunhos trazidos à Terra por aqueles que já transpuseram as suas fronteiras, penetrando o limiar do Além.

            Não se trata de dogma ou de ponto de fé imposto pelos credos de menor ou maior projeção, mas das vozes autorizadas de nossos irmãos, daqueles que mourejaram conosco e nos precederam na passagem deste para outro plano, onde continuam exercendo suas atividades através dos atributos inerentes e inseparáveis do Espírito imortal.

            A miragem que engana, fascina e desnorteia está aqui, neste cenário onde os homens se acotovelam; está no fato de tomarem a transitoriedade da presente existência como expressão absoluta da vida, quando representa tão somente uma fase passageira, transcorrida no curto lapso de tempo que vai da encarnação à consequente e natural desencarnação.

            Se o nascer fosse o começar, o morrer seria, realmente, o terminar.

            Como, porém, o Espírito preexiste à sua incorporação ou nascimento, segue- se, logicamente, que após a desincorporação ou morte, ele continuará existindo. Se ele veio da esfera espiritual ao nascer, é claro e óbvio que retornará, ao morrer, àquela mesma esfera.

            A alma não é produto da concepção como o é o corpo. Este traz consigo os traços de sua origem, como também as heranças físicas, boas ou más, dos seus progenitores. A alma, porém, sede da inteligência, da vontade e do sentimento, tem a sua gênese na fonte da vida eterna - Deus - ao quem, por isso, o sábio Mestre da Galileia nos ensina a considerar como nosso Pai, estabelecendo destarte, analogia entre o genitor do corpo e o genitor do Espírito. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é Espírito. A morte, portanto, na acepção de aniquilamento, é a grande ilusão dos sentidos, que, presos à forma, experimentam a sensação do vácuo quando esta forma desaparece.

            O nascimento pode, com justeza, ser comparado à personagem que entra no palco, em devido tempo, a fim de representar o papel que lhe foi distribuído, o qual será, mais ou menos importante, segundo a sua capacidade. O ator, após realizar a sua parte, desaparece atrás dos bastidores, tal como sucede ao homem que, ultimando sua tarefa no teatro terreno, oculta-se no plano espiritual, deixando de ser notada a sua presença pelos que permanecem, ainda, no cenário das formas corpóreas.

            Assim como o artista prossegue em sua carreira, incumbindo-se de novas representações, o Espírito continua reencarnando-se em outras existências, nesta ou em outras ribaltas onde a vida se ostenta em seu curso de perene evolução.

            A vida, portanto, não é uma ilusão, uma quimera, um engodo. Ao contrário, é a única realidade, a única evidência. Incontestável, porque Deus mesmo é a sua manifestação no imensurável palco universal de sua infinita criação.

            O que precisamos é estudá-la para compreendê-la e senti-la: em sua verdade, tanto em nós como em tudo que nos rodeia.

            O que precisamos é aprender a solucionar os seus problemas, vivendo-a como deve ser vivida, com dignidade, honra e nobreza, considerando sua origem divina.

            À medida que a santificamos em nós, espiritualizando-a progressivamente, lhe iremos sondando a natureza e sentindo a indestrutibilidade de sua estrutura inconcebível e inacessível à relatividade da inteligência humana.

            Não basta, pois, viver. É preciso viver bem, penetrando a profundeza da vida. Eu vim para terdes vida e vida em abundância, disse o Cristo. Viver, tudo vive. Vive o minério, vive a planta, vive o animal, vive o homem. A vida vegetal é mais complexa que a mineral. A vida animal sobrepuja a vida das árvores; e a vida do homem sobrepõe-se a das à dos animais. As expressões que a vida assume são, portanto, progressivas.

            Acima da vida humana, outras modalidades existem em escala sempre ascendente. Do homem a Deus verifica-se uma distância infinitamente maior que aquela estabelecida entre o verme e o Homem.

            Tratemos, pois, de galgar os degraus superiores da vida. Avancemos, subindo conscientemente a sua escada luminosa, espiritualizando-nos, pois em tal importa a melhor e mais eficiente de todas as formas religiosas conhecidas neste mundo, aquela ensinada e exemplificada pelo Verbo Encarnado, quando disse: Eu sou o Caminho. a Verdade e a Vida; ninguém vai ao Pai senão por mim.

            Sigamos, então, desassombradamente, as pegadas d'Aquele que é o roteiro reluzente que nos conduz à Vida Verdadeira.

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