A Doutrina Espírita
por Jayme Braga
psicografia
de Porto
Carreiro Neto
Reformador
(FEB) Maio 1947
ADVERTÊNCIAS
Não farás para ti imagem de escultura,
forma alguma do que há em cima no céu, ou em baixo na terra, ou nas águas debaixo
da terra. Não as adorarás, nem lhes dará culto; porque eu, Jeová teu Deus, sou
Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos, na terceira e na
quarta geração daqueles que me aborrecem. - Deut. V-8 e 9.
A doutrina espírita
é a doutrina cristã; é a doutrina da tolerância e do amor: da compreensão das
leis divinas e da submissão aos decretos do Eterno Soberano; da fraternidade em
Cristo, o que vale dizer da interpenetração dos corações num mesmo coração
universal; de entendimento da Natureza em âmbito mais vasto que o pequenino
terreno; da extensão do pensamento para além fronteiras; da continuação do afeto
no espaço livre, como no cárcere onde se fazem amizades por sorte comum; do
prosseguimento desse afeto entre encarnados e desencarnados, num laço contínuo
que se não desfaz, antes se estreita cada vez mais que nos afastamos
aparentemente.
Sim! Essa afeição,
que nos liga a todos os filhos do Pai Celestial, antes se exalça que míngua, ao
se separarem os corpos, que nada têm com o Espírito. A amizade aqui, como a
entendemos, é qual o vinho, que, quanto mais antigo, melhor sabe, e não somente
o sabor, senão a essência se vai mais e mais refinando. Os simples mortais
estão longe de compreender, o que sejam as ligações espirituais. A simples afeição,
cultivada na Terra, misto de sentimentos inerentes à matéria, não pode traduzir
o que sentimos, do espaço, pelos que ainda se prendem à argila infamante.
Comparais muitas
vezes a ligação entre os seres humanos com a sinfonia de cordas: se estas
vibram em sintonia, sentis atração e casamento. Longe imagem essa, que haveríeis
de tomar por traduzir vosso sentimento. Aqui, porém, no espaço, temos novos
recursos e novos sentimentos, intraduzíveis na linguagem humana e no sentir dos
homens.
Quando o Cristo
disse: "Amai-vos uns aos outros, e, acima de tudo, ao vosso Pai que está
nos Céus", que sublime pensamento exprimiu, mas, na verdade, que mais
sublime sentir lhe lá n’alma! Vós traduzis esse amor à vossa maneira; ele,
contudo, muito mais quis exprimir, mas não tinha palavras compreensíveis para
vós. Inútil é procurar imaginar que quis ele dizer; contentar-vos em sentir
esse afeto, que conheceis, e outros modos de sentir vos serão dados, à maneira que
vos eleveis na escala do sentimento.
A evolução do homem
é a evolução do sentimento. O progresso a que vos concitamos é o de vosso
sentimento das coisas e de tudo quanto criado. Precisais sentir para viver;
precisais aumentar esse sentir para viver mais perto de Jesus; precisais ter esse
sentir real, para viver a vida verdadeira. Viver é sentir.
Viver é sentir: e
daí todo cultivo de orgulho e de egoísmo é o do joio no meio do trigal. Por
isto, profligaram, no tempo de Kardec, os Espíritos doutrinadores esses dois
destruidores da obra do Cristo, da obra do Pai. Ainda por isto, o isolamento,
em que se põem certos indivíduos, a pretexto de meditação, é contrário a toda a
obra do Universo, não só pela ausência da caridade, isto é, do auxílio que
deveriam prestar à comunidade, como porque não sentem, em toda a extensão, esse
mesmo Universo, que pretendem perscrutar, sem lhe sentir a vibração; não vivem,
portanto, antes morrem pouco a pouco.
Todo exclusivismo é
vicioso, como todo excesso; porque exclusivismo é excesso. Tanto peca o
materialista quanto o espiritualista, este mesmo que despreze a matéria,
criatura também do mesmo Deus. Têm ambos sentimento imperfeito, e longe, pois,
se acham de abarcar o Universo. Um se apega à matéria, porque palpável, donde a
única coisa que fosse real; outro se alcandora em regiões nebulosas, que de
fato não existem, pois existe a luz, tão viva ou mais viva do que a obscura
matéria (em seu sentido mais geral).
É esta a dura
experiência que têm de sofrer todos, desde o nascer, Hão de sentir todas as vibrações,
desde as mais grosseiras até as mais sutis. Hão que enlamear-se no lodo, para
resplandecer depois à luz vivida do sol da perfeição. Hão que baixar às
misérias humanas e extra-humanas, pura lhes participar da essência, aspirando-lhes
o odor nauseabundo, no qual se comprazerão ou que repelirão, pela sua exclusiva
vontade. Virão à sua presença e penetrar-lhe-ão no ser os males, que o
atormentem ou com os quais se sintam afins; hão de sofrer tentações, como Jesus
no alto do penhasco: resistirão ou cederão. Subirão, de vez em quando, ao Céu,
para lhe ouvir notas estranhas: a essas serão indiferentes ou mesmo as tomarão
como sons bárbaros, ou com elas se deleitarão, num ímpeto de ouvi-las
eternamente. Tocar-lhes-ão a pele sensível do Espírito vícios e virtudes, todos
coexistentes, em conluio, em entrechoques, para que seu diapasão distinga o bom
do mau, para que se amolde a uns ou a outros, deformando-se ou aperfeiçoando-se.
Hão de ter senoides, mais violentas que as agitadas ondas de oceano proceloso.
Passarão vertigens nos máximos da curva, como se amodorrarão nas baixezas lutulentas.
Hão que “nascer” e "renascer", sem cessar, indefinidamente. Ora aqui,
ora ali, sentirão a pulsação da Natureza, ouvindo-lhe os anseios, descobrindo-lhe
os segredos, imiscuindo-se nos atros abismos da Terra e do homem, conhecendo-a
palmo a palmo; instruindo-se em todos os setores, dominando-a, enfim.
Tal o ensino dos
vossos irmãos maiores, tais os conselhos de Jesus. Como, porém, poderia este
Instruir coisas inatingíveis aos homens, e ainda a homens sem qualquer
conhecimento da ciência terrena? Vãos não teriam sido aqueles conselhos, como
ainda o são muitos dos que nós, de boa vontade, ministramos? Por isto mesmo, lembrai-vos,
proferiu o Mestre hipérboles, que, sem atingir a compreensão humana, de
qualquer sorte se aproximava às verdades eternas.
Notai que o Mestre
quase sempre buscava imagens e comparações; em certos pontos, entretanto,
declarava, com pesar, que a Verdade não poderia ser então revelada. Como,
efetivamente, poderia ser traduzida expressão celeste em linguagem humana? E
acrescentava que tais pontos haveriam de ser esclarecidos quando o mundo
houvesse atingido maior progresso; haveriam de ser "sentidos", pouco
a pouco, à proporção que os homens "vivessem" mais tempo. Pouco a
pouco, mas seguramente, as almas sentiriam a profundeza de seus ensinamentos,
novas palavras surgiriam para traduzir o sentimento, que evoluía com a vida;
melhor penetrariam as vibrações extraterrestres, à maneira que encontrassem
ambiente mais adequado, corações mais abertos, sentimentos mais afins.
Por isto falou o insuperável
Instrutor por figuras, que ainda terão de ser interpretadas em toda a sua significação:
os tempos ainda não são chegados plenamente para que a criatura as entenda em
toda a plenitude. A dissenção ainda será estado de muitos séculos, por Isto
mesmo que ninguém ainda sente que "coisa" seja a Verdade; e ainda há
exclusivistas. Se, aí, na Terra, não podeis exprimir
certos sentimentos - bons ou maus -, quanto mais certo não será que não
possamos do Espaço traduzir o que vos temos a dizer! Certas vezes havemos de
dizer coisas que ninguém entenda: argumento este poderoso, para terdes a
certeza de que não engendrastes, por vós mesmos, o que afirmais. Não haverá,
estai certos, qualquer portento de cérebro humano ou de imaginação a mais
exaltada, capaz de conceber algo fora do seu âmbito. O que digam os
materialistas a respeito, alegando "exaltações", não passa de
fantasia, maior que o que eles supõem seja fantástico. Nenhum selvagem será
capaz de imaginar o que ignora da ciência moderna. Assim também vós, homens
mortais, sois incapazes de vislumbrar, sequer, o que entre nós se passa, como
também nós, mais próximos de vós, não temos poder, por maior vontade, de idealizar
o que se passa nas altas regiões mais próximas do Criador. Ainda não
"sentimos" em todos os quadrantes do Universo, como vós não vedes
além do horizonte.
Ora, é esse
"sentir" que cumpre experimentar em todas as partes do Universo, onde
seja necessário. Se nos falta alguma experiência, temos que buscar o local adequado. Se não conhecemos o lodo, insta
procurar o charco. Se não sabemos que seja luz, devemos olhar o Sol. É bem
claro que conforme a região variará o clima; como haveríamos de sentir
temperaturas abaixo de zero no centro d'África, e como teríamos noção de calor
sufocante se não nos afastássemos do Polo?
Ficar, portanto, em
determinado ponto, ainda que tendo experimentado milhares de sensações, não é
conhecer tudo quanto existe nesse terreno de sensação, o que equivale a dizer;
no campo da vida; a fieira, como disse Kardec, há de ser toda atravessada. Mas
insiste: não num mesmo lugar. O próprio Espaço, tão amplo e variado, não basta.
Não há remédio senão procurar um "mundo", onde se encontre o que
falte, para cada vez mais adquirir de experiência. Por muito aprendamos em
liberdade, não seremos completos se não nos jungirmos em encarnação diversa da
anterior: eis o que afirmam os vossos irmãos mais conhecedores, e quem diz
"conhecedor" refere-se a alguém que viveu, experimentou, sentiu, não
avançando hipóteses, mas informando realidades.
A "lição"
há que ser sabida, mas absolutamente sabida. Nenhum ponto há de ficar obscuro,
ou mal tratado. Ensinam os mestres, aqui ou ali, mas nem tudo o discípulo assimila. Deve-se fazer por
suas próprias mãos; tem-se de apalpar, em seu sentido mais lato, não superficial,
mas profundamente. Tem-se de adquirir novas faculdades, incompreensíveis no
débil estado em que se acha cada um que aprende.
Os mestres assim
evoluem, e vão transmitindo seu saber aos dedicados e atenciosos alunos. Usam,
por vezes, expressões que hão fatalmente de ser incompreensíveis à primeira
audição, mas, como haveriam de proceder doutro modo? A pouco e pouco os discípulos
se vão habituando aos novos termos, conquanto não os compreendam bem: criam-se,
por outro lado, expressões para designar certos fatos, sem que, entretanto, se
conheçam tais fatos em toda a sua profundeza: tal é, por exemplo, por ser agora
comum, a "alergia", que, em si mesma, não se explica; e assim dizendo,
quero dizer que não se lhe conhece a causa, que a causa, que se revela, não
exprime o fundo da questão. Os próprios cientistas, como se vê, Ignoram os
fatos mais comuns, e, mormente, suas causas primeiras. Como se abalançam, pois, a negar algo que lhes não
esteja debaixo dos olhos?
Se o Mestre falou
em Amor, e classificou-o como a virtude excelsa, deu-vos uma primeira noção de
"sentimento" que deve ser vosso guia perene e verdadeiro na vereda do
progresso. É uma primeira noção, a fim de que buscásseis um sentimento que fosse,
de algum modo, semelhante ao que sentis aí na Terra. Mas aquele sentimento, a
que o Mestre assimilou o Amor, ainda está muito e muito longe daquele outro que
nos liga a todos e, principalmente, daquele que levou o Supremo Criador a fazer
tudo o que há e que e que O leva a manter o Universo debaixo da Lei Universal.
Perdoai-me se me
não faço de todo compreendido. Não é somente defeito vosso, senão meu também.
Não posso, por um lado, exprimir o que me vai n'alma, nem, tampouco, o que vai
pela Natureza, em toda a sua pujança. Ignoro muito e muito; e não sei se entre
mim e vós haverá muita diferença. Não pretendo ter muitos conhecimentos, e todo
o meu desejo é adquiri-los mais e mais; não com fim egoístico de meu
contentamento próprio, mas por aumenta-los distribuindo-os entre todos os que
sejam ávidos, como eu, do verdadeiro saber.
Para isto, rogo ao
Pai de Bondade me conceda meios, que eu desça, como Dante, aos infernos, onde
me ilustre com o sofrimento, como aqui encima estou, banhado de luz que sei não
será perene, antes passageiro estado, um dos máximos da senóide, mas desses máximos
ainda muito pouco salientes - bem o sei!
Incompetência, ignorância,
cegueira - ó atributos daqueles que ensaiam os primeiros passos, e estes hão de
ser por muito tempo, e não sei bem quando se acabem!
Diante duma estrada
infinita, que valem léguas e léguas? Ó orgulho, ó vaidade! Como brilhais
falsamente aos olhos iludidos das criaturas! Que sois, senão enganos, erros de
apreciação, ignorância do Bem e do Belo, do Alto e do Sublime, do Real e do inatingível?
Real e Inatingível! Que disse eu? Inatingível, para vós, é fantasia; para nós,
entretanto, é que é real! Ilusão é o que vedes, que se desfigura consoante a
luz da apreciação; o real não precisa de ser apreciado sob qualquer ângulo, e
existe de toda a eternidade, e para essa eternidade viva!
Que vos tenho eu
dito, porém, da "doutrina espírita"? Mas - tudo! Tenho-vos falado das
coisas do Universo, que devem ser sentidas para serem vividas. Se viver é
sentir (e é que vos posso dizer), tendes, como afirmei, de com tudo entrar em
contato - bom ou mal - e a vossa escolha decidirá de vosso destino. Tudo haveis
de saber, para serdes "perfeitos como o Pai que está nos Céus". Ó
sonho belo e tão longínquo.
Tendes de aprender
e de instruir; de ser escravos e senhores; ignorantes, sendo humildes: sábios,
sendo prudentes. Compreender para vibrar - e quão diferente é isto do que dizeis
vulgarmente: vibrar para entender! Assimilar o que vos toca e despedir vibrações,
que sejam úteis a outros, antes que a vós mesmos!
Seja toda a
vibração um sentimento de benefício, não se afunde na alma, onde morre inteiramente
sem proveito. Se não compreendeis o sentimento que vos nasça no íntimo guardá-lo-eis
avaramente; será um tesouro de avarento, que nem a este mesmo satisfaz.
Deveis, pois,
compreender toda a significação do adquirido, para que sejais úteis, disseminando
tesouros, que a todos enriqueçam, que só assim sereis ricos. Se sois ricos entre pobres, sereis mais pobres
do que aqueles que nada possuem de seu. Quem diz riqueza, diz bem comum, e por isto
é Deus o mais rico, e o mais rico não tanto porque "possua" todo o
Universo, mas justamente porque distribuiu todos os seus bens a quantos Ele
mesmo criou e fez herdeiros.
Olhai esta magnificência!
Vede essa fortuna, que se esbanja ao léu dos espaços, entre as constelações. Não
tem senhor senão aqueles que a desejem; não é do Creso Celeste, que dela abriu
mão em favor dos seus descendentes! Vede que generosidade de Quem tudo pudera
guardar para SI! E porque assim o fez? Porque sabia que o que mais tem é aquele
que mais dá. Quantas vezes isto mesmo ouvis, e trancais os tesouros de Bondade,
de Auxílio, de Caridade!
Eis, meus caros, a
doutrina espírita, aquela que proclamamos sem cessar, para a compreensão da
Natureza. Pena é que não possa eu dizer-vos tudo, tanto por mim, quanto por
vós. Se a luz, porém, considerais como criação sublime, aquilo sem o qual sais
cego em meio às trevas, seja a Luz Divina vosso fanal e objetivo; seja o amor o
sentimento mais nobre que conheceis, impulsionador das vossas obras, na continuação
da Obra do Arquiteto Supremo!